domingo, 2 de dezembro de 2018

Depois do adeus


Muitas vezes ouvi dizer, em tom de crítica e com forte dose de pessimismo, o seguinte desabafo: “depois que morre todo mundo vira santo!”. Confesso que isso sempre me intrigou. De fato, todo ser humano que passou por essa existência terrena e que tenha atingido a idade da razão teve defeitos, muitos deles talvez os tenham acompanhado até o último instante. Sendo assim, seria justo esse enaltecimento das virtudes após a morte?
Quando alguém muito próximo a nós parte desta vida, talvez consigamos compreender esse fenômeno.
Uma pessoa com quem convivemos proximamente não consegue esconder os seus defeitos e as suas limitações. Na intimidade do lar é impossível manter as máscaras que frequentemente vestimos no ambiente de trabalho ou no convívio social. E então vemos os demais e somos vistos por eles com maior claridade, tal como se é.
Por outro lado, porém, não raras vezes, somos implacáveis em reconhecer os erros dos outros, ao mesmo tempo em que mantemos uma incrível incapacidade de reconhecer os próprios defeitos e limitações.
Mas após a morte, com a dor da separação, é muito frequente que ocorra o inverso. Ganhamos luzes para ver quanto bem aquela pessoa nos proporcionava. Uma pequena comparação – deveras imperfeita – talvez nos ajude a compreender. Quando estamos num edifício jamais reparamos numa imponente barra de concreto que lhe dá sustentação. No entanto, se ela se romper e o prédio vier abaixo, então poderemos lhe atribuir o devido valor.
Muitas vezes agimos assim com as pessoas que nos são próximas. Não sabemos valorizar os pequenos e grandes serviços que nos prestam, o quanto se desgastam no dia-a-dia pelos demais, nem o valor que tem a sua simples presença amiga e acolhedora. Com a sua partida, esse vazio parece emitir um grito silencioso que nos toca a alma: “meu Deus, como ele era bom!”.
Há duas semanas partiu desta vida terrena o meu pai. Um dos maiores consolos que ouvi – dentre as inúmeras mensagens de condolência – foi considerar que Deus age como um bom jardineiro, que colhe para o seu jardim as melhores flores, levando-as para junto de Si no melhor momento, naquele em que cada alma atingiu a sua plenitude.
E quando Deus chama alguém para si, de certo modo empresta Seus olhos para que nós, que permanecemos nesse vale de lágrimas, possamos contemplar aquela alma que transpassa os umbrais da eternidade, tal como Ele a vê, em sua infinita misericórdia.
É evidente que tal se dá de maneira imperfeita – porque somos deveras imperfeitos – e também experimentamos isso, em maior ou menor medida, conforme as nossas disposições em obter a pureza de coração necessária para obtermos de Deus a sua infinita misericórdia. Mas quão saboroso é comtemplar as obras benfazejas daquelas pessoas que amamos, que agora reluzem com a sua partida para a eternidade!
Mas... E aqueles defeitos que em vida nos pareciam inegáveis? Ora, Deus os apagou com a sua infinita misericórdia! Bendito perdão que varre todos os erros cometidos, inclusive da nossa memória, se buscamos imitar o amor misericordioso de Cristo.
Meu pai foi um homem bom. Quando alguém lhe compartilhava um problema ou manifestava uma preocupação, imediatamente ele tomava aquilo como próprio. Sabia sofrer com quem sofre, chorar com quem chora. Mas também sabia sorrir com quem sorria. Soube amar sem esperar retorno, doar-se para aquelas e aqueles que sabia que não poderiam lhe retribuir nesta vida.
Não é verdade que todo mundo que morre vira santo. Mas é inegável que as virtudes daqueles que partem para Deus reluzem com a sua partida, dentre outros motivos para nos alentar a lutar. Meu pai deixou e deixará muita saudade. Mas o Pai do Céu, de tão bom que é, jamais retirará das nossas mentes e do nosso coração a bondade que ele nos legou, afinal, foi com ela que ganhou a eternidade.
Pai, muito obrigado!

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Consciência Negra


Hoje é o Dia da Consciência Negra. Toda iniciativa que visa eliminar as discriminações injustas deve ser prestigiada. E a discriminação racial está dentre as mais repugnantes e inaceitáveis. Por consequência, não deveríamos poupar esforços para a sua completa erradicação em todas as sociedades do nosso tempo.

