segunda-feira, 25 de junho de 2012

Empregada doméstica

Outro dia resolvemos assistir um capítulo de uma telenovela, pois, como nos haviam contado, parecia ser interessante por retratar, de uma forma bem humorada, a vida das empregadas domésticas e os conflitos que surgem com suas patroas. Confesso que os poucos minutos que perdemos com isso não nos agradou. Ficou a impressão de que cada vez conseguem piorar um pouco nas baixarias. Além disso, como em casa não se formou o hábito de assistir esses programas, em pouco tempo o protesto foi geral para mudar de canal, felizmente... Apesar disso, penso que o tema merece a nossa reflexão.
Há quem sustente que essa profissão deverá desaparecer com o passar dos anos, pois essa força de trabalho seria absorvida pela produção industrial e prestação de serviços. Também o avanço tecnológico viria a dispensar essa atividade, substituindo-a por eletrodomésticos que facilitem as tarefas no lar. Além disso, – sustentam ainda – trata-se de um trabalho pouco digno, na medida em que se dedica simplesmente a proporcionar a outras pessoas maior comodidade e conforto em suas casas, o que não seria concebível num País com maior desenvolvimento social e diminuição das desigualdades.
Deixando de lado as previsões futuristas sobre a profissão, que não tenho condições de avaliar, discordo com veemência dos que sustentam ser esse trabalho menos digno. Todo trabalho honesto é digno e não faz o menor sentido “classificar” as pessoas pelo seu trabalho, como se umas ocupações fossem mais nobres que as outras.
A profissão de empregada doméstica não é em si indigna. Bem ao contrário, quando exercida com amor e tratada com respeito se insere dentre as mais nobres. Mas o que podemos fazer em casa e com os nossos filhos para que elas tenham o reconhecimento e a consideração que merecem?
Penso que a melhor maneira de estabelecer uma relação saudável com uma pessoa que convive em nossa casa, participando muito diretamente da nossa intimidade, é trata-la como um membro a mais da família. Isso não quer dizer que não se deve exigir delas que trabalhem com competência, dedicação e sentido de responsabilidade. Mas há que se cuidar muito da forma, tratando-as com esmerada educação e profundo respeito. E, sobretudo, exigir que os filhos façam o mesmo.
Além disso, devemos agir com extrema lealdade, pagando salários justos, que lhes permitam prover às despesas próprias e da família com dignidade, pagando pontualmente os encargos sociais e todos os direitos trabalhistas. Nesse campo, ser justo significa muitas vezes ir além do que determina a Lei.
Certa vez soube que a empregada de uma senhora idosa e viúva lhe propôs trabalhar também aos sábados, pois com isso a faria companhia e poderia ter uma renda extra, que lhe era essencial naquele momento. Em resposta a essa proposta, disse a boa patroa: “Olha, você tem marido e filhos que precisam muito de você no final de semana. Vou te dar o aumento de que precisa, mas o trabalho que teria comigo aos sábados, peço que os dedique a eles, com muito carinho”. Penso que isso é saber esmerar-se na justiça numa relação de trabalho franca e amistosa.
Certa vez presenciei uma cena que me ficou muito marcada e serve de lição sobre como reconhecer, na prática e não apenas em teoria, a imensa dignidade de cada pessoa. Aconteceu que a empregada, por descuido, quebrou um copo de cristal muito fino. A filha mais nova correu a contar ao pai a tragédia. Esse, porém, respondeu serenamente: “Filha, não tem problema algum. Estou certo de que foi sem querer. Porém, por favor, diga à Maria que embrulhe muito bem os cacos que restaram em papel de jornal, para não que não aconteça que, quando o lixeiro passar, o saco de lixo se romper e machuca-lo”.

