segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A Ditadura da Maioria


Há poucos dias, em conversa com estudantes universitários, acendeu-se um acalorado debate. O tema estava relacionado a uma deliberação dos alunos de fazerem greve em busca de reivindicações. Então um deles fez a seguinte ponderação: “Na verdade eu não concordo com os motivos da paralização, porém, como a maioria assim decidiu, devo aderir”. Nesse caso – e poderíamos citar outros semelhantes, como ocorre nos sindicatos – os vencidos deverão sempre se render à decisão da maioria? E haverá um limite para isso?

Sem a pretensão de esgotar o tema, que é complexo e intrincado, devemos considerar que, mesmo no regime democrático, em que deveria prevalecer a vontade da maioria, essa não pode violar os direitos e as liberdades fundamentais de um grupo minoritário ou de um indivíduo.


Além disso, é necessário aferir a legitimidade das entidades que tomam decisões em nome de um grupo ou categoria. Vale aqui o princípio de que ninguém pode ser obrigado a se associar ou se manter associado. Com isso, àqueles que não se filiaram voluntariamente a uma entidade associativa, em regra as suas decisões não se lhe aplicam.


Mas a questão da legitimidade de determinada entidade tomar decisões, mesmo majoritárias, com efeitos na esfera dos seus membros, não é o ponto de maior relevância. Penso que o aspecto mais radicalmente importante é o respeito à liberdade das consciências. 


O respeito à consciência dos indivíduos é um limite imposto inclusive ao poder estatal na elaboração e aplicação das Leis. Dispõe o inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal: é inviolável a liberdade de consciência e de crença (...). Logo em seguida, o inciso VIII também assegura: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (...).


Tomemos um exemplo. Acaso – por desgraça – o aborto venha a ser permitido em nosso País, jamais um médico poderá ser forçado a praticá-lo, mesmo em se tratando de profissional contratado pelo Poder Público, se isso contrariar a sua consciência. Igualmente, e com maior razão, as deliberações tomadas por entidades associativas de qualquer natureza também não poderão impor aos seus membros o cumprimento de determinações que contrariem as suas consciências.


Poder-se-ia sustentar que esse critério delimitador do poder de legislar, bem como de tomar as deliberações nas entidades em geral, traria insegurança jurídica. Isso porque as pessoas poderiam se abster de cumprir Leis e deliberações legítimas, simplesmente alegando objeção de consciência. De fato, se tomarmos como regra que as pessoas irão mentir, não há consideração ética que se sustente, pois essa pressupõe fundamentalmente o compromisso com a verdade.


Mas, de fato, faltar com a verdade é sempre possível em qualquer meio social. Assim, em cada situação concreta há que se aferir se se está diante de uma situação de legítima objeção de consciência, ou se se trata de subterfúgio para deixar de cumprir uma Lei ou deliberação. E, nesse caso, nada substitui a prudência daquele que haverá de decidir.
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"Prudência", de Luca Giordano

Penso que a principal virtude daquele que tem a missão de decidir é a prudência. E isso não se aplica exclusivamente aos magistrados, mas a todos que em numa situação ou noutra tomam decisões que envolvam direitos e interesses alheios. E essa virtude, como se sabe, não é algo que move à inação, ao um não fazer nada por medo de se arriscar. Ao contrário, dispõe a razão para discernir em todas as circunstâncias o verdadeiro bem e a escolher os meios justos e adequados para o atingir. Nesse sentido, ela conduz as outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida.



Todo ser humano tem o direito inalienável de agir de acordo com a sua consciência. E nenhum Juiz ou Legislador humano tem o direito de invadir esse reduto inviolável. Com isso, o respeito a esse direito pressupõe um profundo compromisso com a verdade e uma esmerada prudência daqueles que tem a missão de julgar.

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