Há que se ponderar, porém, acerca da eficácia dos meios que se empregam para atingir tal finalidade. É que, por vezes, vale-se de desnecessários embates, que resgatam intrigas do passado e, pior ainda, colocam a responsabilidade de erros outrora cometidos sobre as gerações atuais.
Nessa linha, não raras vezes, vê-se modernamente apelos instando a que se peçam desculpas aos afrodescendentes pelas terríveis injustiças de que foram vítimas, desde a saída da sua terra natal, séculos atrás, bem como pelos sofrimentos sem conta a que foram submetidos num regime de escravidão. Mas... quem deveria, agora, se desculpar por tudo isso? Os de pele clara ou de ascendência europeia teriam herdado a culpa e, como tal, seriam devedores de toda injustiça dessa natureza? E a quem endereçaríamos tais escusas? Aos afrodescendentes com quem convivemos atualmente?
Tais argumentos, com o devido respeito, têm como fundamento uma espécie de neomarxismo, ávido de implantar a “luta de classes” em todos as relações humanas. Ou seja, não mais apenas entre burguês e proletário, mas, também, entre mulher e homem, negro e branco, homossexual e heterossexual. Em tudo se pretende selar uma marca indelével de oprimido e opressor, semeando discórdia, divisão e ódio, ainda que a pretexto de lutar pelos direitos de uma classe, de um gênero ou de uma raça.
Culpa e, por consequência, responsabilidade pelos atos é algo eminentemente pessoal. Se uma pessoa cometeu alguma injustiça contra outra em determinado tempo e local, ainda que esteja isso perdido em inúmeras outras num longínquo transcorrer da história, àquele homem ou àquela mulher cabe – com total exclusividade – responder por seus atos. E se não o fez ainda nesta vida, estou certo de que não escapou de outro Juízo, muito mais sábio e certeiro. De qualquer modo, ninguém herdou tal responsabilidade, seja por que motivo for.
Ao afirmarmos que conceitos como culpa e responsabilidade são fenômenos eminentemente pessoais, não se exclui a influência do meio social na formação das consciências. Assim, valendo-nos novamente do exemplo do período da escravidão no Brasil, é evidente que as concepções socialmente aceitas naquele período influíam no modo de ser e de pensar das pessoas, quiçá favorecendo injustiças. Mas por mais que tais fatores influíssem no modo de ser, pensar e agir das pessoas, cada injustiça ou cada ato de amor e respeito ao próximo sempre foram, são e serão, frutos de decisões pessoais.
O Dia da Consciência Negra – e não somente nessa data, mas sempre – deve impulsionar à reflexão, em última análise, acerca de como estamos a promover a dignidade da pessoa humana. A erradicação completa de toda e qualquer discriminação injusta pressupõe o reconhecimento da infinita dignidade de cada mulher e de cada homem.
Não se suprime a injusta discriminação simplesmente suscitando, instigando ou promovendo o embate entre pessoas, grupos e nações. Por certo, quando certos grupos ou instituições assumem posturas aberta ou veladamente discriminatórias, devemos nos posicionar com coragem e intransigência contra quem intenta perpetuar tais injustiças. Mas nunca estará nessa luta a solução do problema.
Quando soubermos olhar para cada ser humano – esse bem próximo e que está ao nosso lado – como uma filha ou um filho de Deus, como alguém radicalmente igual a nós em dignidade, somente então teremos suplantado toda e qualquer discriminação injusta. Parafraseando o grande Paul McCartney, viveremos em perfeita harmonia não somente no teclado do piano, mas em todos os locais deste planeta, concebido pelo Criador a serem habitados por seres que são e se portam como irmãos.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

E agora, José?


