segunda-feira, 2 de junho de 2014

Sede de reconhecimento

Conheço um homem um tanto curioso. Apesar de ter relações muito próximas com pessoas importantes e influentes na sociedade, orgulha-se de contar entre os seus amigos dois moradores de rua. Um deles, mais jovem, perambula pelos semáforos em busca de algumas moedas que lhe asseguram sustentar o vício. Outro, mais maduro e instruído, também optou pela vida errante. Em uma conversa com esse último, que ele me relatou posteriormente, o mendigo lhe perguntou: “por que você se interessa por mim e perde o seu tempo a conversar comigo, ao contrário do que fazem os demais, que fogem de mim, incomodados com a minha presença?”.


Um renomado professor alemão, Axel Honneth, autor da “Teoria do Reconhecimento”, afirma que a identidade dos indivíduos se determina pela busca do reconhecimento, que se dá em três dimensões: do amor, da solidariedade e do direito, e não propriamente pela inclusão econômica. Os estudos de Honneth auxiliam na compreensão dos conflitos sociais urbanos contemporâneos. Mais que isso, porém, penso que os postulados referidos bem servem para traçar um norte para se implementar, na prática, o princípio da dignidade humana.

De fato, cada ser humano tem em sua essência a necessidade fundamental de amar e de ser amado. E isso há de marcar todas as suas relações, muito embora algumas delas – tais como entre marido e mulher, pais e filhos e amigos – essa realidade se apresente mais acentuada.

Muito se tem dito entre nós sobre os “excluídos da sociedade”, como tal se designando uma realidade puramente econômica. Vale dizer, excluídos seriam aqueles alheios à possibilidade de adquirir os bens materiais necessários a uma vida digna. Acontece que as necessidades humanas superam e muito o que pode proporcionar a sociedade de consumo.

Assim é que a solidariedade, a fraternidade, que se traduzem nas relações de amizade, surgem desinteressadamente na gostosa camaradagem que aflui na conversa com o frentista do posto, com o amigo numa esquina ao final de um dia de trabalho, ou com o velhinho que caminha sem pressa numa praça. Esses gestos e essas atitudes são vozes eloquentes a gritar sem palavras aos que nos cercam: “você é digno!”. Ou, talvez um pouco mais transcendente: “a vida vale a pena!”.

E também a justiça no meio social é fonte de reconhecimento da dignidade humana. Essa, porém, muito mais que o resultado da atuação de um órgão do Estado (do Poder Judiciário) é uma virtude, que como tal há de se forjar no coração do ser humano. Por consequência, justa será uma sociedade na exata medida em que os seus indivíduos cultivarem em si essa disposição constante e firme de dar a cada um o que lhe é devido.

Aquele bom homem, a quem nos referimos no início, talvez pouco saiba sobre a teoria do reconhecimento. Sua vida é, porém, uma encarnação dela numa existência bem concreta. E a resposta que deu ao homem de rua bem vale ser meditada: “Normalmente não te diria por que motivo faço isso. Na verdade, muito me agrada contemplar a tua vida simples – embora muito sofrida – de modo que gosto de estar e conversar contigo. Mas já que me perguntas, dou-te a resposta: Faço isso porque estou absolutamente convencido da tua imensa dignidade. És filho de Deus e, como tal, nem menos nem mais que qualquer outra pessoa que povoa esse planeta. Alguns se dedicam a pregar isso com palavras e teorias. Eu prefiro difundi-la com a minha vida”.

Os filósofos e os estudiosos são importantes. Em muitos momentos na história da humanidade são faróis a iluminar (ou obscurecer) o caminho. Mas são fundamentais as mulheres e os homens inseridos no seio da sociedade a construir com suas ações bem concretas uma cultura de reconhecimento da imensa dignidade de cada ser humano.

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