segunda-feira, 24 de junho de 2013

O porquê das manifestações

Assistimos nos últimos dias uma enorme multidão tomando as praças e ruas das nossas cidades em manifestações de protesto. Nesses movimentos fica evidente uma enorme insatisfação. No entanto, talvez ainda não nos esteja muito clara a sua causa mais profunda. Não é possível que seja apenas o aumento da tarifa de ônibus. O que de verdade retirou esses jovens da passividade e os moveu para a luta?
O brasileiro nutre um grande amor pela sua Pátria, mas também traz na alma uma baixa autoestima. Crescemos ouvindo comparações de que tudo o que é nosso é pior que o que ocorre lá fora. São frases do tipo: “nos Estados Unidos a polícia é assim, agora aqui...”, “em tal País da Europa o ônibus urbano tem isso e aquilo, mas no Brasil...”.
E então ficamos como que à procura de algo em que verdadeiramente somos bons, talvez para mostrar aos de fora e a nós mesmos que não estamos tão ruins assim. Quem não se emocionava, alguns anos atrás, vendo o Ayrton Senna fazendo tremular a bandeira brasileira em chãos europeus e em diversos cantos do mundo?
Nesse cenário, o futebol merece um capítulo a parte. É que aqui podemos nos orgulhar de sermos bons. Mas também nesse ponto nos resta uma forte dose de melancolia: exportamos os nossos heróis, pois não temos dinheiro nem competência para mantê-los em nossos estádios...
Aliás, durante muito tempo exportamos o que temos de melhor. Quantas vezes vimos em nossos produtos a frase “tipo exportação”, com isso querendo dizer que possui uma qualidade superior a daqueles que destinamos ao consumo interno. Acontece que, com isso, transmitimos a nós mesmos a mensagem de que somos menos dignos que os norte-americanos, europeus e japoneses, que têm o direito de receber o melhor do nosso café, açúcar, carne etc.
 Essa baixa autoestima enraizada e nossa consciência como cidadãs e cidadãos brasileiros é frequentemente agravada com o mau exemplo de nossos governantes. Muitas vezes parece que zombam de nós malversando dinheiro público impunemente. E, para agravar esse cenário, vemos também a absurda ineficiência das nossas instituições para evitar e punir as transgressões à Lei. Frequentemente a mídia nos traz a imagem – real ou deturpada – de uma crônica impunidade. E isso abala até o anseio natural que toda mulher e todo homem traz em si de agir para o bem, conforme a sua consciência.
Mas não estamos satisfeitos com isso. Ninguém gosta de ser tido como menos digno que ninguém, precisamente porque a dignidade da pessoa humana é imensa e nenhum ser ou povo que habita este planeta pode ser considerado ou tratado como inferior a outro. Essa passividade que nos marca é, no fundo, o desalento que brota de que acreditar que não há o que possa ser feito para mudar esse estado das coisas.
Mas eis que surgem uns jovens “rebeldes” que protestam, inicialmente, contra o aumento da tarifa de ônibus. E tomam as ruas na luta por essa causa. E então esse sentimento aflora num enorme grito de: BASTA! Somos dignos sim e queremos ser tratados como tal. Tanto que o grito que marejava nossos olhos era: “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor...”.
Quando alguns manifestantes tentaram invadir o Congresso Nacional, um Senador pediu a eles a lista de reivindicações, que não foi apresentada. Na verdade não a tinham. Num primeiro momento pareceu ser uns rebeldes sem causa. Mas não. Clamam por dignidade, ainda que sequer para os manifestantes estejam muito conscientes disso.

