segunda-feira, 25 de abril de 2011

Feliz Páscoa

Ontem foi domingo de Páscoa. No entanto, essa festa é antecedida pela quaresma, período de penitência com que se preparam para essa grande comemoração aqueles que procuram ser fieis aos ensinamentos cristãos. Mas não será que essa proposta de sacrifício algo ultrapassado, talvez incompatível com o grau de evolução que a sociedade humana atingiu neste início de terceiro milênio?
Penso que não é verdade que o sacrifício tenha sido banido da vida das pessoas em nosso tempo. É comum trabalhar num ritmo alucinante até doze ou mais horas por dia, no afã de uma ascensão econômica e profissional. Também as crianças e jovens são exigidas desde muito cedo a buscarem bons rendimentos escolares, a frequentarem cursos de línguas e inúmeras outras atividades extracurriculares de modo a encarar o mercado de trabalho cada vez mais competitivo. E isso sem contar as horas de academia de ginástica, clínicas de beleza para se manter o físico dentro de um padrão imposto por aquilo que já se convencionou chamar de ditadura da beleza.
Não é do sacrifício que fogem o homem e a mulher desse admirável mundo novo. Numa sociedade excessivamente individualista soa como incompreensível e inaceitável sacrificar-se por algo que não seja em benefício próprio. Essa postura, ou melhor, essa opção de vida centrada em si mesmo, somente gera tristeza, vazio interior e insatisfação. É que, hoje como ontem e sempre as grandes realizações, capazes de preencher de alegria e realização o coração humano dependem de esforço, um dia após outro em pequenos detalhes, como pequenos são os tijolos de que são feitas as grandes construções.
Lembro-me de um amigo que contava o diálogo que teve com um sacerdote amigo seu. Ele confidenciava que pretendia ficar a quaresma toda sem tomar cerveja. “Mas e se nesses dias receber um amigo que gosta muito de tomar uma cervejinha gelada com você, vai recusar?”, disse o sacerdote, meio que em tom de provocação. “Sim”, respondeu o meu amigo resolutamente. “Veja bem”, prosseguiu o padre, “é muito bom fazer sacrifícios como esse, mas eu tenho uma sugestão um pouco melhor: faça uma lista das reclamações que sua esposa faz contra você”. O meu amigo pensou um pouco e começou a enumerar: “sujar o espelho do banheiro ao me barbear, chegar mal humorado a casa nas quartas-feiras, não lhe dar atenção quando ela me telefona durante o horário de trabalho...”. “Acho que já está bom”, interrompeu o sacerdote. “Então por que você não se esforça nesta quaresma por fazer isso que agrada a sua esposa? Quanto à abstinência da cerveja, quebre-a quando for oportuno para ser mais agradável com um amigo, por exemplo.” Ele ficou satisfeito, porém, alguns dias após, pensou que teria sido muito mais fácil ficar apenas sem a cerveja...
E exemplos de sacrifícios que valem a pena, pois tornam mais agradável a vida das pessoas com quem convivemos, podem se multiplicar. Soube de um pai que, ao chegar a casa se esforçava por deixar as preocupações da porta para fora. Assim, não se queixava ao levantar de madrugada para preparar uma mamadeira ou de renunciar ao telejornal para participar de jogos com os filhos após o jantar. Com isso, o ambiente familiar se tornou cada vez mais alegre e sereno, tanto que se aguardava com ansiedade o momento em que retornaria do trabalho ao convívio familiar, ainda que não faltassem os trabalhos e penas de cada dia.

