segunda-feira, 7 de maio de 2012

Abandono afetivo

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito à indenização de uma filha em relação ao seu pai por abandono afetivo. Trata-se de uma decisão histórica que merece especial atenção, especialmente pelos rumos que podem estar tomando as relações familiares em nossa sociedade.
Todo filho tem o direito natural de ser cuidado e educado por seus pais. Com efeito, a paternidade não se encerra no ato de gerar. Assim como o pai coopera no ato de dar a vida a um novo ser, incumbe-lhe, com absoluta prioridade, o dever de cuidar e educar a prole.
Além disso, todo ser humano foi concebido para nascer, desenvolver-se e morrer no seio de uma família. A família é como que o habitat natural do homem e da mulher. Nesse sentido, o cuidado e a educação dos filhos devem ser proporcionados no convívio diário, em grande parte no seio do próprio lar.
Quem já teve a fantástica experiência de exercer a paternidade sabe que todos os momentos e circunstâncias da vida familiar são oportunidades educativas. Os filhos aprendem muito mais com o exemplo do que com os que os pais os lhes dizem. Além disso, é na convivência diária que se pode desenvolver o espírito de observação de modo a orientar, aconselhar, corrigir e estimular os nossos filhos.
Atento a esses dados, que tocam na própria natureza do ser humano, convém agora nos debruçarmos sobre o alcance que poderá ter a recente decisão, como também de outras que a poderão suceder a partir desse precedente.
Justiça não é simplesmente o resultado que se espera de uma decisão judicial. De fato, convém que essas sejam, acima de tudo, justas. Porém, muito mais que isso, justiça é uma virtude humana, que nos move a dar a cada um o que lhe é devido. Nesse sentido, é justo o pai que se desdobra para cuidar e educar os filhos todos os dias. O pagamento de uma indenização por danos morais é, portanto, um paliativo, uma punição que se impõe aos pais negligentes no respeito aos direitos dos filhos, e não o cumprimento de um preceito de justiça.
Nesse momento, cabe-nos, portanto, indagar: será necessário, doravante, impor punições aos pais que negligenciam no cuidado e educação dos filhos?
Lembro-me de um bom professor que tive nos primeiros anos da Faculdade de Direito. Numa aula ele se empenhava em traçar as diferenças entre o direito e as meras regras de convivência social. E dizia que essas, por vezes, podem se converter em normas jurídicas. E deu o seguinte exemplo: antigamente, quando uma pessoa idosa adentrava no bonde, imediatamente alguém lhe cedia o lugar. Com o tempo, tornou-se necessário editar normas, reservando assentos para essas pessoas nos meios de transporte públicos, pois não mais era possível contar apenas com a cortesia dos mais jovens.
Há quem diga que a recente decisão do STJ permite traçar um paralelo com a situação do respeito ao idoso. Ou seja, que antigamente os pais zelavam para criação e educação dos filhos independentemente do risco de uma condenação judicial; no momento atual, porém, faz-se necessária a possibilidade da punição. Não creio que a comparação seja de todo justa. Afinal, sempre existiram pais negligentes.
Comparações a parte, penso que a decisão representa um avanço, na medida em que os genitores relapsos estarão sujeitos a uma punição eficaz. Afinal, o dever de indenizar toca numa parte muito sensível do ser humano: o bolso.

Chegado nesse ponto, confesso ao leitor estava dando voltas sobre o assunto, sem saber como concluir. Foi então tive de acudir ao choro de nosso filho recém-nascido, com as naturais cólicas da idade. Após um tempo de colo, já com a barriguinha aquecida, ele se acalmou se rendeu ao sono... Que fantástica a imagem daquele rostinho sereno completamente abandonado em nossos braços!.. Diante disso, ocorreu-me apenas deixar registrada uma terrível dúvida: haverá dinheiro no mundo que possa compensar a ausência desse momento?

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