segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Médico importados


Agora que já estão se acalmando os ânimos sobre a polêmica que se acendeu acerca da vinda de médicos de Cuba, gostaria de expor uma preocupação: como cada um de nós, médicos ou não, vai-se portar diante desses profissionais? Não pretendo analisar o erro ou o acerto dessa decisão. Que a julgue a consciência de cada pessoa que dela participou. E também a história a seu tempo fará tal julgamento. Porém, diante desse fato consumado, qual é a melhor atitude de cada um de nós?


Um grande desafio para todo ser humano é saber colocar-se no lugar do outro, tentando descobrir quais são os seus sentimentos, os seus anseios e as suas frustrações.

Nesse sentido, talvez uma primeira indagação a ser feita é: “Como se sentem os nossos médicos?”. É que, ao menos como a questão foi tratada, transmitiu-se uma mensagem subliminar mais ou menos do tipo: “não temos médicos suficientes para atender às pessoas mais carentes dos locais mais longínquos desse País”, ou, pior ainda: “nossos médicos não são suficientemente generosos para se dedicar a cuidar dessa parcela significativa da população, logo havemos de importar profissionais mais abnegados para essa missão”.


É claro que ninguém disse isso abertamente, mas não terá sido essa a mensagem que se passou com essa decisão e com as suas motivações? E como terá ficado a autoestima de muitos médicos que abnegadamente desempenham sua missão, muitas vezes sem condições básicas? Como se sentem os estudantes de medicina, alguns cheios de sonhos de desempenhar um ofício por um ideal nobre em que acreditam?

Mas há também um outro lado da questão. Quais serão os sentimentos que invadem o coração desses médicos que decidiram vir tentar a sorte no Brasil? Como terá sido a sua história de vida? Há quanto tempo alimentam o desejo de se libertar de um regime que, a pretexto de assegurar a igualdade violenta a liberdade dos indivíduos? Que sonhos trarão em sua escassa bagagem?

Médico cubano é vaiado por estudantes chegando em Fortaleza
E então se forma um cenário muito propício a conflitos. Encontrarão esses médicos a hostilidade dos colegas brasileiros, quiçá melindrados com o espaço perdido? Pior, os próprios pacientes verão neles profissionais de segunda categoria, contratados para cuidar de cidadãos “menos dignos” de atendimento de qualidade?

A história da humanidade é repleta de fenômenos migratórios traumáticos. Nosso País, contudo, tem a vocação de ser exatamente o contrário: “O Brasil! A primeira coisa que vi foi uma mãe grande, bela, terna, que abre os braços a todos, sem distinção de línguas, de raças, de nações, e a todos chama filhos. Grande coisa é o Brasil! Depois, vi que vocês se tratam de uma maneira fraterna, e fiquei comovido”. Essa frase foi pronunciada por São Josemaría Escrivá, diante de milhares de pessoas no Parque Anhembi, em São Paulo, no ano de 1974.

Penso que agora não podemos agir diferentemente. Pouco importam as razões que trouxeram esses médicos ao Brasil. Estão aqui e são seres humanos a quem haveremos de acolher com muito carinho. Ao mesmo tempo, espera-se deles – e dos nossos médicos também – que saibam desempenhar sua profissão por amor.

Talvez a medicina seja uma das ciências em que mais se sentem os paradoxos da tecnologia. Se por um lado as suas descobertas são fantásticas em benefício da vida e da saúde, por outro, muitas vezes, elas são utilizadas de maneira que desumanizam o ser humano. Penso que deveríamos saber ensinar os futuros médicos (e também os atuais), que toda aquela parafernália tecnológica, capaz de proporcionar diagnósticos certeiros, não é capaz de radiografar a alma. E também não podem substituir um sorriso, um abraço, um olhar nos olhos e uma palavra de alento.

Não importa tanto de onde vêm os nossos médicos. Importa mais que eles sejam ... médicos. Que sejam homens e mulheres capazes de se doar por amor àqueles de quem cuidam. Mas que também a nossa sociedade saiba valorizá-los e respeitá-los, a começar por uma remuneração digna e uma jornada de trabalho justa, que lhes permita também o descanso e, sobretudo, a atenção à própria família.

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