As eleições já se foram. Mas restam ainda, na memória e nos recônditos arquivos da internet, os insultos ao irmão, a piadinha pelas costas da cunhada, as asperezas no grupo do Whatsapp, os desaforos no Facebook, as intolerâncias espalhadas aos quatro cantos, com tanta paixão, que de tanto se apaixonar se perde a razão. Para quê? Parafraseando o grande Drummond de Andrade poderíamos cantar melancólicos: “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”.
Talvez um ponto estivesse tristemente a unir os dois lados: a insensatez de pensar que um governante pode mudar, sozinho e num passe de mágica, as nossas vidas. Não! Os anos de vida – poucos ou muitos – que marcam a nossa existência estão a nos gritar a cada instante, por mais que insistamos em não ouvir, que o nosso futuro, o mundo que nos cerca e principalmente o nosso próprio modo de ser dependem em grande medida nas nossas escolhas e decisões. Com efeito, aspectos relevantíssimos para cada um de nós, como a felicidade, a realização, a paz de espírito não dependem, nunca dependeram nem nunca dependerão de quem está no poder num dado momento da história.
Mas se a última disputa eleitoral nos deixa marcas e feridas, esperamos que nos deixe também uma lição: há muitos valores na nossa vida pessoal e na vida da sociedade da qual participamos que estão muito acima das ideologias. A vida, o respeito, a compreensão, a compaixão, o amor e a fraternidade estão – ou deveriam estar – num patamar mais sublime do que o que pensamos em matéria de economia, política, tamanho e atribuições do Estado etc.
Nosso tempo é marcado pela tolerância dos discursos politicamente corretos e de uma atroz intolerância manifestada em circunstâncias bem concretas da vida real. Na prática há muitos que pensam e agem com uma visão mesquinha da liberdade que os move a uma postura do tipo: “respeito a sua opinião, conquanto que seja igual à minha”. Devemos ponderar, porém, que os grandes ideais não raras vezes são alcançados com sangue, suor e lágrimas. E a sobrevivência da democracia carece de mártires dispostos a dar a vida pelo direito do outro pensar diferente de nós.
A consciência é um reduto inviolável de cada ser humano. Ali, na esfera mais íntima da pessoa, a mulher e o homem têm o direito de estar a sós consigo e com Deus. Não se pode, portanto, jamais julgar uma pessoa em função da sua posição política e ideológica, nem pela sua adesão ou repulsa a determinado candidato, partido ou ideologia.
A maturidade da democracia se atinge no debate racional e sereno de propostas, planos e programas. E sinal inequívoco do seu envilecimento são as decisões tomadas ao sabor das paixões, muitas vezes inflamadas por fake news, calúnias e maledicências, habilmente disseminadas por quem busca apenas vencer, sem explicar, convencer, sem raciocinar.
Mas há também o que comemorar ao final desse grande embate. Não com uma melancólica constatação de que “aos vencedores, as batatas”, mas com a reluzente esperança de que a nossa democracia, ainda imatura, segue evoluindo. Resta ainda, porém, o grande desafio de reconstruir o que se quebrou, de se recompor o que se partiu. E isso também não cai do Céu, nem de Brasília. É missão de todos nós.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Muito obrigado, mãe!


Um episódio muito marcante da minha infância aconteceu na mais tranquila normalidade, na residência em que vivíamos, numa pequena cidade do interior paulista. Eu e alguns amigos havíamos tentado empreender uma obra dessas mirabolantes: construir uma casa de madeira numa mangueira muito alta que havia no quintal da minha avó. O resultado, é claro, foi frustrante. A pouca idade dos “construtores” e a ausência de ferramentas e material apropriado fez com que o projeto não fosse adiante.

