segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Sede de sentido

Nesses dias festivos, também encontramos muitas pessoas melancólicas e chorosas com a recordação do esposo ou da esposa que já partiram, ou dos filhos que deixaram a casa dos pais. Além disso, com o passar dos anos, muitos dos nossos projetos ficam esquecidos e alguns dos nossos sonhos, que tínhamos por fundamentais para a nossa felicidade, agora se mostram inacessíveis.
Esses dias de final de ano são propícios para fazermos um balanço de nossas vidas, ao mesmo tempo em que formulamos propósitos para o próximo ano. Ao fazê-lo, porém, talvez sejamos surpreendidos por certa dúvida, acompanhada de uma dose de desalento: “será possível sermos felizes até o último dos nossos dias, apesar dos imensos dissabores e frustrações que a vida nos tem reservado?”.
Penso que muito ajudaria as pessoas de nosso tempo a dar um sentido às suas vidas se soubéssemos construir uma sociedade mais humana e fraterna, em que os idosos fossem de verdade acolhidos e amparados e onde as crianças recebessem o carinho e a atenção de seus pais.
No entanto, ainda que as condições externas influenciem, elas nunca são determinantes. O segredo da felicidade e da realização não está no modo de ser dos outros, nem nas condições do mundo que nos cerca, mas em cada um de nós. Se nos indagamos sobre os motivos que nos impedem de sermos felizes, talvez encontremos respostas do tipo: “se a minha esposa fosse mais...”, “se o meu marido se preocupasse com...”, “se os meus filhos...”, “se as pessoas em geral fossem mais...” etc.
Certa vez um amigo me relatou as adversidades por que passou em um só dia. Programou uma pescaria com os filhos, mas amanheceu chovendo. Mudou os planos e resolveram ir ao cinema, mas, no trajeto, o pneu furou. Após muito custo e ensopado pela chuva chegou ao destino, quando não mais havia ingressos disponíveis. E os contratempos não pararam por aí... Quando estava a ponto de explodir de nervos, como que por inspiração, veio-lhe a seguinte consideração: “quem é que deu às condições climáticas, ao pneu de um carro ou a um cinema o poder de definir o meu estado de humor?”. De fato, não está ao nosso alcance mudar o mundo ou as pessoas com quem convivemos, mas nos é bem acessível mudarmos a nós mesmos, as nossas reações diante disso tudo.
Isso não quer dizer que devamos ser indiferente aos demais. Bem ao contrário, muito podemos fazer para tornar-lhes mais amável a vida. O erro em que muitas vezes incorremos é colocar nos outros, em seu modo de ser e de agir, a responsabilidade por nossas próprias frustrações.
Mas essa luta constante por sermos pessoas melhores não basta para encontrarmos a felicidade a que tanto aspiramos. Há ainda algumas indagações existenciais que todo homem e toda mulher precisa responder sob pena de serem absorvidas por um imenso vazio interior: De onde vim? Para onde vou? O que estou fazendo aqui? Para que me foi dado esse dom maravilhoso da vida?
Há uma razão mais profunda que dá sentido a cada momento de nossas vidas. Trata-se da missão que recebemos para desempenhar nesse mundo, ou, para aqueles que têm fé, estamos falando da nossa vocação, do chamado que todos recebemos. Da fidelidade a essa missão ou do nosso sim a esse chamado é que depende, fundamentalmente, a nossa felicidade.
Para um homem e uma mulher casados isso estará muito relacionado com o cuidar do seu cônjuge. Para o pai e para mãe se traduzirá, também, no cuidado com a educação dos filhos. Faz parte dessa missão o trabalho profissional, as relações sociais etc. Mas, se analisarmos bem, de um modo ou de outro tudo isso passa. Pode-se perder o companheiro ou a companheira, os filhos saem de casa e tomam o seu rumo, um dia nos aposentamos de nosso trabalho, mudamos de profissão etc. E então o que fica?

