segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Para entender a Igreja

O Papa Bento XVI surpreendeu o mundo na semana passada ao anunciar a sua renúncia. Além da perplexidade, penso que sua atitude também se mostra incompreensível para muitos. Com efeito, vimos o seu antecessor, o Papa João Paulo II, travar uma luta heroica contra a doença, mantendo-se convicto no seu ministério até o fim, apesar de notório o peso da idade e da doença, agravados pelas consequências do terrível atentado que sofreu. O Pontífice atual, ao contrário, anuncia que deixará o cargo num momento em que sequer nos era muito visível a sua debilidade.
Ao meditar nesse contraste, com o desejo sincero de entender o porquê, vem-me à memória uma aula de um professor, ainda nos tempos do colegial. Esboçava ele algumas explicações para a inusitada sobrevivência da Igreja por cerca de dois milênios. E aventava algumas explicações. Lembro-me de apenas duas. A primeira seria a comprovada existência histórica do seu Fundador. A outra seria o que chamava de uma grande capacidade de se “adaptar” aos diversos regimes políticos que marcaram a idade antiga, média e moderna.
Com profundo respeito a esse grande mestre, penso que é impossível entender a Igreja sob uma perspectiva puramente humana. O estudante de medicina, já nos primeiros anos de seus estudos, põe as mãos num cadáver para entender melhor a anatomia humana. Não ignoram, porém, que aquele corpo morto não é um homem. Falta-lhe a alma que, unida àquela matéria, dava-lhe vida e uma existência plena e única.
De igual modo, querer entender a Igreja sem se atentar para o Espírito Santo que a vivifica é o mesmo que estudar um organismo morto. E esse modo de observar o objeto do estudo serve para compreendê-la externamente como uma instituição humana. Porém, jamais poderá compreender a sua ação no mundo e na história.
Num dos seus primeiros pronunciamentos como sucessor de Pedro no governo da Igreja, o Papa Bento XVI dizia que o seu plano de governo era não ter plano de governo. Se o Presidente de uma República ou um Primeiro Ministro fizesse tal pronunciamento ao assumir o cargo, por certo cometeria um suicídio político. Com efeito, numa democracia elege-se, antes que uma pessoa, um projeto. O Papa, como dirigente da Igreja, apesar dos seus inegáveis dotes intelectuais e capacidade para governar, fazia tal afirmação precisamente porque sabia que não governaria o povo de Deus apenas com a sua inteligência e vontade, mas, sobretudo, com a sua docilidade às moções do Espírito Santo.
Conta a tradição que o apóstolo Pedro saia de Roma, fugindo da perseguição do imperador Nero. Enquanto o fazia, encontra Jesus na Via Ápia e lhe pergunta, “Aonde vais Senhor?” (Quo vadis Domine?) E o Senhor lhe responde: “Volto para Roma para ser crucificado”. Então o discípulo entende a mensagem e volta a Roma, onde dá a vida por Cristo.
Não é exagerado supor que o mesmo Senhor instava o saudoso João Paulo II a se manter firme até o último de seus dias. E, de igual modo, ainda que aparentemente paradoxal, é o mesmo que agora insta o valente Papa Bento XVI a entregar o cargo ao seu sucessor quando o lhe falta o vigor físico. São palavras suas: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino”.
E o mais maravilhoso é que o Espírito Santo não age apenas na cabeça da Igreja. Tal como o espírito inunda cada órgão do ser humano, que unidos exercem a sua indispensável função vital, Deus age em cada membro da Sua Igreja, mais ainda, em cada homem e em cada mulher, independentemente da sua condição, sexo ou religião. Basta manter bem aberto os ouvidos da alma para vislumbrar os seus sussurros a cada minuto: “de uma esmola e um sorriso a esse que te pede”, “seja mais carinhoso com tua esposa (ou com teu marido)”, “esmere-se mais na educação dos teus filhos”.

Nesse contexto, o que seria então estar neste mundo sem a magnífica luz da fé? Penso que seria mais ou menos como que o estudante de medicina se contentasse com dissecar cadáveres: Jamais entenderia o que é a Vida, em sua essência.

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