Desde que
deflagrado o processo de Impeachment da Presidente Dilma, os movimentos fiéis à
sua permanência no cargo cunharam um slogan – “não vai ter golpe” – que tem se
repetido como um símbolo motivador da luta pela sua manutenção no poder.
Essa
frase, infelizmente, não é mero resultado ou síntese das convicções que tenham
se formado espontaneamente naqueles que apoiam a Presidente. Trata-se, bem ao
contrário, de uma engenhosa e bem articulada campanha de manipulação que se
vale de técnica bastante eficaz de convencimento. Aliás, essa tem sido, infelizmente,
a tônica das campanhas eleitorais de muitos partidos, tanto da situação como da
oposição.
É preciso,
portanto, que entendamos um pouco sobre como funciona a manipulação. Isso se
mostra especialmente necessário se considerarmos que um pilar da democracia é a
soberania popular. E essa se expressa na prevalência da vontade do povo. Porém,
essa vontade há de nascer de uma livre reflexão racional, e não que simplesmente
aflorar da emoção causada por técnicas rebuscadas e eficazes de convencimento.
Embora as
âncoras sejam construções pessoais, há algumas que, dada a difusão e a
associação a determinados conceitos ou acontecimentos, proporcionam efeitos
semelhantes em muitas pessoas. Uma palavra que tem essa força é “golpe”. Sem
qualquer esforço, ao ouvi-la vem à mente das pessoas a imagem de tanques de
guerra nas ruas, ditadura, opressão, assassinato, evocando ainda momentos sombrios
da nossa história.
Pois bem,
se essa palavra já tem essa carga emocional, associá-la a determinada postura,
conduta ou convicção tende a desqualificá-las e, muitas vezes, ridicularizá-la.
É precisamente isso o que se faz – ou que se pretende fazer – com esse
constante martelar: “não vai ter golpe!”. Ou seja, busca-se convencer – sem
explicar – que apoiar o impedimento da Presidente é apoiar um golpe de Estado,
com toda a conotação negativa que esse traz consigo.
Mas se a
construção da democracia deve ser fruto de decisões racionais e não da
manipulação, como se pode evitar ou atenuar os seus efeitos dessa no jogo
político? Penso que trilhando o caminho oposto: o debate racional em que se
busca a verdade, e não simplesmente o convencimento.
Nesse
intento, no tema que nos toca no momento, cumpre indagar: no caso do
Impeachment da Presidente, se ocorrer, poderá ser qualificado como um golpe?
Golpe de
Estado consiste em destituir ilegalmente um governo constitucionalmente
legítimo. É inegável que o Governo Dilma foi constituído de maneira legítima.
Com efeito, foi eleita pela maioria do provo brasileiro. No entanto, isso não
basta para que não possa ser destituída do poder. Para que seja essa
destituição ilícita, é necessário, também, que essa se dê de maneira ilegal,
vale dizer, em desrespeito às normas vigentes.
Não se
constata, porém, qualquer ilegalidade no processo de impeachment em curso.
Foram observadas todas as regras estabelecidas. Mais que isso, a questão foi
levada previamente ao Supremo Tribunal Federal, que delineou claramente todo o
rito a ser seguido.
Apesar
disso, tem-se observado que a acusação de golpe se deve não propriamente ao
desrespeito ao devido processo legal. Sustenta-se que os fatos que são
atribuídos à Presidente não configuram crime de responsabilidade e que
precisamente por isso o julgamento ilegítimo.
Deixamos
para uma próxima oportunidade isso que se pode chamar de mérito da questão que
será decidida pelo Senado. Por ora, façamos um apelo a todos os brasileiros
para que tragamos toda a discussão para um debate racional, em que se busca a
verdade. É que a nossa democracia nuca será suficientemente madura, nem o
exercício do poder espelhará os reais anseios do povo, enquanto todo o jogo
político eleitoral estiver construído sobre um sentimentalismo barato, fruto da
manipulação de hábeis e inescrupulosos marqueteiros.
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