Voltei à casa furioso. Minha mãe estava costurando – embora ela fosse professora de profissão, sempre costurou magnificamente bem – e, logo que me viu, perguntou o que havia acontecido. Contei a ela o nosso fracasso. Imediatamente ganhei um carinhoso abraço e um beijo, com a promessa de nos ajudar da próxima vez. Na época, eu já tinha o conhecimento suficiente para concluir, com toda certeza, que ela jamais poderia nos ajudar em tal empreitada. Mas isso não importava, aquele afago carinhoso e cheio de compreensão serenava os ânimos e nos enchia de paz e de alegria.
Não sei o motivo, mas quando me lembro dessa cena, vêm à memória outra que me ocorreu, dessa vez com o meu pai. Aguardava o seu retorno, pois era a véspera do primeiro dia de aula no então chamado ensino primário. Ele me traria uma mochila. Ao escutar os seus passos, fui logo ao seu encontro, ansioso pelo presente. Meu pai, no entanto, fingiu ter se esquecido. Mal notou a minha frustração, porém, pegou-me no colo e, apertando fortemente contra o seu peito, disse-me: “acha que me esqueceria disso, filho!”. E logo em seguida mostrou-me onde havia escondido o embrulho.
É inevitável comparar as duas cenas. O abraço da mãe é macio e terno. Comunica-nos acolhida e serenidade... Já o colo do pai é mais duro e nos enche de segurança e proteção... É difícil de explicar, mas é inegável que são diferentes. E se me perguntasse então (e agora) qual dos dois prefiro, por certo responderia: os dois.
Isso me faz lembrar as palavras do Papa Francisco: “Toda a criança tem direito a receber o amor de uma mãe e de um pai, ambos necessários para o seu amadurecimento íntegro e harmonioso. (...) ambos contribuem, cada um à sua maneira, para o crescimento duma criança. Respeitar a dignidade duma criança significa afirmar a sua necessidade e o seu direito natural a ter uma mãe e um pai” (AMORIS LÆTITIA, n.172).
Certa vez, um pai, indagado se participava da educação dos filhos, respondeu mais ou menos assim: “sim, claro! Eu ajudo a minha esposa com as crianças!”. A resposta, porém, deveria causar espanto: “ajudo?”. Ajudar significa cooperar com algo que compete ao outro. Acontece que a educação dos filhos é atribuição de ambos. Do mesmo modo que os dois cooperaram com a nobre missão de gerar uma nova vida, ambos igualmente devem se envolver ativa e profundamente nessa árdua, mas ao mesmo tempo maravilhosa tarefa de formar esses seres que trouxeram ao mundo.
Mas hoje e sempre nos cabe homenagear as mães. Para isso, voltamos às palavras do Papa Francisco tiradas da mesma encíclica: “as mães são o antídoto mais forte contra o propagar-se do individualismo egoísta. (...) São elas que testemunham a beleza da vida. Sem dúvida, ‘uma sociedade sem mães seria uma sociedade desumana, porque as mães sabem testemunhar sempre, mesmo nos piores momentos, a ternura, a dedicação, a força moral. As mães transmitem, muitas vezes, também o sentido mais profundo da prática religiosa: nas primeiras orações, nos primeiros gestos de devoção que uma criança aprende (...). Sem as mães, não somente não haveria novos fiéis, mas a fé perderia boa parte do seu calor simples e profundo. (...) Queridas mães, obrigado, obrigado por aquilo que sois na família e pelo que dais à Igreja e ao mundo” (n. 174).

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Dia do Trabalho


Amanhã comemoramos o dia mundial do trabalho. Ocasião ideal para meditarmos sobre o valor que ele tem nas nossas vidas, nas nossas famílias e na nossa sociedade. Afinal, por que trabalhamos? O que nos move a dedicarmos várias horas por dia a uma atividade profissional, muitas vezes cansativa e estressante?

Muitos consideram o trabalho como um mal necessário. Temos a necessidade de ganhar dinheiro para suprir as necessidades pessoais e familiares, de modo que, salvo para alguns poucos privilegiados, que podem levar uma vida folgada sem trabalhar, para a imensa maioria dos seres mortais é necessário fazer algo que nos assegure a subsistência.
Outros, acabam por encontrar satisfação no trabalho que desempenham. Talvez com muito esforço e intensa dedicação, souberam alcançar um posto a que tanto almejavam, ou ainda caminham para isso. Mas aceitam com gosto todo o sacrifício que implica a luta incessante pelo sucesso profissional. Movem-nos, porém, uma necessidade de autoafirmação, a vaidade, o desejo de brilhar, o poder ou ainda o afã de alcançar um reconhecimento dos demais etc.
Penso que o trabalho é sim um meio para obter os recursos necessários para o sustento próprio e da família. Também não é em si ruim o desejo de sucesso e de reconhecimento profissional. No entanto, o trabalho tem uma dimensão muito maior.
O trabalho tem uma dignidade que precisa ser valorizada. Nesse sentido, é tempo de reconhecermos que todo trabalho honesto é digno. Com isso, não faz sentido classificar as pessoas conforme o trabalho que desempenham. Numa companhia é tão importante a faxineira como o do Diretor Presidente. E tomara que num futuro não muito distante sejam reduzidas as gritantes diferenças de remuneração, que muitas vezes fazem que essas nossas considerações não passem de discursos vazios...
O trabalho é, também, um meio privilegiadíssimo para crescermos nas virtudes. É necessária, por exemplo, a fortaleza para perseverar diante das dificuldades naturais que se apresentem em qualquer atividade profissional. O desejo de justiça nas relações laborais também nos impulsionará a cumprirmos os nossos deveres com a instituição para a qual trabalhamos, para com os colegas, para com a nossa família e para com toda a sociedade.
E o trabalho é também ocasião para ajudarmos e para servir aos demais. Toda atividade, por mais burocrática que pareça, sempre é um serviço que direta ou indiretamente se presta aos outros. Assim, dependendo da intencionalidade com que realizamos as tarefas que nos cabem, podemos contribuir enormemente para fazer melhor a vida daquelas e daqueles que dependem do nosso trabalho.
Além disso, a maneira como nos portamos no ambiente de trabalho tem enorme repercussão na vida dos nossos colegas. Há pessoas – sabemos por experiência própria – que parecem trazer uma nuvem cinzenta sobre a cabeça, tornando carregado o clima por onde passam, com suas caras amarradas, tom amargo e ares pessimista e lamuriento. Outras, ao contrário, sabem superar com alegria e bom humor as dificuldades – grandes ou pequenas – que sempre surgem em qualquer repartição. Com isso, fazem mais amável a vida de quem com elas convivem.
Um grande desafio, portanto, é saber construir um saudável ambiente de trabalho. E o segredo está, muitas vezes, em esquecermo-nos de nós mesmos para pensar nos colegas, nos clientes, nos familiares, enfim, em todos que direta ou indiretamente dependem do nosso trabalho.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Síndrome do Ninho Vazio


