segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Vida em comum

Em outras oportunidades tratamos, nesta coluna, de alguns aspectos que se deve considerar para superar das crises conjugais. O primeiro está relacionado com uma mudança de foco, ou seja, deixar de ver apenas os defeitos e limitações do outro para olharmos para nós mesmos e meditarmos em que medida temos de lutar para mudarmos. O segundo se refere à recuperação do apreço pelo cônjuge, frequentemente perdido com o desgaste do relacionamento conjugal. Hoje gostaria de acrescentar um ingrediente: a importância da vida em comum.
O artigo 1.511 do Código Civil brasileiro consagra que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. E, mais adiante, no ser artigo 1.566, proclama que são deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.
O casamento gera uma comunhão plena de vida. Isso não quer dizer que cada qual não mantenha a sua individualidade, mas haverá, necessariamente, uma interpenetração de suas vidas. Isso exige compartilhar muitos aspectos de suas existências.
Se pudéssemos imaginar graficamente o homem e a mulher como dois círculos, poderíamos traçar a situação ideal do casamento como duas circunferências que se interpenetram. Não seria correto que não houvesse nenhum ponto em comum, nem que todos os aspectos fossem comuns, ou, pior ainda, que um absorvesse por completo o outro.
O fenômeno das vidas paralelas, ou seja, com pouco ou quase nada em comum, faz definhar o amor conjugal. É que o casamento é uma doação, uma entrega que fazemos da nossa própria pessoa ao outro. Quando nos vamos distanciando do nosso cônjuge, é como se fôssemos retomando-nos para nós próprios de novo. É o que acontece quando o marido passa a ter as suas atividades completamente dissociadas da esposa, a tal ponto que sequer acredita ser necessário consultá-la antes de fazer uma viagem sozinho ou com amigos num final de semana, por exemplo. E também ela pode desenvolver uma atividade profissional e círculo de amizades nos quais o marido é completamente alheio e desconhecido.
A uma primeira vista pode parecer que esse distanciamento nos faz mais livres e, talvez, mais felizes. Contudo, o que ocorre é precisamente o oposto. É sinal supremo de liberdade o saber doar-se livremente a uma pessoa e por toda uma vida. Ao contrário, quando queremos buscar apenas os nossos próprios gostos e satisfações egoístas, vivemos um simulacro de liberdade, pois na verdade nos fazemos escravos dos próprios caprichos.
Assim, se por infelicidade notamos que vivemos vidas paralelas, é necessário reconstruir a unidade do matrimônio. Pode ser longo esse caminho. No entanto, que não seja isso motivo de desânimo. Afinal, quanto antes se começar a caminhar, mais rápido e melhor se chega ao destino.
Em caso de crises conjugais mais intensas, em que o próprio diálogo está por demais comprometido, talvez será o caso de se iniciar por atividades em que a comunicação não seja muito exigida, como saírem para ir ao cinema, por exemplo. Porém, pouco a pouco, há de se restabelecer o diálogo e reconstruir a própria vida em comum.

É um importante fator de união do casal saber sonhar juntos, vale dizer, ter planos em comum. “Dos nossos planos é que eu tenho mais saudade, quando olhávamos juntos na mesma direção” canta melancolicamente o saudoso Renato Russo. De fato, o relacionamento conjugal nasce recheado de projetos nos quais desenhamos a própria felicidade. No entanto, muitas vezes nos esquecemos de que é fundamental pensar também na felicidade do outro. Que não tenhamos a desventura de termos de nos lamentar um dia: “Já que você não está aqui, o que posso fazer é cuidar de mim”. Não! Digamos – talvez menos poeticamente – mas com muito mais otimismo: “já que quero ser feliz, o que posso fazer é cuidar de ti”.

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