Fica o caminho a seguir e a companhia do Amigo que nos chamou a caminhar. Ele mesmo caminha conosco, inundando-nos de alegria na esperança. Orienta os nossos passos com a luz da fé. E quando nos vem o desalento, faz-nos transbordar de júbilo ao considerar o Amor com que nos criou. E no fim desse caminhar, aguarda-nos com um abraço de um Pai que nos ama incondicionalmente e que precisamente por isso nos criou com um anseio de felicidade eterna que somente Ele pode aplacar.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Natal em família

Há quem diga, com uma forte dose de nostalgia, que a cada ano que passa os enfeites de Natal são mais escassos e sem vida. Talvez haja uma forte dose de saudosismo nessa afirmação. De qualquer modo, essa festa continua a ser ocasião de imensa alegria para as crianças. E talvez nos indaguemos por quê?
Penso que o principal motivo é que a crianças observam o presépio e veem ali refletido claramente o que se passa em seu interior. Os adultos, porém, não mais se espelham naquele acontecimento que, com o passar dos anos, se tornou incompreensível. Com efeito, a cena reflete simplicidade, solidariedade, paz, anseio de vida, tudo facilmente encontradiço nas crianças. Quase tudo, ao contrário, acaba ofuscado nos homens e mulheres que deixaram de ser como elas.
O nascimento do Menino ocorreu num ambiente de extrema simplicidade. Aquela gruta é magnificamente simples. Falta-lhe tudo, mas, se considerarmos bem, há uma alegria tão intensa que se pode pensar que não falta nada.
Soube de uma criança de família rica que ganhou um presente sofisticado e caro. Dias após, brincando sem muito interesse numa praça, travou logo amizade com outro garotinho, que trazia um caixote de madeira. Com pouco tempo de convívio e sem muita negociação, não hesitaram em trocar em definitivo os presentes. O “negócio desvantajoso” causou verdadeira comoção familiar: “que absurdo, trocar o brinquedo importado por um caixote de madeira!”.  Mas as crianças não pensam assim. São simples e exatamente por isso a simplicidade eloquente do presépio não lhes choca, ao contrário, alegram-se com isso.
Os personagens que contemplamos são solícitos uns com os outros. O esposo ocupa-se da esposa e ela cuida do marido e do menino que nasceu em um estábulo, junto com os animais. E desse desvelo de uns para com os outros brota um ambiente de terna serenidade.
As crianças veem no presépio três personagens extremamente solidários uns com os outros, e se alegram porque isso reflete o que elas são. Os que deixaram de ser crianças, porém, imersos em seu egoísmo, em um afã desordenado de riqueza, de “status”, de fama, de poder, não conseguem enxergar isso.
A cena reflete uma imensa paz. As crianças não se preocupam se haverá peru, se o vinho será suficiente... Nada disso lhes preocupa. Ao contrário, é Natal. Talvez se preocupem um pouco em como quebrar as castanhas, mas não hesitarão em deixar as cascas atrás da porta, agora usada como quebra-nozes.
O Menino que se contempla no presépio nasceu para viver. Elas, as crianças, também. Não se sabe se por uns instantes, ou por cem anos. Não importa, todos vêm com uma missão e querem alcançá-la.
Há pessoas que avançam nos anos e continuam sendo crianças. Há outras, porém, que com muitos ou poucos anos de vida estão velhos, carcomidos pela cultura da morte. Essas, se olhassem para Maria ainda grávida e soubessem que o menino viveria apenas 33 anos e que morreria de forma brutal, talvez a ela sugerissem: “não valerá a pena viver apenas esse tempo para depois ainda morrer numa cruz, vamos interromper de forma humanitária a gravidez e poupar a ambos de todo esse sofrimento”. São os mesmos velhos que agora sustentam que, por estar uma criança destinada a viver alguns minutos ou dias, a gravidez é inviável.
As crianças não pensam assim. Muito mais sábias, elas dão aos minutos sabor de eternidade. Sabem que o que vale é o minuto presente, sem se importarem com o anterior, que já passou, nem com o seguinte, que não sabemos se chegará para qualquer um de nós.