A lição foi muito clara. O Gigante verdadeiramente acordou, como diziam os manifestantes. Foi um primeiro sinal de que estamos fartos de ser considerados pessoas de quarta categoria confinados num terceiro mundo. É certo que a mudança dessa situação dependerá do trabalho árduo e perseverante da cada brasileira e de cada brasileiro que saiu – fisicamente ou apenas com o desejo – às ruas para protestar. Mas, caros governantes e detentores do poder em qualquer esfera, fiquemos de olhos bem abertos diante de uma multidão que clama: “estamos aqui e estamos vivos e sedentos de construir uma Nação em que reine a dignidade para todos”.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Torta de limão

A cena é muito conhecida, ao menos dos homens. O jogo de futebol havia terminado há pouco, a roda de amigos se formou diante de uma mesa com cervejas “estupidamente geladas”. A conversa foi se amimando até que um deles mostra ao amigo uma fotografia no celular. Os comentários denunciam de que se trata:
- Lindíssima!
Logo se armou uma roda ao redor do smartphone. Todos se derretem em elogios... Um dos “atletas”, porém, se mantém um pouco distante do grupo, degustando a sua cerveja, mas nada “à vontade” com os rumos que tomou a conversa. Mas eis que um deles nota a o distanciamento do amigo e resolve buscar a sua aproximação:
- Cara, dê uma olhada!
Um tanto a contragosto, resolve observar o que tanto chamava a atenção dos amigos. E então lhe perguntam:
- O que acha?
Após um incômodo silêncio, resolve dar o seu parecer:
- É muito bonita. Mas a mim mais se parece uma torta de limão...
- Como assim? – Indaga o dono do celular.
Todos olhares se voltam para ele, ansiosos para que desvende o significado da expressão.
Diante do prolongado silêncio, um dos amigos, tomado pela curiosidade, resolve perguntar:
- O que você quer dizer com isso? Por que ela se parece com uma ... torta de limão?
- É simples – respondeu ele agora um tanto confortável por ter deixado o papel de terceiro coadjuvante para assumir o de ator principal. E prosseguiu: – A torta de limão é muito apetitosa quando a experimentamos, porém, após brevíssimos momentos de prazer, deixa um gosto amargo na boca e, se não a desfrutamos na companhia de pessoas que verdadeiramente gostamos, fica apenas um vazio na alma...
Verdadeiramente não era aquele um ambiente adequado para grandes reflexões. Por isso, as suas palavras, por irem “contra a corrente”, deixou todos desconcertados. Mas o desassombro dos amigos serviu de estímulo para prosseguir com suas ideias:
- E vou dizer mais. Quando estamos com o gosto amargo na boca, temos a possibilidade de experimentar mais um bocado. No entanto, dessa vez o amargor fica ainda pior e o prazer do segundo prato é muito menor...
Um dos amigos, um tanto desconcertado, resolve prosseguir nessas divagações:
- Mas se é assim, você que se diz tão apaixonado por sua esposa, não acontece com ela o mesmo? Como você a suporta há tanto tempo?
- Acontece que ela não é nem nunca será uma torta de limão...
O zagueiro, empolgado com aquela discussão nada futebolística, não conteve a curiosidade, e gritou do canto da mesa:
- O que ela é, então?
- Não sei com que compará-la – respondeu o nosso protagonista, sem perder a compostura.
Mas, após um breve silêncio, prosseguiu:
- Um bom vinho. Acho que isso é o que melhor a define em comparação com a torta de limão. O vinho, se é bom, fica cada vez melhor com o passar dos anos. E, mesmo após aberto, a última taça é sempre melhor que a primeira...
Os amigos estavam verdadeiramente surpresos, como que descobrindo algo novo, de modo que a novidade os agradava. Percebendo isso em seus olhos o nosso amigo prosseguiu com suas considerações:
- Sabe, os anos de casamento, se levados com interesse sincero em fazer o outro feliz, faz com que se cresça no conhecimento mútuo. E isso faz com que fique cada vez mais agradável o relacionamento, ainda que não faltem dificuldades e frustrações. Essas, quando superadas por amor, fazem crescer a união entre o casal. E o mesmo ocorre com as relações íntimas. Quanto mais nos conhecemos, mais é possível fazer esse ato mais prazeroso para o outro.
A conversa terminou e foram embora. O nosso protagonista precisou de carona com um dos amigos. Ao chegar à casa, a esposa o convidou a entrar. Ao dizer que não jantariam, pois haviam petiscado no bar ao lado do campo, a amável esposa propôs-lhes ao menos experimentar a sobremesa:
- Preparei uma torta de limão, com bastante raspas de cobertura, tal como você gosta, meu amor...
O amigo não escondeu uma grande gargalhada. 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Prostituição e Dignidade Humana

