terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Reconhecimento

Uma ilustre e culta leitora – e agora também uma amiga – comentou certa ocasião como foi bom
cuidar em sua própria de familiares já idosos e enfermos. E dizia ela que isso não é precisamente um favor que lhes prestamos, mas um dever de reconhecimento e gratidão para com nossos pais e parentes pelo que fizeram por nós, em especial pelo dom da vida que nos concedeu. Por isso, cuidar deles representa, também, uma demonstração de gratidão.




Ao ouvir o seu comentário cheio de sabedoria, veio-me à memória o relato que me fazia a minha mãe sobre o exemplo de minha avó materna. Além de cuidar com muito zelo e dedicação das suas oito filhas, ela e meu avô ainda acolhiam em casa a mãe dele, já idosa e dependente de ajuda para as necessidades mais básicas. Apesar do sacrifício que isso implicava, ela jamais reclamava. Ao contrário, dispunha-se a auxiliá-la nas tarefas menos atraentes, como cuidar da higiene pessoal, com um incrível bom humor.

Sem recorrermos a saudosismos inúteis e estéreis, temos de reconhecer que esse acolhimento dos idosos no próprio lar pelos filhos tem diminuído acentuadamente. Mas não são apenas os nossos pais e avós que perdem com isso. As crianças talvez sejam as mais prejudicadas. É que presenciar em seu dia-a-dia essa lição prática de uma caridade bem vivida servia para incutir neles muitas virtudes, em especial a generosidade.

Em nosso tempo veem-se proliferar em todo canto asilos, ainda que com os nomes pomposos de “casas de repouso” para acolher pessoas da “melhor idade”, com exagerados recursos a eufemismos que encobrem uma realidade inegável: não se quer dedicar tempo aos nossos familiares, cujo peso dos anos possam representar um estorvo à nossa vida agitada. Aliás, essa agitação muitas vezes é um recurso para esconder um tremendo egoísmo, que nos leva a perdermo-nos em mil ocupações, todas elas escolhidas e desempenhadas em busca exclusivamente de uma satisfação pessoal.

Nessa sociedade de consumo absurdo em que vivemos, muitos desses abrigos para idosos “vendem” comodidade e cuidado, mas o que se compra é, em muitos casos, um anestésico para a própria consciência. É que ela frequentemente nos acusa de não dedicarmos a devida atenção aos nossos pais. Então, para abafar essa voz incômoda, olhamos aqueles aparatos (boas instalações, cuidados médicos, enfermeiras etc.) pelos quais pagamos como um atenuante da nossa omissão.

É certo que em muitos casos, dependendo das condições familiares, a melhor opção para a família – e também para o idoso – será mesmo colocá-los nesses estabelecimentos, muitos deles sérios e com profissionais sinceramente dedicados aos seus objetivos. Convém não esquecer, nesse ponto, que a acentuada redução da natalidade e o aumento da expectativa de vida pode tornar impossível numa sociedade de filhos únicos cuidar pessoalmente de pai, mãe, sogro, sogra etc. No entanto, ainda que se recorra a essas soluções, não deveria faltar jamais o carinho, o acolhimento, vale dizer, a presença amorosa dos filhos e familiares.

Fala-se muito hoje em dia em qualidade de vida. Essa frase, fartamente utilizada em anúncios imobiliários, é frequentemente associada a um morar tranquilo, próximo à natureza e com muitas comodidades. Esquece-se, porém, que qualidade de vida está diretamente relacionada com a qualidade das relações humanas que construímos.

Portanto, mais do que de uma pista de corrida cercada de árvores, precisamos carinho, atenção e cuidado para com as pessoas que amamos. Isso, é claro, exige sacrifício. No entanto, convém recordar uma grande verdade que o consumismo insiste em negar: nenhum empreendimento verdadeiramente nobre e duradouro se constrói sem um esforço constante e perseverante. E, tal como as grandes construções se erguem em pequenas ações, tijolo a tijolo, o amor na família e, a partir dela na sociedade, também se edifica, sorriso a sorriso, em pequenos gestos abnegados que hão de marcar cada jornada, até o último minuto desse breve a maravilhoso caminhar.

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