segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Um grande tesouro

Há alguns anos acompanhei o drama vivido por um pai e uma mãe quando souberam que o primeiro filho, que acabara de nascer, era portador de uma doença psíquica. Quando se recebe uma notícia como essa, é como se faltasse o chão. Primeiro são os sonhos de ter uma criança “normal” que de uma hora para outra se desvanecem. Depois, a preocupação de quem cuidará dela quando os pais vierem a faltar. Além disso, em meio aos altos e baixos que se experimenta quando se recebe uma notícia dolorosa, por vezes ocorre pensar também nos constrangimentos que esse filho ou essa filha poderá causar no convívio social. E, como se fosse pouco, há também os inúmeros sacrifícios se exigirá da família. Nessa situação, talvez nos ocorra perguntar: “Por que isso aconteceu comigo?”.
Todo filho é um grande tesouro, uma oportunidade fantástica que os pais recebem de manifestar o seu amor. É legítimo que tenham sonhos em relação a eles, que desejem que sejam saudáveis, tanto física como mentalmente. Porém, os que se lançam na magnífica aventura da paternidade e da maternidade têm de considerar que nada em suas vidas acontece por acaso.
Muito se diz, e com razão, que o homem e a mulher são um “animal social”, com isso querendo dizer que necessitamos viver em sociedade. De fato, somos assim. No entanto, frequentemente nos equivocamos sobre a natureza dessa dependência que nos move a relacionar com os demais. É que costumamos pensar que precisamos dos outros para que atendam as nossas carências materiais e afetivas. Com isso, nos esquecemos de que o coração humano foi concebido para amar e manifestar esse amor àqueles que nos cercam. Nesse sentido, essa necessidade que temos em relação aos demais é uma necessidade de superabundância. Algo que nos move a nos doarmos desinteressadamente.
Portanto, ainda que custe aceitar, deveríamos considerar que quando se tem um filho doente ou com alguma limitação de saúde é porque disso pode advir um grande bem para ele próprio, para os pais e para a família como um todo.
Essa atitude de aceitação de uma dura realidade não deve nunca ser confundida com resignação. Há que se empregar todos os meios disponíveis, de acordo com as condições de cada família, para curar ou diminuir os efeitos da doença. Aliás, o próprio tratamento dispensado é uma forma bem concreta de se manifestar o amor a esse filho ou a essa filha.
No entanto, apesar dos enormes avanços da medicina, em alguns casos, teremos de admitir que aquela deficiência perdurará por toda a vida. Nesse caso, a solução é encarar essa realidade como um meio de crescimento pessoal e familiar. E então o nosso anseio de doação encontrará nesse filho ou nessa filha uma oportunidade imperdível de lançar abundantemente a semente de um amor gratuito e desinteressado.
A vida muitas vezes nos coloca diante de situações que nos movem a considerar as razões mais profundas de nosso modo de pensar e agir. Por que queremos os filhos? Buscamos neles apenas uma satisfação pessoal? Será que os temos porque na ceia de Natal não pode faltar presentes, peru e... umas crianças barulhentas?
Essas indagações nos movem a questionar muitas técnicas de fecundação em que se busca um prévio controle das condições de saúde da criança que irá nascer. É como se de antemão disséssemos ao filho ou à filha que virão ao mundo: “estou disposto a te receber e a cuidar de ti, conquanto que sejas perfeito e do jeito que eu quero...”. Também é de se questionar o excesso de exames de pré-natal para detectar isso ou aquilo. De fato, há doenças que, quando descobertas a tempo, podem ser curadas com maior êxito. Outras, porém, não há nada o que fazer. Nesse sentido, a minuciosa investigação que se faz é para quê?...

Se soubermos olhar para os filhos, tanto aqueles que já temos como os que ainda virão, como seres humanos a quem nos cabe cuidar e formar, notaremos que as suas condições de saúde não são tão determinantes como pensávamos. É que quando se ama, o que mais importa é... amar. E a única medida desse amor é não ter medida. E o amor sempre se manifesta diante de alguém bem concreto. Com isso, amamos esse filho ou essa filha tal como ele ou ela são e não como sonhávamos ou gostaríamos que fossem.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Amizade com os filhos