O Ministério da Saúde lançou na semana passada uma campanha nas redes sociais que contava com o slogan: "Eu sou feliz sendo prostituta". Posteriormente, houve um recuo daquele órgão público e a publicação foi retirada. Apesar disso, penso que o tema merece a nossa reflexão.
Há uma forte tendência em nosso tempo de se eliminar todo tipo de discriminação. E isso é muito bom. Porém, a pretexto de não se discriminar, tem-se sustentado que determinadas condutas, intrinsecamente más, seriam eticamente corretas. Exemplo disso é o que se tentou fazer com essa campanha.
No entanto, para não se fazer injusta discriminação não é necessário – nem possível – sustentar que o erro tornou-se correto, mas basta saber distinguir o erro da pessoa que erra.
A prostituta mantém absolutamente intocável a sua dignidade. Bem por isso não pode ser tratada com falta de respeito, não pode ser proibida de frequentar determinados lugares em decorrência da sua condição, enfim, tem os mesmos direitos e os mesmos deveres que os demais cidadãos.
E, para que essa imensa dignidade que possui – por ser pessoa humana – seja devidamente respeitada, é necessário que todos saibamos ter esses olhos para ver no próximo um ser humano, seja qual for a sua condição: presidiário, trabalhador, prostituta, celibatário, casado, solteiro, divorciado, branco, negro, amarelo, heterossexual, homossexual etc. Isso não nos impede, porém, de chamarmos o erro de erro, com valentia e coragem se necessário.
No caso da prostituição, para a formação de um juízo ético, convém analisar os fundamentos e os fins do ato sexual. O sexo não é para o ser humano uma simples necessidade fisiológica, por mais prazeroso que seja. Todo animal tem o seu habitat natural e tem a sexualidade voltada à preservação da espécie. No ser humano acontece algo substancialmente diferente. O habitat natural da espécie humana é a família. E os “filhotes” dessa espécie tem a necessidade de um pai e de uma mãe que, mais que o amarem, que se amem entre si, precisamente porque o sentido das suas vidas é o amor.
Nesse contexto, a sexualidade humana está indissociavelmente vinculada ao amor entre um homem e uma mulher. Mais ainda, como esse amor é vida e fonte de vida, precisa estar selado com um compromisso que assegure a estabilidade desse habitat natural da espécie humana. Bem por isso que já se disse que o leito conjugal é um altar de cujo amor fecundo vidas humanas – dotadas de uma dignidade infinita – são chamadas ao imenso privilégio da existência.
Assim, “dar-se” no ato sexual por dinheiro ou procurar um parceiro ou uma parceira simplesmente para satisfação de uma “necessidade fisiológica” é transformar algo que é imensamente sublime em vil mercadoria. E isso degrada enormemente a pessoa humana, mesmo que se faça com o seu consentimento.
Ninguém é “feliz sendo prostituta”, assim como ninguém é feliz vendendo-se a si próprio ou comprando satisfações egoístas. A frase é ardilosa e mentirosa. Nela se encerra um baixo e sorrateiro golpe na dignidade humana, ainda que seja dourada com adornos atraentes e disfarçada com sorrisos exteriores e fingidos.

