segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Médicos: Coragem!

Nas reflexões que se fazem em relação à questão do aborto, um tema que tem surgido é se a médica e
o médico poderiam se recusar a fazê-lo sob a alegação de objeção de consciência. E por vezes o debate tem se acirrado a ponto de se afirmar que a recusa desses profissionais seria uma covardia.

Mas será que a médica ou o médico que se negam a fazer o aborto são mesmo covardes?


A consciência é um juízo que formulamos diante de uma situação concreta. Ela nos serve como um guia para agir ou não agir em cada momento. Por exemplo, se alguma pessoa se aproxima pedindo uma esmola num semáforo, posso recordar uma convicção que tenho sobre a imensa e igual dignidade de todo ser humano para, mesmo que não lhe dê dinheiro, olhar-lhe nos olhos com afeto e simplesmente dizer: “não tenho moedas”. Ou, se a abordagem parece implicar um risco, poderei simplesmente arrancar com o carro apressadamente.

Em ambos os casos, se a situação é analisada e confrontada com um valor pessoal, trata-se de um agir conforme a consciência. Se, ao contrário, tem-se uma convicção, mas, para não passar por antipático ou não contrariar a moda ou o que os outros pensam, age-se contrariamente às convicções, então se está violando a própria consciência.

Por vezes, porém, a violação da consciência pode ser imposta de maneira externa ao indivíduo, inclusive pelo próprio Estado. Consideremos, por exemplo, um jovem com profundas convicções filosóficas pacifistas (imaginemos um discípulo de Gandhi) que venha a ser convocado para o serviço militar obrigatório onde tenha que aprender a manusear armas de fogo. Nesse caso, o simples aprendizado sobre esses instrumentos de destruição representam uma violência para o indivíduo.

Por isso, a chamada objeção de consciência está prevista em muitas constituições democráticas. A nossa a assegura principalmente no inciso VIII do artigo 5º. De uma maneira singela, podermos defini-la como o direito do indivíduo de se recusar a agir de maneira contrária às suas convicções religiosas, filosóficas, políticas etc.

A objeção de consciência é de fundamental importância num regime democrático pluralista, como acontece no Brasil (artigo 1º, inciso V da Constituição Federal). Isso porque, se a democracia pode também ser conceituada como um governo da maioria, com respeito aos direitos das minorias, quando da elaboração das Leis, poderão ser aprovadas normas cujo cumprimento venha a violar a consciência do indivíduo.

No caso da médica e do médico, é muito comum que tenham convicções contrárias ao aborto. E isso não necessariamente por motivo religioso. Pode ser que a tenham, por exemplo, por terem pronunciado, quando da formatura, o famoso juramento de Hipócrates na sua fórmula completa, que contém expressamente o seguinte compromisso: “não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva”. Seria covardia honrar esse compromisso?

As médicas e os médicos de nosso tempo já são exigidos e pressionados por todos os lados. Muitas vezes são instados a uma jornada de trabalho desumana para obter uma remuneração nem sempre condizente com a dignidade da profissão que exercem. Frequentemente são alvos de duras críticas e processos judiciais simplesmente porque, apesar de inúmeros esforços, não puderam evitar o mais inevitável, que é a morte. E agora se pretende arrancar da alma as próprias convicções?! Com o devido respeito a quem pensa diferente, isso seria a mais terrível e degradante escravidão, pois aprisiona e constrange o ser humano naquilo que ele tem de mais íntimo e inviolável, que é a própria consciência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário