Em uma
reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, o Juiz Federal Flávio Roberto de
Souza, acusado de ser flagrado utilizando o veículo cuja apreensão foi por ele
próprio determinada, teria dito que a utilização de bens apreendidos pela
Justiça seria uma “prática absolutamente normal”, adotada por “vários juízes”.
Não é preciso
dizer que tal afirmação não é verdadeira. Utilizar em proveito próprio bens
apreendidos por decisão judicial é uma conduta ilegal e absolutamente
inaceitável, tanto mais se praticada por um magistrado. Mas não é esse o
enfoque que pretendemos dar ao caso. Como sempre, de fatos desagradáveis e
ruins podemos extrair boas lições. Nesse intento, penso que podemos nos centrar
num aspecto da questão, que é considerar “normal” o que é antiético e, por
consequência, agir de determinado modo com a justificativa de que outros o
façam.
Muitas vezes
nossos filhos nos insistem para obter algo – um celular, p. ex. – com a
justificativa de que todos os colegas de escola o tenham. Outras vezes, os
jovens ou adolescentes teimam em querer ir a uma festa ou frequentar
determinado local – que não nos parece apropriado – com o simples argumento de
que “todo mundo” vai a tal lugar ou age de determinado modo. E muitos pais, mesmo
que tenham fortes convicções acerca dos valores que pretendam transmitir aos
filhos, ficam perplexos e sem saber como agir diante dessas situações.
Um dos maiores
desafios de todo educador no mundo moderno é saber manter suas convicções
apesar das inúmeras pressões do ambiente. Trata-se de saber ir contra a
corrente quando o bem dos nossos filhos ou alunos o exigirem, tendo a fortaleza
para buscar o que é bom e valendo-se exclusivamente de meios éticos para
atingir esse fim, custe o que custar.
Para isso, o que
se exige do educador é que tenha convicções sólidas. Mais ainda, que medite com
frequência nos fundamentos dos valores que tem e transmite, buscando as suas
razões mais profundas. E, depois, que aja em sua própria vida de maneira
coerente com o que acredita.
Mas não basta
ter convicções firmes e agir em coerência com elas. Apesar disso, nossos filhos
e alunos nos questionarão e, muitas vezes, os maus exemplos, inclusive de
pessoas investidas de autoridade, parecerão retirar a força do que lhes dizemos
e ensinamos. Nesse contexto, o grande desafio é compaginar intransigência com
serenidade, fortaleza nas decisões com delicadeza na forma de conversar e agir.
Lembro-me de um
diálogo que presenciei entre um pai com o seu filho de dez anos. “Pai, por que
não posso ter um celular?”. “Filho, já te disse que há uma regra em nossa
família: não ter nada que não seja necessário”, respondeu serenamente o pai.
“Mas todos os meus amigos de classe têm celular”, insistiu o garoto. “Talvez
para eles isso seja necessário, ou talvez não tenham essa regra em casa”,
respondeu o pai. “Mas quando eu vou poder ter um celular?”, continuou o filho.
“Quando eu e a sua mãe entendermos que você precisa disso”, concluiu. O menino
não se deu por satisfeito e prosseguiu argumentando com algumas situações em
que o equipamento poderia ser útil, todos rebatidos com imensa paciência pelo
pai.
O incidente em
si parece não ter muita importância. No fundo, porém, penso que aquele pai
estava formando um grande homem. Chegará um momento em que o filho – já adulto
– talvez queira ter um “Porsche Cayenne”. Então saberá fazer duas indagações
fundamentais antes de adquirir o produto: 1. Esse veículo é necessário para mim
neste momento? 2. Que meios lícitos e éticos disponho para adquiri-lo?
Aquele rapaz, se
aproveitar bem os ensinamentos do pai, não se importará nada com o que os
outros pensam ou fazem, pois as suas escolhas e decisões estarão pautadas pelo
que é correto e pelo que é bom. Afinal, o único caminho para se alcançar a
felicidade verdadeira é seguir a voz de uma consciência bem formada.
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