segunda-feira, 13 de junho de 2011

O século da solidão

Os dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam um número crescente de pessoas morando sozinhas. Os brasileiros solitários já somam 6,9 milhões. Hoje os domicílios com apenas um morador já são 12,2% do total, ante 10,7% das residências com cinco pessoas. Em 1960, a média de moradores por domicílio era de 5,3 pessoas. Cinquenta anos depois, caiu para 3,3 (Fonte: O Estado de São Paulo, 24/07/2011).
Os números trazem um sinal de alerta. O fato de uma pessoa residir sozinha não é em si algo ruim. O que pode se revelar preocupante, porém, são as causas desse fenômeno.
O que dá sentido a uma vida é a capacidade de se doar. Amar e sentir-se amado é a necessidade mais fundamental de todo ser humano, que toca em sua natureza mais íntima. E esse amar e ser amado manifesta-se primeiro e primordialmente no seio de uma família.
Nesse sentido, dentre esses milhões de solitários, é possível que se encontre um contingente considerável de homens e mulheres viúvos, que tiveram filhos, que os formaram com sacrifício e dedicação, mas que agora deixaram a casa dos pais para seguir as suas vidas, muitos formando novas famílias.
Mas haverá nesses dados, infelizmente, um grande número de homens e mulheres que vivem sós porque não quiseram ou não souberam se doar de verdade. “Quero ter o meu espaço”, “a minha liberdade”, “as minhas coisas”... eu, eu, eu. Talvez possamos ouvir por entre as suas paredes vazias o triste desabafo do saudoso Renato Russo: “já que você não está aqui o que posso fazer é cuidar de mim...”. Acontece que ninguém é feliz vivendo para cuidar de si.
Creio que há, também, outro grande número de solitários que não aparecem naqueles dados estatísticos. Refiro-me aos pais, mães e filhos que vivem sob o mesmo teto, mas como ilhas. Vivem, mas não convivem. Coabitam, mas não se relacionam. Conversam, mas não se ouvem. Olham, mas não se enxergam. Cada vez mais em nossos lares se valoriza o quarto, com uma TV e um computador para cada um, ou seja, como um pequeno mundo para se isolar. A sala de jantar, onde se poderiam construir deliciosos momentos de convivência, é substituída por um pequeno espaço dentro da cozinha, propício para um monótono e silencioso fast food. É triste constatar, mas é isso um autêntico laboratório de solitários.
É necessário e é urgente que os pais resgatem o quanto antes a alegria do convívio familiar. Não é bom para a família nem para a educação dos filhos que se tenha TV e computador no quarto. E os pais devem ser os primeiros a renunciar a essas comodidades em benefício de um saudável relacionamento com os filhos. Além disso, os nossos filhos precisam aprender desde muito cedo a se sacrificar pelos demais. Trata-se de prestar serviços e fazer companhia ao irmão doente, de ajudar nas tarefas do lar, ainda que as condições econômicas permitam ter trabalhadores domésticos. Enfim, devem aprender com o exemplo dos pais que não há maior alegria que poder servir, a começar pelos da nossa casa.

Gostaria de terminar com o relato da vida do Sr. Francisco: Viúvo há quatro anos, teve seis filhos e quatorze netos. Aos seus 82 anos, não se dá o direito de não fazer nada, apesar de sua merecida aposentadoria. Dedica-se a administrar uma associação que cuida de crianças carentes. A hora mais melancólica é quando chega à casa ao final do dia. Parece que o barulho das crianças correndo de um lado a outro ainda ecoam naquelas paredes. Vem então à memória repleta de saudade a esposa dedicada que o aguardava com a mesa posta. Mas isso tudo não mais lhe arranca lágrimas. Toma um bom livro e entre as suas páginas experimenta a paz de ter se doado à amada até o último momento. Além disso, contempla o resultado maravilhoso do trabalho dela e dele nos filhos e netos, que, apesar nos inúmeros problemas, estampam um caráter bem formado num lar luminoso e alegre. Abandona então o livro e sua vista salta até as estrelas na janela, enquanto balbucia de si para si: “Vale a pena, vale a pena!”.

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