segunda-feira, 23 de julho de 2012

Como se fala?

Durante uma refeição pedi a minha filha, de seis anos, que me passasse uma travessa, ao que ela me corrigiu prontamente: “como se fala?”. De fato, esqueci-me de dizer-lhe “por favor”. Esse episódio, aparentemente sem importância, talvez nos remeta a considerar a qualidade dos nossos diálogos.
Entre os jovens e adolescentes predomina uma maneira de se comunicar que choca muitos adultos. As mensagens de celular e as conversas pela INTERNET são um verdadeiro assassinato da língua portuguesa. E, mesmo pessoalmente, dão a algumas palavras um significado bem peculiar, diferente do sentido tradicional. Tanto assim que o adjetivo “suave” significa bom, ótimo, ou algo semelhante. “Demorou” quer dizer concordo, combinado etc. Mas haverá algo de inconveniente nesse fenômeno?
Não pretendo analisar a questão sob o aspecto puramente linguístico. Os especialistas no assunto bem o sabem que a língua é dinâmica. A mudança na forma de se comunicar, ao menos sob o enfoque do comportamento humano, interessa-nos na medida em que reflete o que as pessoas que se comunicam trazem em seu interior. Afinal, a boca fala do que está no coração. Assim, valores como a reverência à autoridade legítima, o respeito ao próximo e a amizade verdadeira se tornam manifestos pela maneira de se comunicar.
Não raras vezes, em audiência, usando a toga de magistrado, deparo com jovens que se dirigem ao juiz como “você”. Não é possível caracterizar isso, de plano, como uma falta de respeito. Pode ser que o rapaz conviva em ambientes em que o pronome de tratamento “senhor” é exclusivo das pessoas idosas, de modo que usá-lo fora desse contexto seria chamar o seu interlocutor de velho, como se isso fosse depreciativo... No entanto, essa mesma atitude, não raras vezes, denota mesmo uma clara irreverência, uma atitude interior de falta de consideração com todo tipo de autoridade.
Talvez muitos de nós já tenhamos assistido a algum desses programas de auditório em que alguma atriz recebe como referência elogiosa frases do tipo: “a irreverência de Fulana de Tal”, como se isso fosse uma virtude. Ainda que sutil, trata-se de uma inversão de valores. A reverência e o tratamento cortês e respeitoso é que são qualidades e não o contrário. Nesse contexto, é um grande desfio do educador, em especial os pais e professores, formar nos filhos e alunos uma postura respeitosa diante de toda autoridade legítima, a começar por eles próprios (mestres e genitores).
Nesse assunto, convém não esquecermos um desvirtuamento que estaria no extremo oposto. Refiro-me àqueles diálogos aparentemente respeitosos, entre as mulheres com uso e abuso dos diminutivos; entre os homens, carregados de referências elogiosas, que não refletem o que se passa no interior de quem diz. São frutos da hipocrisia, ditados pelo puro interesse. Nesse cenário, também muitas vezes presenciado por nossos filhos e alunos, convém ensinar-lhes a viver a sinceridade, de maneira que o modo de falar seja, tanto quanto possível, “sim” quando for “sim” e “não” quando for “não”. Não se trata de estimular a grosseria, mas a veracidade, sem rodeios nem falsidades.

Outro dia tomei um ônibus urbano em Campinas. Era uma manhã fria. Logo que o motorista acelerou, sentia-se um vento cortante que penetrava por uma janela aberta. Um homem, que aparentava um sessenta anos, levantou-se e perguntou a uma mulher sentada no banco de traz: “A senhora se incomoda que eu feche a janela?”. Ela ficou surpresa com a delicadeza, um tanto incomum naquela situação, mas logo concordou com o pedido. Atitudes como essa fomentam um bom ambiente. E, como o bem é difusivo, animam os outros a fazer o mesmo. Imbuídos desse mesmo espírito, convém que nos questionemos, vez por outra, sobre como têm sido os nossos diálogos, sobretudo na família e com aqueles que nos são mais próximos. 

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