segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Obediência e autoridade dos pais

No último sábado, dia 22 de setembro, tive a grata satisfação de dar uma palestra no Colégio Nautas, em Campinas, que teve como tema a Obediência dos filhos e a autoridade dos pais. Como o assunto está muito relacionado com o que costumamos abordar nesta coluna, gostaria de compartilhá-lo também com o leitor.
Não é possível falar em obediência sem uma indagação inicial sobre o sentido da vida: O que cada um de nós está fazendo nesse breve tempo que temos do nosso nascimento até a partida deste mundo? Mais ainda, há um sentido para a existência, ou ela é uma simples sucessão de fatos no tempo, sem um ponto de partida nem de chegada?
Acredito sinceramente que nenhum dos seis bilhões de seres humanos que povoam atualmente o planeta foi lançado à existência por acaso e à própria sorte. Todas as mulheres e todos os homens que vieram, que estão e que virão a esse mundo têm uma missão a desempenhar e a sua realização e a sua felicidade estão precisamente em encontra-la e segui-la.
Essas considerações nos remetem para um bem superior e eterno que há de mover a nossa inteligência e a nossa vontade. Assim, a busca do bem próprio e alheio é o que dá sentido a nossas vidas e há de pautar o nosso caminhar.
Mas o que é esse bem? E como encontrá-lo e buscá-lo em cada circunstância das nossas vidas? Como saberemos escolher o melhor caminho em cada momento? Penso que o primeiro passo é querer. Mas isso não basta, pois muitas vezes não sabemos onde está a direção correta. Bem por isso que sempre será necessário que haja autoridade e obediência.
Essa consideração nos revela a enorme responsabilidade que implica o fato de se ter autoridade sobre alguém. E isso nos vários âmbitos da sociedade. O Administrador Público, o Legislador e o Magistrado somente possuem uma autoridade legítima se a usam para o bem daqueles que lhes estão sujeitos. Nesse sentido, tanto age mal o que possui o poder e não o exerce para o bem, como o que deixa de exercê-lo, permitindo que da sua preguiçosa omissão impere o mal nas relações humanas.
Mas há uma autoridade que possui especial transcendência, que é aquela que se exerce em relação aos seres humanos ainda em fase de formação. Refiro-me particularmente aos pais e professores. É que as omissões e os desvios de autoridade nessa fase podem trazer consequências muito graves, difíceis de serem revertidas.
Mas além de se exercer autoridade, é necessário querer obedecer. Não soa muito simpático falar em obediência atualmente. Pensa-se que quando obedecemos não somos livres. No entanto, isso não é verdade. Alguém ousaria dizer que um guia que nos orienta numa escalada, dizendo “vá por aqui”, “não pise ali”, “cuidado com aquela pedra” nos tolhe a liberdade? Ora, são precisamente as suas instruções que nos mantém vivos e seguros, de modo que as obedecemos com gosto e prontidão.
Lembro-me de um acontecimento da minha infância. Estava com meu pai numa cidade grande. Era dezembro e fazíamos as compras para o Natal. Num dado momento, soltei as mãos dele e me distraí, contemplando um brinquedo. E eis que logo me senti perdido. Talvez o leitor se lembre do que sentiu em situação semelhante: a angústia de se haver perdido o que nos dá segurança e então andamos de um lado a outro, numa ansiosa procura que parece interminável...

De certo modo é assim que perambulam por esta vida aqueles que ainda não sabem, com toda segurança, de onde vieram e para onde caminham. Estão perdidos e em busca de algo que lhes dê um sentido para viver. Mas só o amor verdadeiro pode aplacar todas as ânsias de felicidade e de eternidade do coração humano. Para encontra-lo, é preciso que aqueles que detêm autoridade saibam orientar, mas é fundamental que todos nós saibamos obedecer, livremente e por amor.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Fortes do bem

