Em outras oportunidades tratamos, nesta coluna, de
alguns aspectos que se deve considerar para superar das crises conjugais. O
primeiro está relacionado com uma mudança de foco, ou seja, deixar de ver apenas os defeitos e limitações
do outro para olharmos para nós mesmos e meditarmos em que medida temos de
lutar para mudarmos. O segundo se refere à recuperação do apreço pelo cônjuge,
frequentemente perdido com o desgaste do relacionamento conjugal. Hoje gostaria
de acrescentar um ingrediente: a importância da vida em comum.
O artigo 1.511 do Código Civil brasileiro consagra
que o casamento estabelece comunhão plena
de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. E, mais
adiante, no ser artigo 1.566, proclama que são
deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no
domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação
dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.
O casamento gera uma comunhão plena de vida. Isso não
quer dizer que cada qual não mantenha a sua individualidade, mas haverá,
necessariamente, uma interpenetração de suas vidas. Isso exige compartilhar
muitos aspectos de suas existências.
Se pudéssemos imaginar graficamente o homem e a
mulher como dois círculos, poderíamos traçar a situação ideal do casamento como
duas circunferências que se interpenetram. Não seria correto que não houvesse
nenhum ponto em comum, nem que todos os aspectos fossem comuns, ou, pior ainda,
que um absorvesse por completo o outro.
O fenômeno das vidas paralelas, ou seja, com pouco ou
quase nada em comum, faz definhar o amor conjugal. É que o casamento é uma
doação, uma entrega que fazemos da nossa própria pessoa ao outro. Quando nos
vamos distanciando do nosso cônjuge, é como se fôssemos retomando-nos para nós
próprios de novo. É o que acontece quando o marido passa a ter as suas
atividades completamente dissociadas da esposa, a tal ponto que sequer acredita
ser necessário consultá-la antes de fazer uma viagem sozinho ou com amigos num
final de semana, por exemplo. E também ela pode desenvolver uma atividade
profissional e círculo de amizades nos quais o marido é completamente alheio e
desconhecido.
A uma primeira vista pode parecer que esse
distanciamento nos faz mais livres e, talvez, mais felizes. Contudo, o que
ocorre é precisamente o oposto. É sinal supremo de liberdade o saber doar-se
livremente a uma pessoa e por toda uma vida. Ao contrário, quando queremos
buscar apenas os nossos próprios gostos e satisfações egoístas, vivemos um simulacro
de liberdade, pois na verdade nos fazemos escravos dos próprios caprichos.
Assim, se por infelicidade notamos que vivemos vidas
paralelas, é necessário reconstruir a unidade do matrimônio. Pode ser longo
esse caminho. No entanto, que não seja isso motivo de desânimo. Afinal, quanto
antes se começar a caminhar, mais rápido e melhor se chega ao destino.
Em caso de crises conjugais mais intensas, em que o
próprio diálogo está por demais comprometido, talvez será o caso de se iniciar
por atividades em que a comunicação não seja muito exigida, como saírem para ir
ao cinema, por exemplo. Porém, pouco a pouco, há de se restabelecer o diálogo e
reconstruir a própria vida em comum.
É um importante fator de união do casal saber sonhar
juntos, vale dizer, ter planos em comum. “Dos nossos planos é que eu tenho mais
saudade, quando olhávamos juntos na mesma direção” canta melancolicamente o
saudoso Renato Russo. De fato, o relacionamento conjugal nasce recheado de
projetos nos quais desenhamos a própria felicidade. No entanto, muitas vezes
nos esquecemos de que é fundamental pensar também na felicidade do outro. Que
não tenhamos a desventura de termos de nos lamentar um dia: “Já que você não
está aqui, o que posso fazer é cuidar de mim”. Não! Digamos – talvez menos
poeticamente – mas com muito mais otimismo: “já que quero ser feliz, o que
posso fazer é cuidar de ti”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário