segunda-feira, 25 de março de 2013

A quem abrir a intimidade?

Um grande choque cultural entre a geração atual e a de poucas décadas atrás está na forma de se vestir. A minissaia e os biquínis em que se fazem enorme economia de tecido já nem causam espanto. A moda agora, especialmente entre os adolescentes, é vestir-se de tal modo que se exiba propositadamente parte das roupas íntimas.
É inegável que a moda varia muitíssimo ao sabor do tempo, local e contexto histórico. Basta recordar fotografias antigas para notar quão ridículos nos parecem, hoje, nossos parentes e amigos com vestes que eram super fashion décadas atrás. Ou ainda podemos notar os hábitos no vestir das pessoas de alguns Países que ainda não cederam por completo – ao menos nesse aspecto – ao fenômeno da globalização, em especial entre alguns povos africanos e asiáticos, para concluir que a vestimenta tem toda uma conotação cultural.
Apesar de a moda ser um fenômeno eminentemente cultural, quando se nota um erotismo exagerado no modo de se vestir, podemos considerar isso como uma simples tendência, indiferente sob o aspecto ético? Ou esse fato terá reflexos na vida das pessoas enquanto seres humanos dotados de dignidade e que aspiram à plena realização e à felicidade?
Penso que a resposta a tal indagação depende de uma análise, talvez sob um enfoque antropológico, sobre o que é a intimidade para o ser humano.
Certa vez ouvi um palestrante que comparava o ser humano a uma “cebola”. E fazia essa analogia para explicar que temos várias “camadas” até se chegar ao âmago, ao centro. A casca (camada mais externa) é aquela que nos envolve e com a qual nos apresentamos em público. É a única que se faz visível a todos enquanto circulamos pela rua, ou nos apresentamos no local de trabalho e nas relações sociais.
Com os nossos amigos tiramos várias castas, de modo que sabem o que pensamos, o que fazemos e do que gostamos, ainda que não saibam tudo o que se passa no mundo dos nossos pensamentos e desejos. Com os nossos familiares, em especial entre pais e filhos, a intimidade é muito mais conhecida. Vestimo-nos à vontade, não nos preocupamos tanto com o que diremos, como nos portaremos etc. E, por último, chega-se ao maior nível de abertura da intimidade possível: com o nosso cônjuge. A ele (ou a ela) nos abrimos quase que por completo. Essa abertura, ao menos no que no aspecto corporal, tem a sua expressão mais sublime no ato sexual.
Mas mesmo entre os cônjuges a abertura da intimidade não é completa e não abarca em absoluto todo o ser do outro. Ainda se mantém na esfera individual muitos pensamentos e desejos que não queremos revelar. No mais profundo e íntimo da cada mulher e de cada homem – no miolo da cebola, como diria o palestrante – está a nossa consciência. E, nesse sacrário, cada ser humano tem o direito e a necessidade de estar a sós com Deus.
Por natureza, a nossa intimidade necessita ser preservada. Imaginemos como seria se alguém inventasse um aparato que possa ler ou ouvir tudo o que se passa em nosso interior. Estaríamos aniquilados. Necessitamos, pois, de uma proteção a essa intimidade para abri-la a quem quisermos e, principalmente, a quem mereça a nossa confiança.
Nesse sentido, podemos dizer que a moda é, em regra, um fenômeno meramente cultural. Porém, quando se tenta orientá-la numa direção que contraria a natureza do ser humano, escancarando irresponsavelmente a intimidade, então deixa de ser indiferente sob o aspecto ético, pois afronta a dignidade das pessoas, ainda que com o consentimento dessas, muitas vezes imposto por pressão do ambiente.

Nesse caso, devemos combater essa má tendência da moda e muda-la para que esteja a serviço do ser humano. E isso não por questão de estética ou gosto, que são opináveis, mas por amor aos nossos semelhantes, que necessitam ter a intimidade protegida para que possam abri-la somente a quem quiserem ou se fizerem dignos dessa abertura.

segunda-feira, 4 de março de 2013

De quem é a culpa?

O mundo recebeu com profunda indignação a notícia da morte do jovem torcedor Kevin Beltrán, no estádio de Oruro, na Bolívia, durante uma partida entre o Corinthians e o San José. As reações, no início, de certo modo se voltaram indiscriminadamente contra a torcida corintiana, convertida em cúmplice do homicídio. E, agora que um adolescente assume a autoria do crime, parece que se busca ofuscar a sua responsabilidade, como que diluída entre os integrantes da torcida uniformizada que integra.
Penso que esse fato comporta algumas considerações. É que se observa uma tendência de atacar a imagem de instituições, públicas ou privadas, a partir de condutas negativas de seus membros. E, por outro lado,  atenua-se a responsabilidade pessoal, atribuindo-a a um determinado grupo, associação, instituição etc.
Podemos citar como exemplos casos de corrupção de juízes, isolados e reduzidos, ao lado de um enorme contingente de magistrados honestos e fieis cumpridores de sua função. Porém, algumas reportagens e artigos levam a pensar que todos são corruptos, criando uma imagem negativa da instituição.
É bem verdade que quando essas instituições não conseguem punir adequadamente os maus integrantes, de certo modo tornam-se coniventes com o erro. De qualquer sorte, porém, o crime continua sendo pessoal, devendo os seus autores ser por eles responsabilizados.
Além disso, a punição dos maus integrantes nem sempre é divulgada em todos os seus aspectos, numa espécie de execração pública, inclusive porque a pena pode ter, também, a finalidade de corrigir o que errou. Assim, uma desmedida violação da intimidade poderia denegrir de maneira irreversível a honra daqueles que erraram e sofreram a punição, mas que, ainda assim, têm o direito de se redimirem.
É certo, também, que há instituições cuja finalidade explícita ou implícita é a prática de condutas ilícitas. É exemplo típico disso os grupos terroristas. Nesse caso, os atentados são de responsabilidade dos que os praticam, mas a entidade existe para esse fim, de modo que todos os membros de certo modo assumem a sua parcela de culpa.
Apesar disso, convém ressaltar que a responsabilidade pelos atos ilícitos é sempre pessoal, precisamente porque praticados por pessoas livres e, portanto, responsáveis por seus atos.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que se observa uma tendência para atribuir às instituições a responsabilidade pelos atos ilícitos dos seus membros, há, por outro, uma pressão para colocar a culpa nas “estruturas”, com isso atenuando a responsabilidade pessoal.
É inegável que o meio social e os grupos influem na formação dos valores, exercendo também um papel relevante nas escolhas e decisões. No entanto, no mais das vezes, salvo casos extremos, mantém-se a liberdade de escolha entre a conduta correta e a ilícita, de modo que subsiste, também, a responsabilidade como ato eminentemente pessoal, ainda que as instituições, segundo determinados critérios jurídicos, também possam ser responsabilizadas.
Ter bem claros esses conceitos é fundamental para todo educador, em especial, os pais e professores. É que os nossos filhos e alunos, sobretudo na adolescência, aderem muito fortemente aos valores do grupo de que participam. E muitas vezes estão dispostos a contrariar tudo o que aprenderam em casa e na escola para ser aceito na “gangue”.

Nessa situação, devemos explicar-lhes eficazmente que, aderindo a determinadas associações (algumas torcidas uniformizadas, p. ex.), poderão ser duplamente responsáveis por seus atos. Primeiro por se expor ao risco de tomar parte num grupo que habitualmente descumpre as regras de convivência. E, depois, tampouco poderão se eximir da culpa pelo mau comportamento para atribuí-la exclusivamente à entidade a que livremente se associaram.