segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O fim do inferno

A mídia noticiou há algumas semanas que o filósofo italiano Franco Berardi entregaria ao Vaticano uma petição solicitando a abolição final do Inferno! No documento ele o define como “lugar de barbárie, fonte mental de ódio e violência". A carta faz parte de um projeto exibido na 31ª Bienal de São Paulo.

O tema não é fácil de ser abordado. Já nos bancos da faculdade nos filiamos contrário à pena de morte e de prisão perpétua. Nesse cenário, como admitir um suplício numa outra vida a perdurar para todo o sempre?

Penso que a compreensão disso é um pouco mais fácil se analisada sob outra perspectiva: a do amor e da liberdade.

Se há algo que define a vida da mulher e do homem é o amor. Ele está na sua origem e no seu fim. Com efeito, fomos criados por amor. Mais ainda, somos frutos de um Amor e somente encontraremos uma razão profunda para a nossa existência na vivência desse amor.

Acontece que somos também igualmente livres. Não há verdadeiro amor sem liberdade. Ninguém pode jamais ser forçado a amar. Assim, esse Criador que concede a existência por amor e para amar pauta toda a passagem terrena desses seres por Ele amados por um constante e insistente convite: “venha desfrutar do meu Amor”.

Porém, é um convite, muitas vezes explicado pela analogia a um banquete, em que todos são chamados, mas apenas alguns o aceitam. Apesar disso, quem faz o convite também o mantém durante toda a nossa trajetória. Mas, como somos livres, até o último suspiro podemos dizer: “Não! Não quero!”.

Penso que é precisamente isso que disse o Papa Francisco ao pronunciar a tão propalada frase de que “Deus não condena ninguém”. De fato, disse ele no Coliseu em Roma em 29 de Março de 2013: “Não quero acrescentar muitas palavras. Nesta noite, deve permanecer uma única palavra, que é a própria Cruz. A Cruz de Jesus é a Palavra com que Deus respondeu ao mal do mundo. Às vezes parece-nos que Deus não responda ao mal, que permaneça calado. Na realidade, Deus falou, respondeu, e a sua resposta é a Cruz de Cristo: uma Palavra que é amor, misericórdia, perdão. É também julgamento: Deus julga amando-nos. Se acolho o seu amor, estou salvo; se o recuso, estou condenado, não por Ele, mas por mim mesmo, porque Deus não condena, Ele unicamente ama e salva” (http://www.zenit.org/pt/articles/os-cristaos-devem-responder-ao-mal-com-o-bem).

O inferno é simplesmente a ausência de Deus e, por consequência, do seu infinito Amor. Nesse sentido, quando se pleiteia ao Papa ou a quem quer que seja que “decrete” a sua extinção, o que se está pedindo é, em última análise, que todos sejam “obrigados” a amar a Deus. E isso ninguém pode fazer, porque seria privar o ser humano de algo que lhe é essencial: a liberdade. A mesma liberdade, aliás, sem a qual não podemos amar.

Mas há um último ponto essencial nesse contexto: o que é amar? Será um sentimento, um simples palpitar do coração? É também um sentimento, porém, muito mais que isso, o amor está na vontade de fazer o que nos pede a pessoa amada. Assim, após essas palavras poderia parecer – erroneamente – que basta dizer que ama e tudo estaria resolvido. De fato, o amor resolve tudo, porém, ele se manifesta no esforço, no sacrifício mesmo, por fazer a vontade dAquele que amamos.

Lembro-me agora do esforço que fazia uma boa mãe para explicar isso a uma filha pequena. Dizia ela: “Filhinha, imagine você tem de subir uma encosta e, no final dela, encontrarás um lugar maravilhoso onde poderá ficar para sempre. O caminho, por vezes é duro, outras vezes é ameno e tranquilo. Enquanto caminhamos somos muito felizes. Mas não se esqueça de que há um caminho e há um guia. Não podemos nos lançar num precipício, senão não chegamos. Mas se não quisermos caminhar ou mesmo se quisermos nos perder em outros caminhos, aquele que nos convidou respeita a nossa decisão. Mas se esqueça de que, nesse caso, estaremos jogando fora um convite maravilhoso para uma felicidade sem fim, que já começa a invadir nosso coração mesmo enquanto ainda estamos caminhando”. Nada a acrescentar.

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