segunda-feira, 7 de março de 2016

O Uber e o Estado Intervencionista

Tem-se acendido em algumas cidades séria disputa entre taxistas e o Uber. Afinal, a atividade desse se confunde com o serviço público de transporte individual urbano? É necessário, para que possa ser exercida, prévia regulamentação do Poder Público? Essas questões, de certo modo superficiais, nos remetem para outra mais profunda: que nível de ingerência na vida das pessoas e nas relações privadas se espera do Estado moderno?

Quanto à legalidade da atividade exercida pelo Uber, penso que essa não se confunde serviço público de transporte individual urbano prestado pelos taxistas.
No Uber há uma espécie de triangulação das relações contratuais. Primeiro, a empresa prestadora do serviço credencia os motoristas, estabelecendo uma relação contratual, na qual cada parte assume direitos e obrigações. Depois, o usuário também firma um contrato com a empresa, ainda que esse se dê simplesmente com a instalação de um aplicativo em um smartphone. Nessa relação, a empresa assume perante o usuário a obrigação de efetuar o serviço de transporte em qualquer cidade do mundo em que o mesmo está ativo, mediante o pagamento por parte desse de uma contraprestação, que se dá exclusivamente através de cartão de crédito. Por fim, quando o usuário solicita o serviço, estabelece-se com o motorista um contrato de transporte, cujo pagamento, porém, será feito para a empresa, que posteriormente repassa parte do valor ao motorista por ela credenciado.
Isso tem notórias diferenças com o serviço público prestado pelos taxistas: (1) esses são obrigados a prestar o serviço indistintamente a qualquer cidadão que o solicite, ao passo que o Uber só pode transportar os usuários que tenham um vínculo contratual com esse; (2) o táxi, precisamente por prestar um serviço público, dispõe de locais exclusivos para estacionamento, o que não ocorre com o Uber; (3) o táxi pode ser solicitado por qualquer pessoa e de diversos modos: no ponto, enquanto trafega livre pela rua, por telefone e até por aplicativo de celular, ao passo que o Uber somente é acionado pela empresa, após solicitação do usuário. Trata-se, portanto, de uma atividade nitidamente privada.
Outra objeção que se levanta contra o Uber é que essa atividade deveria ser previamente regulamentada. Quanto a isso, com um profundo respeito aos que pensam diferente, tenho que desconsideram um princípio elementar de direito segundo o qual “tudo o que não está proibido está permitido”. Logo, não é necessária qualquer regulamentação para que essa atividade seja exercida, ainda que, acaso se entenda necessário, poderá isso ser feito por quem detém competência para tanto.
Mas penso que não é esse o principal aspecto da questão. Quando se exige um excesso de regulamentação, deparamo-nos com um modelo intervencionista do Estado, que muitas vezes engessa a livre iniciativa. No entanto, tenho que o Estado não deveria intervir nas questões em que os cidadãos e as instituições privadas possam resolver por si sós.
Mais ainda. Mesmo na prestação dos serviços de interesse público, como a saúde e a educação, as entidades públicas poderiam fomentar que sejam prestados por instituições privadas, ainda que com fiscalização quanto ao destino dado às verbas públicas. Tomemos por exemplo uma associação de pais que se unem para constituir uma instituição de ensino para os seus filhos. Não seria o caso de o Estado apoiar essas iniciativas, inclusive com recursos, ao invés de simplesmente buscar ele próprio criar mais e mais escolas?

Penso que o Estado atual deveria abandonar o papel de executor de serviços, ainda que reconhecidos como de interesse público, e assumir o de fomentador dessas mesmas atividades desempenhadas por entidades privadas. Também é de se questionar o excesso de regulamentação, sempre a exigir autorização para isso, de alvará para aquilo etc. De fato, as situações passíveis de ensejar conflitos merecem ser regulamentadas. Isso, porém, para facilitar o exercício de atividades lícitas e sempre no interesse dos cidadãos, não para engessar e emperrar, sufocando as pessoas e as instituições, mantendo velhos e ultrapassados privilégios.

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