Páscoa significa passagem. De certo modo, o que dá sentido e alegria a essa vida nova é o amor que leva ao esforço por alcançá-la. É isso o que ocorre em nossas vidas. Podemos escolher, todos os dias, o que seremos no futuro. O esforço diário por construir um casamento feliz, por educar os filhos, por cultivar saudáveis amizades será o grande tesouro que teremos ao final. Se nos perdemos a reclamar da vida e a pensar somente em nós mesmos não é de se estranhar que se alcance apenas frustração e solidão. Ao contrário, o esforço e o sacrifício por aqueles com quem convivemos é que construirá o edifício sólido e agradável a que todos acorrem para encontrar remanso, serenidade e alegria.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A indiferença

Causou comoção no Brasil e no mundo o assassinato brutal de jovens numa escola do Rio de Janeiro. Ao nos depararmos com tamanha brutalidade, que ceifa a vida de pessoas inocentes, fica em todos nós uma grande indagação: por quê?
Comportamentos patológicos como esse não permitem explicações simplistas. Há muitas causas que podem desencadear doenças psíquicas e mesmo aos especialistas é difícil dar uma explicação exata.
Mas o fato nos chama a atenção para um dado que merece ser ponderado: vivemos num mundo de pessoas cada vez mais solitárias e infelizes. Ainda que cercadas por uma multidão, trazem no peito o insuportável peso de um vazio na alma. São homens e mulheres que perambulam de um lado a outro num ritmo frenético e sem sentido. E se alguém lhes indagar sobre a razão de suas vidas, muitos não terão a resposta.
O que mais profundamente caracteriza o homem e a mulher é a vocação para o amor. Todos trazemos um enorme anseio de sermos amados. Esse anseio natural já se manifesta desde o nascimento, quando a criança depende não apenas do alimento da mãe, mas, sobretudo, do seu carinho e afeto para desenvolver a sua personalidade. Nas outras fases da vida essa necessidade assume matizes diferentes, sem deixar de ser a mesma. Por exemplo, o adolescente desenvolve uma linguagem própria e se sujeita a se vestir de determinado modo e a praticar determinadas atividades apenas para ser aceito no seu círculo de amigos. E isso nada mais é que uma forma de manifestar aquele mesmo desejo de ser aceito e estimado (no fundo o que se quer é ser amado). E o mesmo ocorre nas outras fases da vida.
E desse anseio por ser amado se segue uma consequência de igual força e importância, que é ser no mundo e entre aqueles com quem convivemos um polo irradiador desse mesmo amor que desejamos receber. É precisamente por isso que o egoísmo gera apenas tristeza e frustração. Podemos nos comparar, apesar da imperfeição de toda comparação, a uma fonte. Do mesmo modo que se capta a água nas profundezas da terra, essa deve ser jorrada para fora, pois, do contrário, seca e se mantém estéril. Igualmente, temos a necessidade de sermos e nos sentirmos amados, porém, a isso se há de seguir de nossa parte os atos concretos com os quais manifestamos aos outros esse mesmo amor.
Por isso, é inaceitável que numa família haja alguém triste, isolado ou acanhado sem que a isso se siga um movimento intenso dos pais, irmãos ou filhos por acolher a essa pessoa e, no que estiver ao nosso alcance, tirá-la daquela situação que a aflige. Ninguém pode nos ser indiferentes, tanto menos em nosso lar. E para isso não é necessário fazermos coisas estranhas ou extraordinárias. Muitas vezes bastará um sorriso, um gesto, a disposição de ouvir um desabafo ou simplesmente dar um passeio juntos.
E algo semelhante deve ocorrer no ambiente escolar. O aluno acanhado, o tímido, o que apresenta maus resultados, o bagunceiro, todos, de uma forma ou de outra, estão gritando: “eu existo e quero ser amado”. Ao mesmo tempo, ainda que não saibam, trazem um grande anseio de servir e de serem úteis aos demais. Por isso, quando são estimulados a desenvolver suas habilidades para fazer algo de bom para o próximo vemo-los imensamente motivados e felizes. É claro, pois com isso se desvenda diante deles a chave de funcionamento de seus corações.

