Há algum tempo ouvi de um amigo um comentário jocoso
sobre a fórmula canônica do matrimônio, que consagra a união conjugal para toda
a vida. Ele estava certo de que a indissolubilidade do vínculo matrimonial não
passa de uma regra imposta pela Igreja Católica e que isso não faz mais nenhum
sentido nos dias atuais.
É hoje muito difundida a convicção de que manter o
casamento e a família por toda a vida é fardo pesadíssimo, quase que impossível
de ser suportado. De fato, não é fácil construir uma vida conjugal feliz. Basta
pouco tempo de convivência para perceber as inúmeras dificuldades que nos traz a
vida a dois. No entanto, essa ideia de que é peso insuportável talvez esteja
fundada na perspectiva com que se encara o compromisso e nas expectativas que
cada um traz para o casamento.
Voltemos para a fórmula do casamento canônico com que
brincava o meu amigo: “Eu, ..., te recebo, ..., como minha esposa e te prometo...”. Muitos põem o
acento nessa promessa. Assim, poderão sustentar: “Como alguém com vinte ou
trinta anos de idade pode prometer amor e fidelidade eternos num momento de
suas vidas que não têm a menor noção do que será a vida conjugal no futuro?”.
No entanto, esse questionamento tem como fundamento
uma concepção distorcida. No pacto matrimonial cada cônjuge se doa um ao outro,
vale dizer, entrega a sua própria pessoa, tanto que daí surgirá uma nova
identidade, qual seja, o estado de casado. Essa realidade se faz evidente na
mesma fórmula com a expressão “eu te
recebo”. Ora, somente se recebe algo que nos é dado. O compromisso que
se assume é importante. Mas antes de se prometer amor, fidelidade e respeito,
na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, há que se receber a pessoa do
outro que se doa. E exatamente porque se recebe esse imenso dom é que se
compromete a cuidar dele enquanto existir.
Outro provável motivo para se enxergar a
indissolubilidade do casamento como um fardo pesado está em nossas
expectativas. No início do relacionamento, é comum que o casal se sinta
apaixonado. Trata-se de um sentimento inexplicável e que refoge ao controle.
Mas é ao mesmo tempo uma sensação prazerosa: “quem sabe, sabe, conhece bem,
como é gostoso gostar de alguém...”, canta a famosa marchinha de carnaval.
Acontece que esse pulsar mais forte do coração e sentir as pernas fracas ao
divisar, dentre inúmeras outras pessoas, aquela por quem se está apaixonado é,
no contexto de uma vida, uma sensação que dura mais ou menos o que dura o sabor
de uma torta de limão.
Além disso, ainda que seja saudável o enamoramento, ele
pode conter uma não pequena dose de egoísmo. Com efeito, busca-se a pessoa do
outro movido principalmente pelo prazer que o seu convívio proporciona. Assim, quando
essa convivência não for mais prazerosa, diz-se que acabou o amor e então o
melhor é partir para outro relacionamento.
Acontece que esse enamoramento é apenas uma fase
inicial que há de culminar com uma doação. Não quer isso dizer que com passar
dos anos o relacionamento há de se tornar insípido e pesado. Ao contrário,
aquele sentimento pode ser nutrido e intensificado, tornando-se mais maduro e
inclusive prazeroso. Mas não é exclusivamente ele que sustenta a união dos
dois. Essa se perpetua na entrega recíproca que se traduz não apenas no querer
o outro, mas em querer querê-lo(a) cada vez mais.
A torta de limão acaba e não fica nada. Quando muito
um sabor amargo na boca. Aquele que doa algo duradouro conserva na alma a
alegria estampada na face de quem recebeu o presente. E se esse presente somos
nós próprios, então nos encontramos no outro, rejuvenescidos e fortalecidos a
amar cada vez mais. E amamos com o nosso coração, mas não apenas com ele. Além
do nosso afeto, nos doamos com a vontade e com a inteligência, numa entrega que
tanto mais intensa tanto mais feliz será.
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