Muitos casais, após anos de vida conjugal, quando os filhos saem de casa, deparam-se com a dura realidade de se sentirem como dois estranhos que compartilham um mesmo teto e, talvez, uma mesma cama. A sensação é como se um olhasse para o outro e se perguntasse: “o que nós estamos fazendo aqui?”. 

O problema é complexo e possui causas muito variadas. O cerne da questão, porém, está em como cada um encara o relacionamento conjugal e as relações que se estabelecem com os filhos. Há mulheres que, após o nascimento dos filhos, agem como se houvessem pronunciado o seguinte juramento logo após o parto: “EU TE RECEBO COMO MEU FILHO [MINHA FILHA] E PROMETO ESTAR COM VOCÊ POR TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA”. Com isso, não raras vezes, deixam o esposo para um quarto ou quinto plano em suas escolhas e decisões a partir de então.
Mas essa postura não é exclusiva da mãe. Muitos pais agem de maneira semelhante. Além disso, quando a esposa assume uma postura possessiva em relação aos filhos, é comum que o marido procure refúgio no trabalho, com os amigos... E o resultado não é difícil de prever: se não perceberem a tempo, essa situação minará pouco a pouco o amor conjugal. É o fenômeno das vidas paralelas, em que cada qual se dedica às suas coisas, aos seus trabalhos, aos seus amigos, com nada ou muito pouco de projetos, sonhos e atividades em comum.
Nesse contexto, pode acontecer que os filhos se tornem o único ponto em comum. E, quando esses deixam o lar, porque é a lei da vida que o façam um dia, marido e mulher descobrem, então a duras penas, que não souberam construir algo juntos. Daí que a chamada Síndrome do Ninho Vazio seja um fator muito relevante na causa de muitos divórcios.
A solução está, portanto, em encarar cada relacionamento como esse é – ou deveria ser – na sua essência. A fórmula do casamento cristão nos fornece um interessante critério: “EU TE RECEBO COMO MINHA ESPOSA [MEU MARIDO] E TE PROMETO SER FIEL, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA, NA SAÚDE E NA DOENÇA, AMANDO-TE E TE RESPEITANDO POR TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA”. Embora o divórcio seja uma realidade muito difundida no nosso tempo, é inegável que, quando se casam, os esposos trazem na alma profundos anseios de uma união duradoura e feliz. E isso é mesmo essencial nesse relacionamento.
Muito diferente é o relacionamento com os filhos. Não se trata de investigar se o amor conjugal é superior ou inferior ao amor filial, mas simplesmente reconhecer que – apesar de serem ambos muito intensos e fortes – são diferentes. E a diferença fundamental está em que geramos e educamos nossos filhos para a liberdade (?) o mundo. Um dia inexoravelmente deixarão o nosso lar para formar uma família ou, dependendo de qual seja a sua missão, dedicar-se a um empreendimento nobre para o qual o celibato é mais apropriado. Mas seja como for, é lei da vida que não estarão para sempre conosco.
A propósito da postura que mãe e pai deveriam assumir em relação aos filhos, vale repetir o sábio ensinamento, expressado de maneira poética, pela Madre Teresa de Calcutá:
Ensinarás a voar,
Mas não voarão teu voo,
Ensinarás a viver,
Porém não viverão tua vida,
Ensinarás a sonhar,
Porém não sonharão teu sonho,
Porém em cada voo, em cada sonho, em cada vida
Estará a marca do caminho ensinado.
Nossos filhos, como os pássaros, deixarão um dia o ninho. E sendo assim, quando eles saem, o que fica? Permanece precisamente a fonte de onde eles vieram ao mundo: o amor entre um homem e uma mulher. Esse amor, de tão forte e intenso há de permear toda a vida do casal. E isso não é utopia. Basta que queiram de verdade, com pequenos gestos a cada dia, cumprir aquela promessa um dia pronunciada em tom solene e decidido: “NA ALEGRIA E NA TRISTEZA...POR TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA”.

