segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Ainda os... “rolezinhos”

A mídia de massa tem qualificado os “rolezinhos” como um movimento social. Se como tal se está a sustentar que os jovens mais pobres estão em busca de ocupar um espaço outrora reservado a pessoas abastadas, penso que isso bem merece a nossa reflexão.


Uma conversa que presenciei num salão de cabeleireiro da minha cidade natal me deixou intrigado. O local era bastante simples. Um dos clientes sugeriu ao dono do estabelecimento que investisse no conforto, talvez instalando ar condicionado. E a resposta dele foi surpreendente: “Se eu fizer isso, muitos dos que frequentam chegarão aqui e se sentirão incomodados e irão embora”. E esclareceu ele que não era questão de preço, pois mesmo que se mantivesse o valor, se algo ali transparecesse luxo, as pessoas mais simples se sentiriam incomodadas e perderia essa clientela.

Fiquei impressionado. Talvez uma baixa autoestima fazia aquelas pessoas se sentirem indignas de adentrar num estabelecimento com um pouco de conforto. Se é que os “rolezinhos” são um movimento social – sinceramente não sei – seria algo no sentido oposto. Ou seja, pessoas que vivem em regiões mais pobres estão como que reivindicando o direito de frequentar locais mais requintados.

Nesse contexto, poderíamos constatar algo de positivo: esses jovens ao menos têm uma autoestima melhor, tanto que se sentem dignos de ocupar esse espaço. Isso não justifica, porém, desrespeitar as regras de convivência peculiares de cada local e situação. O shopping é um centro de compras, mas também aberto ao passeio desinteressado das pessoas. Não é lícito nem aceitável obstar o acesso em razão da condição social, cor etc. No entanto, também não é correto o usuário pretender mudar a destinação para ouvir musica em som elevado, por exemplo.
A história da humanidade é repleta de situações de discriminação decorrentes de raça, classe ou condição social. Basta lembrar o Apartheid ou mesmo a escravidão. É fato que tais formas explícitas de segregação são cada vez menos frequentes. No entanto, o materialismo ateu, o relativismo e o consumismo de certo modo deixam a mulher e o homem do nosso tempo em situação pior que aqueles que sofriam tais discriminações.

E a razão disso é que privam a mulher e o homem daquilo que são na sua essência: filhas e filhos de Deus. Fora dessa realidade fundamental, quando se tenta explicar – em vão – o princípio da dignidade humana, diz-se que ele implica o direito à vida, à liberdade, ao trabalho, à moradia, ao lazer etc. De fato, todas essas coisas são importantes para o ser humano. Mas não é isso o que fundamenta a sua imensa dignidade. 

O ser humano não perde a sua dignidade quando é privado de tais bens. Não é o fato de frequentar esse ou aquele shopping que o faz mais digno, nem tampouco vestir tal roupa, possuir tal carro ou realizar determinada viagem.

A consideração da filiação divina gera no ser humano também um forte sentido de fraternidade. Isso não justifica, evidentemente, a manutenção de uma situação de injustiça social. A fraternidade bem vivida levará a mobilização no sentido de diminuir a desigualdade social e a buscar condições adequadas de saúde, educação, lazer etc. No entanto, mesmo nos países que atingiram elevados indicativos de bem estar social, ainda encontramos pessoas solitárias e infelizes. E isso porque por mais que se esmere na qualidade do serviço prestado, a nossa condição humana reclama algo mais: sermos tratados com amor.
É impossível prever o desfecho desses acontecimentos protagonizados por uns “brinquedos sem religião”, parafraseando o saudoso Renato Russo. A imensa dignidade a que esses nossos jovens, ricos ou pobres, que perambulam pelos corredores dos shoppings centers almeja não pode ser conquistada com o simples direito de estar ali. Ela reclama algo muito maior e que na verdade está dentro deles.

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