“Meu filho é bom, o problema dele são as más companhias...”. Muitos de nós talvez já tenhamos ouvido esse desabafo de pais e mães cujos filhos começam a enveredar por maus caminhos: drogas, alcoolismo, delinquência juvenil etc.
Durante a adolescência as amizades exercem uma influência muito importante. Nessa idade elas e eles se predispõem a fazer o que for necessário para ser aceitos e estimados pelos demais. Assim, se há bons amigos, que cultuam os mesmos valores da família, não haverá grandes problemas na educação. Porém, se o grupo tende para desvios de comportamento, os pais enfrentarão sérias dificuldades na formação dos filhos.
Apesar das amizades serem muito importantes para um saudável desenvolvimento dos filhos, os pais normalmente se sentem impotentes nesse assunto. Isso porque não está ao seu alcance escolher as amigas e os amigos. Sendo assim, como podem agir nesse assunto tão importante?
Na educação um grande desafio é chegar antes, ou melhor, agir preventivamente. Assim, muito antes de se chegar à adolescência, os pais devem se ocupar de formar nas virtudes. Essas podem ser definidas como hábitos bons já arraigados na pessoa, que se através de um esforço reiterado por se praticar atos bons.
Assim, se nos empenhamos para que nossas filhas e filhos adquiram as virtudes adequadas para cada idade, isso os ajudará no momento de escolher suas amizades. Por exemplo, se os treinamos na fortaleza e na sobriedade será muito mais fácil resistir a um ambiente que pressiona para o consumo de álcool, de droga ou ainda para a prática de relações sexuais precocemente e de maneira irresponsável.
Mas isso não basta. Chegada a adolescência, se não se cultivar bons amigos, todo o esforço educativo empreendido até então pelos pais pode se perder em pouco tempo. Por isso, convém estar atentos.
Uma boa iniciativa é manter a casa sempre aberta aos amigos. Deve se fazer um esforço para que as filhas e os filhos tragam as amigas e amigos para casa. E para isso não é necessário que os pais relaxem e os deixem fazer o que bem entendem. O que é preciso é manter um ambiente alegre e acolhedor. É claro que isso dá trabalho, mas é muito eficaz, pois então se poderá orientar, com delicadeza e respeito sobre os bons e maus amigos.
Outro aspecto importante é conhecer os pais das amigas e dos amigos. Se possível, fomentando um convívio de amizade também com eles. Uma vez um jovem que se enveredou para o mundo das drogas fazia exatamente essa crítica aos seus pais. Dizia ele que era muito unido com os “amigos” do vício, ao passo que os pais sequer se falavam entre si. E, diante desse cenário, lançava a seguinte crítica: “porque fostes fracos no bem é que fomos fortes no mal”.
Penso que essa frase deixa uma grande dica para os pais. Não se trata de formar uma espécie de “liga de pais” para os vigiar. Até porque um grande dom que as nossas filhas e os nossos filhos têm é a liberdade, de modo que somente poderão ser mulheres e homens responsáveis e felizes se o quiserem sê-lo livremente.
No entanto, é necessário que elas e eles se sintam inseridos num contexto de cuidado, de modo que percebam que são verdadeiramente importantes. Assim, se há sintonia entre família e colégio, bem como se os pais se unem por laços fraternos que os movam a lutar juntos por seus filhos, é muito pouco provável que ainda assim se enveredem por maus caminhos.

Vivemos num mundo em que as relações humanas empobreceram bastante. A visita aos amigos e parentes foi substituída pelos relacionamentos virtuais. No entanto, isso não é um fenômeno irreversível. Ainda podemos criar e fomentar boas amizades. E, nesse sentido, um grande desafio será ser amigos dos nossos filhos, amigos dos amigos dos nossos filhos e amigos dos pais dos amigos dos nossos filhos. Com isso, além de darmos um tom muito mais humano às nossas próprias vidas, agiremos de maneira muito mais eficaz na sua educação.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Juiz e a Opinião Pública