Para aquele bom homem importa muito pouco o valor material do objeto, pois um valor infinitamente maior têm as pessoas que os cercam. Essas sim dotadas de uma imensa dignidade que emana da sua condição de filhas e de filhos de Deus.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Festas juninas

Num dia desses, assisti a uma quadrilha numa festa junina. Não sei o que se passa com o leitor, mas a mim muito me impressiona a extrema simplicidade da dança, tanto que qualquer um pode dançar. Mas, ao mesmo tempo, como é alegre! Aquele que comanda diz: “olha chuva!” e as pessoas, com um “uh!”, mudam o rumo e seguem o caminho contrário... “É mentira!”, “ah!” e tornam a mudar o rumo. É tão simples e alegre, que dá para nos perguntarmos como que pode se manter tal tradição nos dias de hoje.
A dança da quadrilha é muito simples. Exatamente por isso contrasta com o estilo de vida de muitas pessoas de nosso tempo, em que há uma excessiva e desnecessária complicação. E esse complicar-se pode ocorrer de vários modos. O mais freqüente deles é querer parecer ser o que não se é, ou ainda ter um afã desordenado de que os outros façam de si próprio um conceito favorável. Não há nada de errado em desejar ter uma boa reputação e de ser estimado pelos demais. No entanto, algumas pessoas fazem disso uma obsessão e se perdem em infindáveis considerações: “o que é que vão pensar de mim?”, “como me devo portar naquela ocasião para que não pensem que...”. Enfim, vivem preocupadas com o que os outros irão pensar e, ao contrário, não se ocupam de verdade em ser melhores, mas apenas em parecer que o são.
O outro ingrediente da dança é a alegria. E como contrasta com o azedume de muitas pessoas de nosso tempo! Se quisermos ter um retrato disso, contemplemos como se comportam, por exemplo, muitos profissionais dos meios de comunicação. Com freqüência encontrarmos artigos ou comentários com um tom de críticas tão azedas que, ao final, ficamos com uma sensação mais ou menos do tipo: “Puxa, acho que está tudo perdido mesmo!”. Porém, há que se perguntar: o que se ganha com isso? Ou, antes ainda, por quê?
As causas são muito variadas e não permitem uma análise superficial. Mas penso que tem uma forte influência a formação que está sendo dada às nossas crianças. É necessário que os educadores, em especial os pais e os professores, estejam aptos a dar uma formação completa aos filhos e alunos. E quando se diz em completa, devemos nos atentar para os grandes questionamentos que precisam ser respondidos: por que estou aqui? O que devo fazer para encontrar a felicidade? Quem irá me ensinar esse caminho?
É que a tristeza e as complicações somente entram nas pessoas se encontrarem um espaço livre para elas, espaço esse que poderia ser preenchido por bons momentos em suas vidas, tal como a quadrilha é antecedida por saborosos pés-de-moleque.
É preciso que se fomente na escola um ambiente sadio, propenso a que cada um seja recebido e estimado como é, sem a necessidade de parecer ser algo para ser recebido. Ao mesmo tempo, evidentemente, os profissionais da educação (professores, coordenadores, diretores etc.) devem estar aptos a fomentar nos alunos o crescimento nos valores humanos.
E algo semelhante, e talvez com maior intensidade, há de ser feito em casa. Conheço algumas famílias em que o programa noturno não se limita à televisão. Reúnem-se após o jantar para contar coisas divertidas, relatar fatos interessantes e agradáveis do dia de cada um, por vezes esboçam um pequeno teatro. Enfim, vivem-se bons momentos juntos. Assim, formam-se pessoas simples e alegres, ainda que também extremamente fortes para enfrentar as agruras da vida.

A quem observa a quadrilha de fora parece algo inútil e sem sentido: ora vão para um lado, ora para o outro, e gritam e riem feito uns bobos... Mas quem a olha de dentro, não a vê como algo sem sentido. Ao contrário, os atores entram por um lado, seguem, voltam, avançam, retrocedem, acertam, erram e, ao final, saem por outro local. Trata-se de uma passagem rápida, é verdade, não dura mais que uns instantes. Mas souberam entrar sorrindo e se despedir felizes. E quem não gostaria que fosse assim a sua passagem por esta vida: simples e alegre?