Talvez um bom propósito para sermos felizes neste Natal e sempre seja imitarmos a simplicidade e a alegria das crianças. Mas mais que isso, que nós, pais e mães, saibamos criar um ambiente de paz e serenidade. Que em nossa casa brote muito fortemente a luz e a alegria que inundava aquela gruta de Belém!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Preparando o Natal

Já estamos próximos de comemorar mais um Natal. É impressionante notar como frequentemente nos deixamos dominar por um intenso ativismo nesse tempo. Parece que buscamos freneticamente – e quase sempre em vão – terminar o ano sem nenhum problema por resolver. Mas será que a felicidade verdadeira consiste em viveremos numa situação ideal em que as coisas aconteçam exatamente como havíamos planejado?
Talvez nos ajude a encontrar um sentido mais profundo para as nossas vidas se meditarmos no verdadeiro significado do Natal. E podemos buscá-lo nesse reencontro com cada um daqueles personagens que contemplamos no presépio.
Comecemos por aquele grande homem que vemos muito próximo à Mãe e ao Menino. Reparemos no exemplo magnífico de José: atento, fiel, nobre e generoso. Sua função é cuidar da Esposa e do Filho. Que formosa passagem! Esse é verdadeiro espírito do Natal. José é o verdadeiro exemplo a ser imitado por nós, pais de família. Com que solicitude e carinho tratamos a nossa esposa? Interessamos por seus problemas, anseios e aspirações? Ou nos limitamos a nos derramar na poltrona, como o copo de cerveja ao lado, enquanto ela, aflita, prepara a festa? Dispensamos atenção aos filhos, incutindo neles o mesmo espírito, ou cuidamos que brinquem com os presentes que ganharam e não nos incomodem nesse dia de muita comida e bebida?
Nesse cenário, o nascimento é o acontecimento mais importante. Essa passagem é de todos conhecida, embora nem tanto imitada. “E aconteceu completarem-se os dias em que deveria dar à luz, e deu à luz o seu filho primogênito, e O enfaixou, e O reclinou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 6-7).
Reparemos na delicadeza da Mãe. Faltava-lhes tudo. O menino nasceu num curral, com o cheiro característico desse local. Mas, ao mesmo tempo, podemos vislumbrar a criatividade com que se converteu o lugar inóspito em algo acolhedor, com sabor e calor de lar. Maria é um convite perene às mulheres de todos os tempos para que reconheçam o seu papel de primazia na condução dos rumos da sociedade. Ouso repetir para que fique bem claro: muito mais que aos homens, a elas cabe traçar os rumos da humanidade. É que lhes cabe a função de criar nos lares um ambiente de paz, serenidade e alegria que tanto contribui para que os filhos desenvolvam as suas personalidades e, portanto, assim formados, construam um mundo melhor.
Em nosso tempo, observamos um incrível crescimento da participação da mulher nos mais diversos setores da sociedade: são presidentes de nações, magistradas, altas executivas, operárias etc. Desempenham papéis de relevo também fora do lar, onde já contribuem de maneira fantástica para o desenvolvimento social. Mas o local em que ocupam o cargo de diretora-presidente, com caráter vitalício e inamovível é no lar. E desempenhando trabalho externo, não podem nunca esquecer que somente ela pode dar à casa o doce sabor de lar, cuidando dos pequenos detalhes que tornam agradável o convívio familiar. E a nós, homens, nessa empresa, além de operários, encarregados de serviços diversos, o maior cargo que podemos almejar é o de consultor geral da diretora-presidente ou, para os muito ambiciosos, ministros da economia.

E eis que aparecem uns visitantes inesperados: os Magos. Esses sábios viajaram muitos dias para contemplar esse fato extraordinário. E levaram presentes muito caros para a época. Mas o maior presente que deram foi a si próprios. Sim, dar-se ao Menino e, por Ele, aos demais. Natal é tempo de reflexão e, por conseqüência, de propósitos. Qual foi nossa disposição e ação em benefício do próximo neste ano que se finda? Que faremos concretamente no vindouro? Que o afã das muitas ocupações diárias não ofusque o brilho da estrela que guiou esses sábios. E se ela por momentos se apagar, tal como fizeram eles, tenhamos persistência, vale a pena.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O alerta do IBGE

