segunda-feira, 19 de março de 2012

O aborto na proposta de alteração do Código Penal

Está em discussão uma proposta de alteração do Código Penal brasileiro que prevê, no capítulo dos crimes contra a vida, modificações que merecem profunda reflexão.
Dentre elas, propõe-se a modificação do artigo 128 do Código Penal, que trata do aborto. Se aprovada, algumas condutas deixarão de ser crime, e não mera exclusão da punibilidade, como prevê o texto atual. Além disso, ampliam-se as situações de descriminalização. E o inciso IV desse artigo consagra que não constitui crime o aborto praticado “por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”.
Muito se tem dito que o aborto não pode ser tratado como uma questão jurídica e nem ética, mas que é, sobretudo, uma “questão de saúde pública”. Em prol desse argumento, sustenta-se que o Estado tem sido omisso, pois da ausência de regulamentação acarreta a realização de procedimentos em clínicas clandestinas, resultando em alta taxa de morbidade materna.
Com profundo respeito aos que pensam diferente, tenho que o argumento é uma tentativa de desviar a questão do foco principal. O questionamento fundamental é: há ou não direito à vida desde a concepção? O embrião é ou não um ser humano? É que a partir da resposta a esses questionamentos poderemos enfrentar os inúmeros aspectos do problema.
Se temos um ser humano desde o momento da fecundação, então poderemos enfrentar com justiça o problema das mães que perdem a vida em clínicas clandestinas ou em condições precárias. E o faremos implementando políticas públicas de combate implacável a essas entidades criminosas. Mas isso não basta. É necessário, também, fomentar as instituições que promovam a maternidade, acolhendo, orientando e apoiando as mães para o exercício da missão mais sublime que lhe cabe.
Da forma em que redigida a lei, penso que chega a ser degradante para a própria mulher. Isso porque ao se atestar que uma grávida não “tem condições psicológicas de exercer a maternidade” é uma maneira eufemística de dizer que não é uma mulher, no pleno sentido da palavra.
Além de falacioso, o argumento em prol do chamado “aborto seguro” é perigoso. Se há de liberar o aborto porque algumas mães morrem praticando-o em condições precárias, deveríamos liberar também o roubo, pois muitos assaltantes também perdem a vida tentando se apropriar do patrimônio alheio. Ou deveríamos descriminalizar essa conduta apenas quando um médico atestasse que determinada pessoa “não tem condições psicológicas de exercer outro trabalho”?
Ainda que não concorde com a alteração legislativa proposta, pois representa um retrocesso legislativo na tutela do direito à vida, há de se reconhecer que ao menos se busca a via adequada: o Poder Legislativo. É que, lamentavelmente, não poucas têm sido as iniciativas que procuram que Judiciário legisle nessa matéria. E como a batalha semântica travada pela cultura da morte é muito bem articulada, por vezes nós, juízes, acabamos cedendo às pressões do “politicamente correto”. E então vamos repetindo em nossas decisões chavões do tipo “o aborto é questão de saúde pública”, “a mãe ao invés de preparar um enxoval compra um caixãozinho” e outras muitas do mesmo jaez. Com isso, deixa-se de ponderar a fundo a questão, ou, pior ainda, acabamos por trair a própria consciência no ato de julgar!
Conta a biografia de Thomas More que enquanto caminhava pelo Tower Hill, prestes a ser decapitado, uma mulher o recriminou porque, quando Juiz, proferiu uma decisão que lhe era desfavorável. Mas aquele grande homem respondeu serenamente: “Lembro-me bem do seu caso. Se tivesse que dar a sentença de novo, seria exatamente a mesma”.

Thomas More preferiu a morte a contrariar a sua consciência. Que seu exemplo brilhe a todos nós, juízes, para jamais nos deixarmos levar pelo receio do que pensarão ou dirão de nós. Que saibamos utilizar no ato de decidir apenas os instrumentos essenciais: a Lei e a nossa consciência. E que os nossos parlamentares façam o mesmo ao editarem as leis, especialmente aquelas relacionadas com o direito mais elementar previsto na nossa Constituição: a vida.

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