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Eternos namorados

Era uma manhã chuvosa e fria de junho. Ana Maria deixou a filha na Universidade e aproveitou para passar no supermercado. Enquanto retornava à casa veio à memória o anúncio de um comercial que acabara de ler: “para os eternos namorados...” e seguia a frase que sugeria o consumo de um determinado produto. “Muitas vezes ouvi essa frase”, pensou ela consigo, “mas nunca parei para pensar no seu sentido. O que quer dizer ser namorada de alguém para sempre?”.
Subitamente veio a recordação dos tempos de seu namoro. Naquela época era impressionante o esforço que o José Carlos fazia para estar com ela. Embora fossem da mesma cidade, ele cursava engenharia numa cidade distante. Apesar disso, encontravam-se quase todos os finais de semana. E isso sem contar os longos telefonemas que tiravam seu pai do sério quando chegavam as contas...
Agora estão casados há trinta e cinco anos. O filho mais velho já se casou e aguarda ansioso o primeiro filho. Ela própria anda um pouco insegura sobre como exercer o papel de avó. O filho do meio arrumou um trabalho no exterior e partiu há seis meses. Resta apenas a Rita, a caçula, que se forma no final do ano, de modo que Ana Maria já é assolada pelo medo da síndrome do ninho vazio.
“Mas o que há no namoro que se perde no casamento a ponto de nos desejarem, com certa nostalgia, que sejamos eternamente namorados?”, voltou ela às suas considerações. “Será o casamento uma espécie de veneno que mata o amor a ponto de nos desejarem a todo instante que sejamos apenas ... namorados?”.
Vez por outra Ana Maria tinha esses “surtos filosóficos” que a move a buscar os porquês das coisas. Dessa vez o tema é mais intrigante, pois toca diretamente em suas escolhas e decisões. E eis que vem, então, aquela cruel indagação: “sou feliz no meu casamento?”.
“É claro que sou”, respondeu ela sem hesitar. E, com o sentido prático que lhe é peculiar, passou a ponderar as vantagens do namoro e do casamento. “De fato, na época do namoro ele era mais gentil, interessava-se mais por mim, esforçava-se por dizer coisas que me agradavam, reparava de verdade em mim e frequentemente me dizia que estava bonita”.
“Depois que nos casamos”, prosseguiu ela em suas comparações, “de certo modo entrou a rotina em nossas vidas. O nosso amor passou por muitas provas. Os nossos filhos nos uniram, mas também trouxeram dificuldades na educação, que por vezes acentuaram nossas divergências. Também tivemos os problemas profissionais, as dificuldades econômicas... Mas há, também, uma vantagem na minha vida de agora. Quando namorávamos, considerava que o nosso relacionamento poderia se romper a qualquer momento. Mas se há uma coisa que aprendi a admirar nele é que é um homem suficientemente honesto para honrar os compromissos que assume, de modo que nós nunca tivermos a menor dúvida de que uníamos nossas vidas para sempre”.
Como resultado dessas elucubrações matinais, Ana Maria pensa ter encontrado a causa do insucesso de muitos relacionamentos: “Por um lado, não se pensa em agradar o outro, mas apenas que o outro seja instrumento de prazer para si. E, por outro lado, perde-se o sentido de compromisso que é fundamental nessa relação. É verdadeiramente possível manter, após o casamento, a parte boa do namoro que é a alegria de compartilhar as vidas, o afã de se sacrificar pelo outro. Mas há que se acrescentar outro ingrediente que é o compromisso. Assim, não se trata de uma relação edificada na instabilidade de um sentimento, mas na fortaleza de uma vontade que sabe amar e querer amar cada dia mais e melhor”.

