Tem-se acendido em algumas cidades
séria disputa entre taxistas e o Uber. Afinal, a atividade desse se confunde
com o serviço público de transporte individual urbano? É necessário, para que
possa ser exercida, prévia regulamentação do Poder Público? Essas questões, de
certo modo superficiais, nos remetem para outra mais profunda: que nível de
ingerência na vida das pessoas e nas relações privadas se espera do Estado
moderno?
Quanto à legalidade da atividade
exercida pelo Uber, penso que essa não se confunde serviço público de
transporte individual urbano prestado pelos taxistas.
No Uber há uma espécie de
triangulação das relações contratuais. Primeiro, a empresa prestadora do
serviço credencia os motoristas, estabelecendo uma relação contratual, na qual
cada parte assume direitos e obrigações. Depois, o usuário também firma um
contrato com a empresa, ainda que esse se dê simplesmente com a instalação de
um aplicativo em um smartphone. Nessa relação, a empresa
assume perante o usuário a obrigação de efetuar o serviço de transporte em
qualquer cidade do mundo em que o mesmo está ativo, mediante o pagamento por
parte desse de uma contraprestação, que se dá exclusivamente através de cartão
de crédito. Por fim, quando o usuário solicita o serviço, estabelece-se com o motorista
um contrato de transporte, cujo pagamento, porém, será feito para a empresa,
que posteriormente repassa parte do valor ao motorista por ela credenciado.
Isso tem notórias diferenças com
o serviço público prestado pelos taxistas: (1) esses são obrigados a prestar o
serviço indistintamente a qualquer cidadão que o solicite, ao passo que o Uber
só pode transportar os usuários que tenham um vínculo contratual com esse; (2)
o táxi, precisamente por prestar um serviço público, dispõe de locais
exclusivos para estacionamento, o que não ocorre com o Uber; (3) o táxi pode
ser solicitado por qualquer pessoa e de diversos modos: no ponto, enquanto
trafega livre pela rua, por telefone e até por aplicativo de celular, ao passo
que o Uber somente é acionado pela empresa, após solicitação do usuário. Trata-se,
portanto, de uma atividade nitidamente privada.
Outra objeção que se levanta
contra o Uber é que essa atividade deveria ser previamente regulamentada.
Quanto a isso, com um profundo respeito aos que pensam diferente, tenho que
desconsideram um princípio elementar de direito segundo o qual “tudo o que não
está proibido está permitido”. Logo, não é necessária qualquer regulamentação
para que essa atividade seja exercida, ainda que, acaso se entenda necessário,
poderá isso ser feito por quem detém competência para tanto.
Mas penso que não é esse o
principal aspecto da questão. Quando se exige um excesso de regulamentação, deparamo-nos
com um modelo intervencionista do Estado, que muitas vezes engessa a livre
iniciativa. No entanto, tenho que o Estado não deveria intervir nas questões em
que os cidadãos e as instituições privadas possam resolver por si sós.
Mais ainda. Mesmo na prestação
dos serviços de interesse público, como a saúde e a educação, as entidades
públicas poderiam fomentar que sejam prestados por instituições privadas, ainda
que com fiscalização quanto ao destino dado às verbas públicas. Tomemos por
exemplo uma associação de pais que se unem para constituir uma instituição de
ensino para os seus filhos. Não seria o caso de o Estado apoiar essas
iniciativas, inclusive com recursos, ao invés de simplesmente buscar ele
próprio criar mais e mais escolas?
Penso que o Estado atual deveria abandonar
o papel de executor de serviços, ainda que reconhecidos como de interesse
público, e assumir o de fomentador dessas mesmas atividades desempenhadas por
entidades privadas. Também é de se questionar o excesso de regulamentação,
sempre a exigir autorização para isso, de alvará para aquilo etc. De fato, as
situações passíveis de ensejar conflitos merecem ser regulamentadas. Isso,
porém, para facilitar o exercício de atividades lícitas e sempre no interesse
dos cidadãos, não para engessar e emperrar, sufocando as pessoas e as instituições,
mantendo velhos e ultrapassados privilégios.
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