Os dados do último censo do IBGE revelam que a taxa de fecundidade no Brasil desabou de 2,38 filhos por mulher, em 2.000, para 1,86 em 2.010, ficando abaixo do índice de reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher. Os nossos números são inferiores aos de países como EUA e França! Outro dado digno de nota é a taxa geral de divórcio, que atingiu em 2010 o seu maior valor desde o início da série histórica das Estatísticas do Registro Civil, em 1984, o que representa um acréscimo de 36,8% no número de divórcios em relação a 2009.
Confesso que não gosto de analisar o ser humano pelo estreito ângulo de uma pesquisa estatística. É que cada homem e cada mulher são tão incrivelmente únicos e irrepetíveis que é impossível colocá-los em gráficos ou reduzi-los a números. Feita essa ressalva, porém, os resultados apontam para problemas evidentes que nossa sociedade enfrentará em breve.
Com a queda na taxa de fertilidade da mulher é evidente que teremos um enorme contingente de filhos únicos. Não pretendemos tecer críticas aos casais que fazem livremente essa opção. No entanto, sabemos que a ausência de irmãos impõe para os pais um trabalho muito maior de socialização dos filhos, na medida em que essa situação propicia o surgimento de pessoas mais egocêntricas, pois não tiveram em suas famílias outras pessoas com quem compartilhar o tempo, os bens, a atenção dos pais etc. Assim, um primeiro questionamento que devemos nos fazer é: estamos preparados para formarmos essas crianças para o convívio social? Como poderemos incutir nelas noções de generosidade e abertura aos outros?
Por outro lado, os economistas já preveem um verdadeiro colapso na previdência pública. Trata-se de um conceito elementar de qualquer regime previdenciário que as contribuições da população economicamente ativa sustentam as aposentadorias, auxílio-doença, auxílio-acidente etc. Num cenário em que a expectativa de vida aumenta e a natalidade diminui, qual será o valor que cada cidadão deverá contribuir para manter um sistema equilibrado?
Além disso, se juntarmos os dois ingredientes, quais sejam, redução da natalidade e formação de pessoas mais centradas em si, como serão atendidos os nossos idosos? É intuitivo que muitos não poderão ser cuidados pelos filhos, que terão as suas muitas ocupações e, muitas vezes, nenhum irmão com quem compartilhar essa tarefa. Para os que veem nos números oportunidades de negócio talvez já estejam prevendo que as “casas de repouso” serão um rentável empreendimento.
E nesse quadro já sombrio temos de carregar ainda mais com o crescente número de lares desfeitos. Não se trata de um dado irrelevante, uma simples característica do mundo moderno. O divórcio está para a família como a falência está para a empresa. Quando um empreendimento vem a quebrar, busca-se então a melhor forma de vender o acervo patrimonial que era empregado a alguma atividade produtiva para, com isso, pagar as dívidas contraídas, muitas vezes decorrentes de uma má gestão do empreendimento. Acontece que na família o “capital” investido somos nós mesmos, as nossas próprias vidas, do qual muitas vezes nos renderam “dividendos” de valor inestimável, que são os filhos. Não se trata, portanto, de simplesmente liquidar um patrimônio para saldar os débitos, mas de destruir um empreendimento no qual investimos a nós próprios e no qual os nossos filhos vieram ao mundo.
Ainda que alarmantes, que não devemos nos preocupar excessivamente com os números, mas com o que estamos construindo em nossa volta, em especial na nossa família. Há pouco tempo tive a satisfação de estar com um casal que ficou famoso na Espanha e na Europa por terem dezesseis filhos. Na verdade tiveram dezoito e perderam dois. Numa entrevista, alguém perguntou à esposa e mãe o motivo por terem uma família tão numerosa. Ela simplesmente deu um afetuoso beijo no rosto do marido e respondeu: “Porque eu amo esse homem. É uma alegria imensa trazer filhos ao mundo e educa-los com responsabilidade, pois sabemos que eles serão frutos desse amor que temos um pelo outro”. Assim, fiquemos tranquilos e serenos. Afinal, nem tudo se mede com os números.