Que ninguém nos seja indiferente. Se soubermos desenvolver esse modo de olhar a todos que nos circundam veremos que não há pessoas essencialmente más. Há, isso sim, aqueles que por um motivo ou outro não foram ou não quiseram ser amados, e outros tantos que fizeram morrer esse amor por não querer manifestá-lo aos outros. Mas ninguém está irremediavelmente perdido. Enquanto viver sempre será possível tocar em seus corações para que passem a ser uma fonte de água viva. Que sejam então pessoas que se sabem amadas por Alguém e que, precisamente por isso, podem dar esse mesmo amor que recebem sem medida.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Amar com os defeitos

Certa vez ouvi de uma pessoa casada há poucos anos o seguinte desabafo:
“Durante o período de namoro, eu estava convencido de que ela não tinha defeitos. E isso nem tanto porque minha então namorada fizesse um esforço grande por ocultá-los ou dissimulá-los, mas porque os tempos que passávamos juntos eram os melhores do dia. Depois do casamento, porém, os defeitos dela começaram a se apresentar com uma insuportável clareza. E, como não havia reparado neles antes, fico desconcertado, pois desfiguram a imagem que havia feito dela. Pior, como os defeitos dela não são os mesmos que os meus, parecem tão fáceis de serem superados que chego a pensar que ela faz tais coisas de propósito, só para me irritar”.
Todo ser humano tem defeitos. Isso é óbvio. Por que será, então, que se atribuiu a algo que é evidente a causa do insucesso de muitos casamentos? E qual seria a solução? Buscar que os jovens que se preparam para a vida matrimonial estejam mais atentos na fase de namoro? Ou tentar dar menos importância a eles quando afloram já na vida conjugal?
O primeiro aspecto é importante. Os pais deveriam acompanhar de perto os filhos quando começam a manter algum relacionamento, estimulando-os a conhecer melhor o outro e não simplesmente curtir a emoção de estar juntos. Apesar disso, será sempre limitado o poder de influência dos pais nessa situação. Quem nunca ouviu uma frase do tipo: “Ela está cega! Será que não vê que esse rapaz não serve para ela?”. E se fica cego mesmo. Mas apesar disso, podemos ajudar, com carinho e compreensão, a tentar colocar um pouquinho de racionalidade e senso de observação numa relação que parece ser apenas emoção.
Aliás, se quisermos dar um bom conselho para quem caminha para um relacionamento conjugal, podemos dizer que só há um defeito incurável: pensar que não tem defeitos. É que a pessoa que não reconhece que os tem e que precisa continuamente melhorar não pode ajudada, precisamente porque ela se fechou na sua auto-suficiência.
E o que dizer àqueles que já estão casados e que convivem diariamente com os defeitos do outro? Nesse caso, a primeira atitude é fomentar a compreensão. Costumamos ser implacáveis com os defeitos dos outros e extremamente complacentes com os nossos. Além disso, é frequente medirmos os outros com as nossas próprias medidas. Por exemplo, o marido que é habitualmente pontual, costuma lançar contra a esposa essa acusação: “Não me conformo como você possa se atrasar sempre! É tão simples, basta que comece a se arrumar com mais antecedência!”. E ela, por sua vez, poderá dizer algo semelhante: “Você deixou a sua carteira jogada na mesa da sala de novo! É tão difícil colocar isso no lugar?”
Não é tão simples, ao contrário do que pode parecer. Soube de um marido que colou um adesivo brilhante na carteira para se lembrar de a guardar no lugar certo quando chegasse a casa. E de uma esposa que, com a ajuda do filho, editou algumas planilhas do Excel onde elencava o tempo de cada ação e, no final, a soma. Com isso, sabia que para um casamento a primeira ação começava duas horas antes, para buscar os filhos na escola, trinta minutos... Esse marido se encheu de compaixão e ternura ao ver as planilhas afixadas no quadro de avisos da casa. E também ela, por vezes, não escondia o sorriso carinhoso ao guardar a carteira dele no lugar, apesar do enorme aviso luminoso...