O "bom dia" na TV


Há poucos dias, enquanto tomava um café da manhã num local aberto ao público, tive a oportunidade de voltar a assistir a um telejornal exibido nessas horas iniciais de uma nova jornada. A experiência foi desoladora! As notícias de criminalidade, violência e acidentes no trânsito dominam parte considerável – para não dizer a quase totalidade – da pauta. O que podemos fazer para evitar que isso não nos contagie negativamente? Como manter a alegria e o bom humor após a tela da TV vomitar nos nossos olhos e ouvidos tanta desgraça?

Confesso que não compreendo a razão disso. Será que tais notícias cativam melhor as pessoas? Mesmo que assim o seja, é no mínimo questionável sob o aspecto ético buscar pura e simplesmente maior audiência, sem se importar com os reflexos na vida das pessoas que tais serviços jornalísticos possam ensejar. Com efeito, após assisti-los, fica-se a impressão de que o crime é um fenômeno generalizado e totalmente fora do controle ou, ainda, talvez nos mais pessimistas, que o mal tomou por completo o coração das pessoas.
Dir-se-á, talvez, em defesa desses programas, que tais fatos são reais, que acontecem diuturnamente, de modo que a imprensa se limita a noticiá-los. Tal argumento, porém, é deveras simplista e parcial. De fato, numa região habitada por milhões de pessoas, todos os dias haverá más notícias a serem divulgadas, como também se poderá constatar inúmeras boas ações e iniciativas, praticadas por pessoas ou instituições que espalham o bem ao seu redor, num afã constante de construir um mundo melhor. Cabe, pois, ao responsável pela empresa de jornalismo decidir o que convém e ou não divulgar.
Cada um de nós pode exercer um filtro sobre o que comunicamos aos demais. Uma mãe ou um pai de família pode, por exemplo, chegar a casa e despejar uma lista de reclamações sobre os acontecimentos ruins que surgiram durante o dia. Ou, pior ainda, podem desperdiçar o tempo fazendo fofocas. Acontece que as palavras que proferimos exercem grande influência nos demais, em especial nos filhos. Isso nos chama à responsabilidade acerca do que sai da nossa boca. É que isso pode contribuir para edificar ou destruir (valores, ideais, anseios) naqueles com quem nos relacionamos.
Ora, tanto maior influência exerce – para o bem ou para o mal – os meios de comunicação em massa. Diante disso, penso que os profissionais da mídia deveriam se questionar, com frequência, sobre o que se pretende ao noticiar algo. Quais serão as consequências disso na vida das pessoas que receberão a notícia? Não se trata de esconder os acontecimentos desagradáveis nem, como se diria no jargão popular, “tapar o sol com a peneira”. Mas, por que tanta ênfase ao negativo? Em que medida isso contribui para animar as pessoas a lutar por dias melhores?
Mas se esse filtro falha nos profissionais de comunicação social, não poderá faltar nos educadores, em especial os pais. A TV possui dois acessórios fantásticos: o botão que desliga e o que muda de canal. É certo que a televisão está perdendo muito terreno, sobretudo entre os mais jovens, para quem o smartphone lhe tem roubado o protagonismo da informação. Seja como for, é necessário fomentar um espírito crítico, de modo a também analisar previamente – com prudência e responsabilidade – o que convém e o que não convém ler ou assistir.
Conheço um pai que, todos os dias, antes de chegar a casa, fazia uma lista de dois ou três assuntos divertidos ou estimulantes para comentar com a esposa e filhos durante o jantar. E sabia os introduzir na conversa com tal naturalidade que os demais, sem o notarem, acabavam contagiados pelo sentido positivo das suas palavras. E, depois, dedicava tempo aos jogos e conversa em família. Com isso, as notícias pessimistas e agourentas não tiveram relevante penetração naquele lar. Afinal, a vida é muito curta para que desperdicemos nosso tempo vendo ou ouvindo bobagens.