Está em discussão uma proposta de alteração do Código
Penal brasileiro que prevê, no capítulo dos crimes contra a vida, modificações
que merecem profunda reflexão.
Dentre elas, propõe-se a modificação do artigo 128 do
Código Penal, que trata do aborto. Se aprovada, algumas condutas deixarão de
ser crime, e não mera exclusão da punibilidade, como prevê o texto atual. Além
disso, ampliam-se as situações de descriminalização. E o inciso IV desse artigo
consagra que não constitui crime o aborto praticado “por vontade da gestante
até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não
apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”.
Muito se tem dito que o aborto não pode ser tratado
como uma questão jurídica e nem ética, mas que é, sobretudo, uma “questão de
saúde pública”. Em prol desse argumento, sustenta-se que o Estado tem sido
omisso, pois da ausência de regulamentação acarreta a realização de
procedimentos em clínicas clandestinas, resultando em alta taxa de morbidade
materna.
Com profundo respeito aos que pensam diferente, tenho
que o argumento é uma tentativa de desviar a questão do foco principal. O
questionamento fundamental é: há ou não direito à vida desde a concepção? O embrião
é ou não um ser humano? É que a partir da resposta a esses questionamentos
poderemos enfrentar os inúmeros aspectos do problema.
Se temos um ser humano desde o momento da fecundação,
então poderemos enfrentar com justiça o problema das mães que perdem a vida em
clínicas clandestinas ou em condições precárias. E o faremos implementando
políticas públicas de combate implacável a essas entidades criminosas. Mas isso
não basta. É necessário, também, fomentar as instituições que promovam a
maternidade, acolhendo, orientando e apoiando as mães para o exercício da
missão mais sublime que lhe cabe.
Da forma em que redigida a lei, penso que chega a ser
degradante para a própria mulher. Isso porque ao se atestar que uma grávida não
“tem condições psicológicas de exercer a maternidade” é uma maneira eufemística
de dizer que não é uma mulher, no pleno sentido da palavra.
Além de falacioso, o argumento em prol do chamado
“aborto seguro” é perigoso. Se há de liberar o aborto porque algumas mães morrem
praticando-o em condições precárias, deveríamos liberar também o roubo, pois
muitos assaltantes também perdem a vida tentando se apropriar do patrimônio
alheio. Ou deveríamos descriminalizar essa conduta apenas quando um médico
atestasse que determinada pessoa “não tem condições psicológicas de exercer
outro trabalho”?
Ainda que não concorde com a alteração legislativa
proposta, pois representa um retrocesso legislativo na tutela do direito à
vida, há de se reconhecer que ao menos se busca a via adequada: o Poder Legislativo.
É que, lamentavelmente, não poucas têm sido as iniciativas que procuram que
Judiciário legisle nessa matéria. E como a batalha semântica travada pela
cultura da morte é muito bem articulada, por vezes nós, juízes, acabamos
cedendo às pressões do “politicamente correto”. E então vamos repetindo em
nossas decisões chavões do tipo “o aborto é questão de saúde pública”, “a mãe
ao invés de preparar um enxoval compra um caixãozinho” e outras muitas do mesmo
jaez. Com isso, deixa-se de ponderar a fundo a questão, ou, pior ainda,
acabamos por trair a própria consciência no ato de julgar!
Conta a biografia de Thomas More que enquanto
caminhava pelo Tower Hill, prestes a
ser decapitado, uma mulher o recriminou porque, quando Juiz, proferiu uma decisão
que lhe era desfavorável. Mas aquele grande homem respondeu serenamente:
“Lembro-me bem do seu caso. Se tivesse que dar a sentença de novo, seria
exatamente a mesma”.
Thomas More preferiu a morte a contrariar a sua
consciência. Que seu exemplo brilhe a todos nós, juízes, para jamais nos
deixarmos levar pelo receio do que pensarão ou dirão de nós. Que saibamos
utilizar no ato de decidir apenas os instrumentos essenciais: a Lei e a nossa
consciência. E que os nossos parlamentares façam o mesmo ao editarem as leis,
especialmente aquelas relacionadas com o direito mais elementar previsto na
nossa Constituição: a vida.
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