O grande desafio que os esposos encontram quando se deparam com os defeitos do outro é aprender a amá-lo(a) apesar desses defeitos, ou melhor, a amar com esses defeitos. É claro que se poderá ajudar a melhorar, mas sempre com carinho, compreensão e sabendo agir na hora certa. Mas o mais importante é reconhecer que também não somos perfeitos. E é somente quando travamos uma batalha séria contra os nossos próprios defeitos é que saberemos de verdade a ter compaixão com os demais, sobretudo com aquela pessoa com quem nos comprometemos a formar uma comunhão plena de vida.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O legado de José de Alencar

Faleceu na última terça-feira, dia 29 de março, o ex-vice-presidente José de Alencar. Esse grande homem tem sido frequentemente lembrado como um exemplo de luta contra o câncer. Mas será que o faremos justiça se assim o considerarmos, ou se nos ativermos apenas a esse legado que nos deixou?
Quanto se diz que o objetivo primordial de uma pessoa, ainda que num determinado momento de sua vida, é o combate a uma enfermidade que a acomete, corre-se o risco de pensar que se trava uma batalha apenas para permanecer vivo e nada mais. Não que a vida não seja um bem em si, nem que lutar por ela não seja algo que valha a pena. Mas os grandes homens têm sempre algo mais. “Viver por quê e para quê?” é uma indagação que se há de fazer quando pretendemos entender a fundo exemplos de heroísmo em situações de extrema dificuldade.
“Se Deus quiser me levar, Ele não precisa de câncer. Se Ele não quiser que eu vá, não há câncer que me leve”. De certo modo, Alencar debochava da doença. Dava a esse fato a importância que ele merece. Tomava os cuidados médicos e buscava com prudência o tratamento adequado. Mas soube conviver com ela, ou melhor, viver apesar dela. E isso somente é possível nas pessoas que sabem que têm uma missão a cumprir.
Há alguns anos tomei um táxi e o motorista, em poucos minutos, contou o drama de sua vida. Havia conseguido juntar um certo dinheiro, comprara uma chácara, próxima a um lugar privilegiado para a pesca e, com o que recebia de aposentadoria, podia levar a vida apresentada como um modelo de felicidade e realização em nosso tempo: pescar pela manhã, descansar numa rede pela tarde e, de noite, bebericar, ouvir uma música ou simplesmente contar as estrelas de papo para o céu. “Mas tudo isso enjoa”, disse ele, e por isso resolveu voltar a trabalhar enquanto ainda buscava um sentido para os últimos de seus dias...
Dedicamos uma grande parte do nosso tempo no desempenho de um trabalho profissional. O estudante sério haverá de ser dedicado e diligente nos estudos, consciente de que tem uma dívida com a sociedade que lhe proporciona os meios para obter o conhecimento. De igual modo, o lixeiro, o lavrador, o operário, o empresário, o funcionário público, todos têm um ofício que direta ou indiretamente está destinado a fazer algo de útil para os outros. E todos temos aí uma importante missão.
Mas ela não se limita ao trabalho profissional. É possível que chegue um momento em que deixaremos de exercê-lo, e então poderemos dedicar mais tempo a alguma atividade assistencial, por exemplo.
A nossa missão se desempenha também muito especialmente na vida familiar, no cuidado com a esposa, com o marido, com os filhos, com os pais, com os amigos, enfim, com todos os que pelos mais variados motivos se colocam na nossa existência como o próximo.
Tive a sorte de conhecer um grande homem que soube cumprir a sua missão até o último minuto. Estava ele com uma doença incurável no hospital e, como era muito querido, recebia várias visitas. Certo dia, disse à enfermeira que o atendia: “Você sabe que sou um homem muito rico?”. Ela, sem deixar de mexer na injeção que aplicaria, respondeu: “ah, é?”. E o amigo concluiu: “a minha riqueza é a minha família: tenho muitos filhos, muitos netos e alguns bisnetos que agora me acompanham neste momento”. A enfermeira ficou muito impressionada em ver como ele vivia aquela situação terrível. Dias antes de morrer, a enfermeira veio ter com ele e disse: “Eu gostaria de lhe agradecer. É que estou grávida e estava pensando em fazer um aborto. Mas, vendo o senhor com essa alegria e serenidade nesses momentos, eu voltei a acreditar na vida”.

Exemplos como esse, ou como do já saudoso ex-vice-presidente, devem ressoar para nós como um chamado a aproveitarmos muito bem cada minuto de nossa existência, ciente de que nada nela é em vão e que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.