As atenções estão voltadas ao Supremo Tribunal Federal, todos ansiosos por conhecer o resultado do “caso do Mensalão”. E, conforme vão sendo conhecidos os resultados, com alguns réus já condenados, tem-se visto efusivos elogios na mídia, o que até pouco tempo era incomum em relação ao nosso Poder Judiciário. Nesse contexto, penso que seria oportuna a seguinte indagação: a magistrada ou o magistrado, no ato de julgar, deve estar atento à opinião pública?
Um primeiro aspecto importante da questão é considerar que o juiz não é um ser neutro. A imparcialidade, que é um requisito fundamental para bem julgar, é muito diferente de neutralidade. Antes de ser uma magistrada ou um magistrado, são mulheres e homens, que nasceram num certo momento histórico, que foram educados num determinado contexto familiar e social, que tiveram uma específica formação humana e acadêmica, que têm uma concepção filosófica e cultural, que professam (ou não) uma fé religiosa, enfim, que possuem uma concepção de vida etc.
Além disso, há alguns caracteres inatos que também influem na formação da sua personalidade. E tudo isso reflete no ato de julgar. Não é possível que se faça uma abstração no momento de proferir uma decisão. É evidente que no ato de decidir, a juíza ou o juiz deve analisar os fatos com o máximo de imparcialidade que lhe for possível, considerando os argumentos de ambas as partes, e aplicar a Lei do País que ela ou ele jurou cumprir ao ser empossado no cargo. Mas são olhos humanos que se debruçam sobre os fatos e analisam a norma a ser aplicada. E é inevitável que ambos (Lei e fatos) passem pelo intelecto (e por que não dizer também pelo coração) de um ser humano incumbido de proferir a decisão.
Nesse sentido, a juíza e o juiz, como cidadãos que vivem em sociedade, também são sensíveis ao clamor popular que brada contra a impunidade. Com profundo respeito aos juristas que pensam diferente, acredito que os gritos de um povo que pede justiça está a exigir das magistradas e dos magistrados do nosso País uma postura mais ativa na busca das provas. Também, quando a situação assim o exigir, um maior rigor da aplicação da pena. Qual o fundamento da cultura da pena mínima nas sentenças criminais? Não seria certa desídia na fundamentação de uma reprimenda mais severa?
Mas há um ponto em que não se haveria de ceder jamais, ainda que diante de clamores contra a impunidade. Refiro-me a uma criteriosa e serena análise da prova. Nada justifica o risco de se condenar um inocente. Nesse ponto, lembro-me sempre do exemplo dado em aula pelo saudoso professor de Direito Processual Penal, Sérgio Pitombo: “Num recipiente há cem biscoitos, mas apenas um deles contém um veneno mortal. Alguém em sã consciência se atreveria provar?”.
Mas ainda não tocamos no cerne da questão a que nos propomos. A indagação que formulamos foi no sentido de se a magistrada ou o magistrado deve ouvir a opinião pública no ato de julgar um caso específico. Ou seja, deve deixar que o clamor popular influa na condenação ou na absolvição? Sempre que me faço essa indagação, vem-me à mente um dos julgamentos mais famosos da história da humanidade. Refiro-me àquele em que um juiz fraco, cuja consciência apontava para absolver o acusado, temendo a reação de uma multidão que bradava “crucifica-O, crucifica-O”, colocou o desejo de se manter no cargo ou de ser popular acima dos ditames da sua consciência. Com isso, acabou por cometer uma terrível injustiça.

Num momento em que a TV Justiça passa a transmitir ao vivo as decisões do nosso Supremo Tribunal Federal, bem como que os julgamentos estão cada vez mais sob os holofotes da imprensa, penso que as nossas juízas e os nossos juízes deveriam meditar mais profundamente sobre o assunto. Com efeito, ainda que milhões de olhares aguardem pelo que sairá da pena da nossa caneta, ou das teclas do nosso computador, naquele sublime momento deveríamos ter em mente (e no coração) apenas a Lei e a nossa consciência.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um sonho