E a malícia mais repugnante dessas campanhas está em que bloqueia, ou ao menos dificulta enormemente, as possibilidades das pessoas deixarem essa “profissão” degradante, onde somente encontrarão frustrações. Penso que quem verdadeiramente busca o bem desses seres humanos, que se perdem na prostituição, deveria levar-lhes um acolhimento sincero e delicado, que os movesse a mudar de vida, a encontrar o verdadeiro amor e nele situar a sexualidade tal como foi concebida. É que somente assim poderão inebriar-se na fonte real e perene da felicidade.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Formando mulheres e homens livres

Recentemente muito se tem defendido a necessidade de impor limites na educação dos filhos. E a razão principal disso são péssimos resultados observados, decorrentes de uma educação excessivamente permissivista: jovens desorientados, drogas, gravidez precoce, perda do sentido da vida etc.
É evidente que o permissivismo causou grandes males às atuais gerações. Mas será que o simples restabelecimento dos limites na educação serão suficientes para corrigir os erros do passado?
Os limites são imprescindíveis, sobretudo porque eles permitem que nossos filhos e alunos saibam compaginar liberdade com responsabilidade. Soube da história de um garoto que, durante uma viagem com os colegas de escola para um acampamento, queixava-se com o professor de que seus pais não lhe davam liberdade, que dependia da autorização deles para quase tudo. Esse bom professor deu ao aluno uma brilhante lição, que merece ser contada:
“Seus pais não permitem que você faça tudo o que quer porque o amam. Veja esse pequeno riacho. Em sua nascente, uma margem é bem próxima da outra. É o que ocorre com uma criança pequena, que para tudo depende dos pais. O riacho, conforme vai avançando, as suas margens vão ficando cada vez mais distantes, até que deságue no mar, onde não há mais margens. Assim deveriam os pais fazer com os filhos. A autoridade dos pais é a margem dos rios que permite que cheguem ao destino. Quanto maior o rio, mais distantes as margens, quanto maior e mais responsável o filho, maior pode ser a sua autonomia. E que bom que haja a margem! Imagine o que seria do rio sem ela? Veja aquela parte do rio em que a margem é menos resistente, parte da água caiu para fora e apodrece à beira do rio, não chegará no mar. Assim acontece com os filhos que possuem pais fracos, que não desempenham a obrigação de exercer a autoridade: deixam seus filhos perdidos nas ribanceiras do mundo, não chegam ao mar”.
Penso que é interessante essa lição desse bom mestre. Porém, como toda analogia, é imperfeita. Ainda que a imagem das margens do rio chamem a atenção dos educadores para o dever de impor limites aos filhos, na prática, nem sempre é possível – e nem desejável – que os pais e professores assumam uma atitude excessivamente vigilante.
E mesmo que fosse possível essa vigilância, tampouco seria adequada para formar homens e mulheres de verdade. É que ninguém poderá ser verdadeiramente bom enquanto não se decidir a sê-lo livremente.
Nesse sentido, mais que cercados ou vigiados, nossos filhos e alunos precisam ser inspirados. Estão sedentos de exemplos vivos de que a vida vale a pena encarnados numa existência concreta. Assim, para formarmos mulheres e homens de verdade, felizes e com um claro e profundo sentido da vida, é necessário que sejam muito bem formados os educadores: pais e professores.
É muito difícil moldar um ferro frio. Ao contrário, se é aquecido, um bom ferreiro pode ir trabalhando, dando-lhe os contornos desejados. Novamente a analogia é imperfeita, afinal a educação não é moldar ninguém, e tampouco tem o educador o direito de impor naquele que educa um modo peculiar de ser, até porque o melhor que cada ser humano pode vir a ser é ele mesmo. No entanto, as virtudes que formam uma personalidade madura e feliz podem ser forjadas. E, para isso, quando maior for a “temperatura” do educador, mais apto estará para inspirar e arrastar.

Não queremos dizer que o bom educador precisa ser necessariamente uma personalidade carismática. A história está cheia de líderes carismáticos que arrastaram milhares de pessoas para um verdadeiro abismo. O que nossos jovens precisam é de educadores que encontraram um autêntico e profundo sentido para as suas vidas. E que, precisamente por tê-lo encontrado, são capazes de ensinar, muito mais que com palavras, com os exemplos que emanam de uma vida fecunda.