Observando há alguns anos as causas que levam as
pessoas a instaurarem uma demanda, tenho observado que o motivo principal, ou
ao menos decisivo, nem sempre é violação de um direito em si. É evidente que a
injustiça é sempre dolorosa para quem a sofre, mas nem sempre é ela o fator
determinante do litígio. Muitas vezes se procura o Poder Judiciário como um
último recurso porque o cidadão não foi tratado, num determinado momento, com o
devido respeito que se esperava.
Tanto é assim que em muitos casos submetidos a
julgamento a pessoa não tem o direito que alega, mas, num determinado momento,
teve de aguardar por horas em vão diante do telefone, ou mesmo se deslocar de
um lado a outro para obter uma simples informação.
Talvez por isso muitas empresas têm investido na
qualidade do atendimento ao público. Mas como motivar o funcionário a atender
bem? Que razões podemos dar-lhe para isso? Será suficiente dizer que o emprego
dele depende do resultado da avaliação que o consumidor será convidado a fazer
ao final da chamada?
Penso que esses questionamentos nos remetem a uma
análise mais profunda sobre como se travam os relacionamentos humanos em nosso
tempo. A cultura hedonista e individualista que marca a sociedade atual faz com
que muitos, ainda que inconscientemente, pautem suas relações de amizade,
profissionais ou mesmo conjugais por puro interesse egoísta.
Nesse sentido, é muito comum notar em pessoas que
prestam atendimento ao público, ao se deparar com alguém que busca um serviço
ou uma informação, a primeira reação é querer se livrar do problema, ou melhor,
do incômodo, o quanto antes. E isso ocorre tanto em instituições privadas como
em repartições públicas. Embora muitos de nós ajamos assim irrefletidamente,
isso revela algo que se passa em nosso interior: estamos normalmente centrados
em nós mesmos e pouco atentos às necessidades dos que nos rodeiam.
Outro sintoma dessa doença moral que nos assola é a
necessidade de se normatizar aquilo que antes funcionava muito bem como meras
regras de convivência social. Por exemplo, há décadas atrás não era necessário
ter assentos reservados para idosos, pois era inconcebível que alguém não lhes
cedesse o lugar ao entrar no bonde.
Há poucos dias, enquanto aguardava atendimento num
hospital de uma pequena cidade do interior, notei que chegou um rapaz trazendo
uma moça desacordada no colo. Mal chegou e já esbravejou: “não tem médico
nessa...”. Em poucos segundos chegou o médico residente que, educadamente,
perguntou: “o que aconteceu?”. O rapaz, ainda mais agressivo, disse: “Não tem
médico aqui?”. “Eu sou o médico”, respondeu. “Então vamos trabalhar”, disse o
rapaz. Busquei esse exemplo real, mas podemos imaginar a situação inversa,
também muito comum, de pacientes aguardarem por horas e horas por um atendimento
que, quando vem, é frio e mais ocupado em preencher os dados no computador que
olhar nos olhos do paciente.
Não há lei suficientemente bem elaborada que possa
obrigar a cada um a ter um olhar atento e desinteressado pelos demais. Isso
deve ser plantado e cultivado no coração dos homens e das mulheres de nosso
tempo, de preferência quando ainda são crianças. É preciso fazê-los entender
que a felicidade pessoal depende muito diretamente de como tratamos aqueles que
nos rodeiam.
Há um filme muito interessante, A Corrente do Bem, que vale a pena ser visto com os filhos, que
ilustra como se pode construir um mundo melhor se cada um se ocupar em buscar o
bem do outro desinteressadamente. Não sou crítico cinematográfico, mas penso
que o final do filme poderia ser melhor. De qualquer modo, a mensagem é muito
edificante.
Se conseguíssemos difundir esse ideal de altruísmo em
nossa sociedade por certo haveria muito menos processos judiciais, mas,
sobretudo, estaríamos construindo um mundo muito melhor.
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