Tudo parecia muito estranho e confuso. O pai saiu desnorteado rumo à escola do filho. O curioso é que o garoto não o acompanhava no banco ao lado do carro. Chegando ao colégio, viu uma grande corrente humana. Era formada por pais e professores que, de mãos dadas, formavam um enorme círculo que dava uma volta abraçando todo o prédio. Seus rostos eram apreensivos e, cabisbaixos, pareciam cada um fazer uma prece com insistente súplica.
E eis que de repente se fez ouvir vozes de jovens entoando uma canção, cujo volume crescente denunciava que se aproximavam. Após alguns segundos já se podia entender:
Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola...
Seus passos decididos, os brados fortes com que cantavam e os olhos fixos no porvir denunciavam que estavam muito resolutos a protestar com veemência contra algo, que talvez eles mesmos não soubessem o que fosse. Porém, ao ver seus pais e professores naquela postura o canto cessou e os seus passos se tornaram lentos e vacilantes.
Após uns minutos de silêncio o filho e o aluno passaram por sob os braços dos pais e professores, dirigiram-se ao pé do mastro da bandeira nacional e, em voz alta, começaram a falar em alta voz:
- Até que enfim resolveram se unir! Espero que não seja tarde! Bem se pode notar que precisam de ajuda... Sabe o que mais nos irrita? É vê-los tão medrosos! Por que têm medo de nós? Podemos sentir suas mãos trêmulas com a nossa aproximação, como se fôssemos umas feras que vocês não conseguem domar...
Depois de um breve olhar ao redor, como que querendo conhecer os ouvintes, prosseguiram:
- Sabem o motivo da nossa rebeldia? É que queríamos testar a profundidade e a consistência das suas convicções. Não queríamos que cedessem aos nossos caprichos. Pior, não queríamos tão vacilantes, tão adolescentes... Vocês não precisam imitar nossos trajes, nossa linguagem, nossa gíria para se aproximarem de nós. Queremos pais que sejam pais e professores que sejam professores. Só queríamos vê-los alegres e realizados. Como podem nos inspirar com caras feias, olhar cabisbaixo e ares de derrotados?!
Agora num tom mais sereno e penetrante, prosseguem:
- Em nome de um suposto respeito vocês querem nos ensinar que não há uma só verdade absoluta, que tudo depende do ponto de vista. “Tudo é tão relativo!”, discursam com frequência... Se tudo é relativo que razões absolutas nos mostram para sermos bons? E esse pudor que sentem ao falar de Deus! Também Deus é relativo e tem a cor e a forma que cada um queira Lhe dar? Por que não nos falam de sentido da vida, de amor, de vida eterna?!
Dito isso, entraram na escola. Os demais os acompanharam e tomaram seus lugares na sala de aula. Os professores nunca tiveram uma turma tão atenta. Aguardavam ansiosamente o que lhes diria. Após um suspiro, começou o mestre:
- Lembram-se de quando decidimos retirar o crucifixo aqui da sala? Vejam que suas marcas na pintura ainda permanecem na parede... As gerações que nos antecederam conviveram com os símbolos religiosos, porém, muitas vezes cederam à hipocrisia no relacionamento com Deus. Usavam o crucifixo, participavam de celebrações, deixavam a Bíblia exposta em locais visíveis, mas não viviam de maneira coerente com a sua fé. Nós, porém, em vez de combatermos a hipocrisia, tiramos Deus das suas vidas...
Todos olhavam com tristeza a parede vazia sobre a cabeça do mestre. É como se aquele vazio fosse reflexo do enorme vazio que cada um trazia em seu coração. Mas eis que uma luz se acendeu onde estava o Crucificado. E os que queriam, com um aceno, uma parte daquela luz se desprendia da parede e vinha brilhar o próprio peito. E, com ela, uma alegria inundava as pessoas e o ambiente.
Também os pais foram convidados a participar desse momento de júbilo. Entraram e viram o que havia perdido e que agora foi encontrado. Então selaram um pacto com os professores de não deixar apagar aquela luz, por amor a seus filhos, por respeito a seus alunos.

De repente soou o alarme. São 6:00 horas da manhã. Acordei confuso. E enquanto caminhava para o banheiro balbuciei: “Foi só um sonho!”.