segunda-feira, 20 de abril de 2015

Um pacto pela sinceridade


Quando vamos a uma repartição pública solicitar algum serviço é comum que nos solicitem uma lista infindável de documentos. Muitas vezes, as exigências vão muito além do razoável. Soube recentemente, por exemplo, que um órgão público não aceita como comprovante de residência fatura de energia emitida diretamente em site na INTERNET, mas apenas a via impressa enviada pelos correios. É impressionante notar quanto tempo e desgaste se perde a procura de uma parafernália de papéis e formulários que, em última análise, exige do cidadão de bem provar a todo o tempo e em todo lugar, que não é falsificador, nem mentiroso, nem fraudador...

E isso não acontece apenas nas repartições públicas. Muitas vezes empresas privadas adotam posturas de desconfiança, com exigências para se adquirir um produto ou serviço até maiores que o próprio Estado. Parece que se tornou algo cultural entre nós, de modo que muitas vezes nos passa despercebido. É o caso, por exemplo, de um hipermercado que coloca um segurança para fiscalizar o carrinho de compras antes de deixar a loja, para se certificar de que o cliente não está furtando nenhum produto.
Muitas dessas exigências e procedimentos burocráticos não surgiram sem motivo. Provavelmente já ocorreu, em algum momento, alguma fraude ou algum delito que exigiu dos órgãos públicos ou das empresas cautelas para que não se repitam. No entanto, por conta de um ou outro criminoso que falsificou uma conta de energia ou furtou um produto, impõe-se à imensa maioria dos cidadãos de bem um peso sufocante de provar que não é bandido, nem desonesto, nem mentiroso. E, o que é pior, os malandros continuam conseguindo burlar tranquilamente essas exigências, aprimorando-se cada vez mais na arte de falsificar e de enganar.
Talvez contribua bastante para isso a impunidade. É que os furtos que se cometem em estabelecimentos ou mesmo as falsificações de documentos para se obter alguma vantagem indevida, acabam com muita frequência sem punição ou com uma sanção tão branda que acaba por ser um estímulo a se repetir. E, como os desonestos não são adequadamente identificados e exemplarmente punidos, então é necessário tomar providências para que tais condutas não se repitam. E o meio de que se vale para isso é, quase sempre, impor exigências insuportáveis aos cidadãos de bem, transferindo a eles o ônus de provar a todo o tempo que são honestos.
Mas o problema é ainda mais complexo, já com raízes arraigadas em nossa cultura, inclusive no modo como educamos nossas crianças. Por exemplo, é comum as escolas exigirem dos alunos um atestado médico para aplicar uma prova substitutiva em caso de doença. E isso já nos parece absolutamente normal. Acontece, porém, que com isso se passa às crianças uma mensagem sutil de que se desconfia de que esteja mentindo ao dizer que estava doente, a menos que se prove o contrário.
Creio que estamos num círculo vicioso, que tem essa dinâmica: alguns poucos fraudam documentos ou furtam bens ou mentem e não são punidos, o que leva as instituições vítimas dessas más ações a tomarem providências para evitá-los, providências essas que, em última análise, impõem aos cidadãos provar que não estão furtando, nem fraudando, nem mentindo.
Como todo círculo vicioso, é preciso ser quebrando em algum dos seus pontos. Penso que poderíamos começar por demonstrar confiança. Mais que isso, criar uma cultura nas pessoas e instituições de confiar no próximo, até que se tenha razoáveis motivos para pensar o contrário. No entanto, depois – ou concomitantemente – teremos de ser mais duros, implacáveis talvez, com aqueles que ousarem se aproveitar disso e quebrar a confiança que lhes é depositada.
Quem se arrisca a dar o primeiro passo?

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