Mal terminava essas considerações, tocou a campainha da casa. Era um entregador que trazia um exuberante e belo buquê de rosas. Ainda que não fosse muito emotiva, não conseguiu conter as lágrimas ao ler o cartão: “EU, JOSÉ CARLOS, TE RECEBO ANA MARIA, COMO MINHA ESPOSA, E TE PROMETO SER FIEL, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA, NA SAÚDE E NA DOENÇA, AMANDO-TE E TE RESPEITANDO POR TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA. Eu te amo 350 vezes mais do que te amava há 35 anos, quando proferi essas palavras! Feliz dia dos namorados! José Carlos”.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bullying: o outro lado do problema

Há aproximadamente dois anos manifestamos, nesta coluna, a preocupação com o aumento das agressões físicas ou verbais recorrentes nas escolas. Naquela oportunidade abordamos o problema do bullying sob a ótica do agressor. E sustentamos que a sua agressividade e reiterada falta de respeito com pode ter como causa uma baixa autoestima, ou mesmo um contexto familiar e social hostil, que os leva a descarregar nos mais fracos as próprias desventuras e frustrações.
Também apontamos, como possíveis soluções, que se fomente a autoestima e, a partir daí, o respeito pelo semelhante. No entanto, pode ocorrer que apesar de se criar um ambiente acolhedor e respeitoso, ainda assim alguns s insistam nessa prática perniciosa ao convívio social. Nesse caso, se haverá de ministrar um remédio amargo, mas muitas vezes eficaz, que é a punição.
No entanto, hoje gostaria de analisar o problema sob o enfoque da vítima do bullying. Não há como traçar um perfil completo dessa. Mas há alguns fatores que deixam os garotos ou as meninas mais vulneráveis. E um deles é a debilidade – não propriamente física – que os impedem de se impor e exigir o respeito que devido em cada situação. E talvez as características e os hábitos da família moderna fomentem isso. Vejamos.
Nas famílias numerosas de outrora os filhos eram como que treinados naturalmente a se fortalecerem no convívio social. Com efeito, desde cedo tinham de aprender a disputar um brinquedo, um lugar na mesa ou na sala. Sofriam pressão dos irmãos, ao mesmo tempo em que a faziam. Com isso, o próprio lar era um aprendizado constante de como se impor perante os demais e exigir o respeito que lhe é devido.
Atualmente, são muito frequentes as famílias de filhos únicos. E, como não tem com quem brincar, o computador passa a ser o “irmãozinho”. No entanto, o computador é extremamente dócil, não contraria os gostos pessoais, está sempre disponível para que se faça dele o que quiser, não faz pressão, não disputa, enfim, não impõe resistência alguma. Acontece que a criança assim formada estará muito pouco preparada para o convívio social.
E se, além disso, essa criança ou esse adolescente tiver a desgraça de ter pais superprotetores, então a situação será ainda mais grave. Isso porque essa atitude do pai ou da mãe anula os mecanismos de defesa, de modo que o único recurso passa a ser gritar por um deles diante da menor ameaça. No entanto, isso nem sempre será possível em suas vidas.
A propósito, permita-me o leitor fazer um parêntesis para dizer que um dia gostaria de ver uma tese científica que analise o aumento das demandas judiciais na proporção da educação ministrada. É que pouco se estimula os jovens e as crianças, seja no ambiente familiar seja no escolar, a resolverem por si sós os atritos. Fomenta-se que diante do menor desentendimento a questão seja levada ao professor, à direção ou aos pais.
Com isso, promove-se apenas a heterocomposição, que consiste em recorrer a um terceiro para solucionar um problema, em detrimento da autocomposição, que é aquela que os próprios interessados buscam uma solução. Deixo, então, a pergunta: essas pessoas assim educadas, quando atingirem a fase adulta e não tiverem mais os pais e professores para solucionar os seus conflitos, como os resolverão? Buscarão a solução por meio de demandas judiciais?

O bullying é um problema complexo, que não comporta análise simplista, nem há soluções mágicas. Mas um meio bem eficiente para combatê-lo é formar filhos e alunos suficientemente fortes para enfrentar esse e outros desafios que o mundo lhes trará. Não nos referimos, evidentemente, a uma força física capaz de “dar o troco” às agressões. A violência nunca é o melhor caminho. Trata-se de transmitir aos nossos filhos e alunos um sentido profundo e verdadeiro para as suas vidas. Isso lhes dará a segurança e a fortaleza para se portarem em cada ambiente com o destemor de quem sabe de onde vem e para onde vai. E esse senhorio de si é precisamente o que mais afugenta a atitude covarde e insana dos agressores.