Para que a educação seja eficaz é necessário que os pais sejam amigos dos filhos. Mais que isso, convém que sejam os seus melhores amigos. Mas será possível estabelecer essa relação de autêntica amizade com tanta diferença de idade?
Há muitos séculos atrás, Aristóteles já enfrentou essa questão, no Livro VIII de sua Obra Ética a Nicômaco, quando afirmou que poderia haver amizade entre pessoas que se encontram em planos diferentes, por razões de idade, posição econômica ou de cultura. É que a amizade consiste mais em querer do que em ser querido. Assim, é possível que os desiguais se igualem ao ser amigos.
A amizade entre pais e filhos, como entre as pessoas em geral, não é algo que sempre nasce e se desenvolve espontaneamente. É necessário plantá-la e cultivá-la. Para que sejam amigos há que se estabelecer uma comunicação franca e aberta. E isso nem sempre é fácil de conseguir, especialmente com os adolescentes. Muitos pais ficam perplexos ao vê-los tão descontraídos e comunicativos com os colegas e, ao contrário, com o pai e com a mãe, suas conversas se resumem a verdadeiros monólogos: “sim”, “não”, “hã rã”...
O problema, muitas vezes, é que procuramos nossos filhos para arrancar deles a à fórceps as informações que desejamos, ou que julgamos importantes. Nesse intento, nos apresentamos com um verdadeiro questionário. Com isso, porém, eles se sentem constrangidos e inibidos, de modo que quanto mais perguntamos, mais se evadem nas respostas. Precisamos entender que eles têm a sua intimidade e que podem guardá-la para mostrar a quem disso se fizer merecedor. É claro que o pai e a mãe são, em geral, dignos dessa confiança. Porém, ela precisa ser conquistada.
Um conselho que nos pode ser útil é considerar que o diálogo com os filhos consiste em: primeiro, escutar; segundo, escutar; terceiro, perguntar; quarto, respondem ou falar serenamente. E escutar que eles falem do que quiserem e aceitar que se calem sobre os assuntos que não queiram falar no momento.
A amizade necessita, portanto, do diálogo e da confiança. Mas somente conseguiremos isso se soubermos educar com sentido positivo. Imaginemos uma camisa com uma minúscula mancha de tomate. Depois tomemos essa camisa e coloquemos a mancha no microscópio. Quem a observar assim terá uma noção correta do que é a camisa? Por certo que não, pois exagera no defeito e fecha os olhos a tudo o resto. Acontece que por vezes fazemos assim com os nossos filhos: colocamos uma enorme lente de aumento nos seus defeitos e não valorizamos as suas muitas qualidades. Ora, não é possível ser amigo de uma pessoa que somente enxerga defeitos e a todo tempo fica apontando-os com tom azedo e lamuriento.
Também é necessário cuidar das nossas atitudes em relação aos filhos. Há os pais tiranos, que pensam que os filhos estão bem quando não os estão nos incomodando. Outros são indiferentes, pensam que os filhos seguirão seu caminho naturalmente, sem nenhuma intervenção educativa. Outros ainda, perfeccionistas,  almejam a que os filhos sejam exatamente como sempre sonharam, muitas vezes projetando neles as próprias frustrações. Há ainda os paternalistas ou narcisistas, que desejam colocar os filhos sobre um pedestal, para que o sucesso deles alimente a própria vaidade.

Quando olhamos para aquela criaturinha que acaba de nascer e repousa serenamente no berço da maternidade, ou aquele rapaz desengonçado que se arrasta pela casa, ou ainda aquela moça cujo mundo parece estar limitado a conversar com as amigas pela internet, temos de enxergar mais além do que aparentemente vemos. São seres humanos que trazem em si um anseio enorme de serem felizes e de comunicarem aos demais, ao mundo inteiro, essa chama de amor que lhes abrasa a alma. Só que muitas vezes eles não conseguem ver isso por si sós, não se conhecem profundamente. Exatamente por isso é que precisam de bons amigos que lhes saibam comunicar com coragem, carinho e amor o verdadeiro sentido da vida. E quem melhor do que o pai ou a mãe para ser esse amigo bom e fiel, companheiro de toda jornada?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Corrente do bem

Observando há alguns anos as causas que levam as pessoas a instaurarem uma demanda, tenho observado que o motivo principal, ou ao menos decisivo, nem sempre é violação de um direito em si. É evidente que a injustiça é sempre dolorosa para quem a sofre, mas nem sempre é ela o fator determinante do litígio. Muitas vezes se procura o Poder Judiciário como um último recurso porque o cidadão não foi tratado, num determinado momento, com o devido respeito que se esperava.
Tanto é assim que em muitos casos submetidos a julgamento a pessoa não tem o direito que alega, mas, num determinado momento, teve de aguardar por horas em vão diante do telefone, ou mesmo se deslocar de um lado a outro para obter uma simples informação.
Talvez por isso muitas empresas têm investido na qualidade do atendimento ao público. Mas como motivar o funcionário a atender bem? Que razões podemos dar-lhe para isso? Será suficiente dizer que o emprego dele depende do resultado da avaliação que o consumidor será convidado a fazer ao final da chamada?
Penso que esses questionamentos nos remetem a uma análise mais profunda sobre como se travam os relacionamentos humanos em nosso tempo. A cultura hedonista e individualista que marca a sociedade atual faz com que muitos, ainda que inconscientemente, pautem suas relações de amizade, profissionais ou mesmo conjugais por puro interesse egoísta.
Nesse sentido, é muito comum notar em pessoas que prestam atendimento ao público, ao se deparar com alguém que busca um serviço ou uma informação, a primeira reação é querer se livrar do problema, ou melhor, do incômodo, o quanto antes. E isso ocorre tanto em instituições privadas como em repartições públicas. Embora muitos de nós ajamos assim irrefletidamente, isso revela algo que se passa em nosso interior: estamos normalmente centrados em nós mesmos e pouco atentos às necessidades dos que nos rodeiam.
Outro sintoma dessa doença moral que nos assola é a necessidade de se normatizar aquilo que antes funcionava muito bem como meras regras de convivência social. Por exemplo, há décadas atrás não era necessário ter assentos reservados para idosos, pois era inconcebível que alguém não lhes cedesse o lugar ao entrar no bonde.
Há poucos dias, enquanto aguardava atendimento num hospital de uma pequena cidade do interior, notei que chegou um rapaz trazendo uma moça desacordada no colo. Mal chegou e já esbravejou: “não tem médico nessa...”. Em poucos segundos chegou o médico residente que, educadamente, perguntou: “o que aconteceu?”. O rapaz, ainda mais agressivo, disse: “Não tem médico aqui?”. “Eu sou o médico”, respondeu. “Então vamos trabalhar”, disse o rapaz. Busquei esse exemplo real, mas podemos imaginar a situação inversa, também muito comum, de pacientes aguardarem por horas e horas por um atendimento que, quando vem, é frio e mais ocupado em preencher os dados no computador que olhar nos olhos do paciente.
Não há lei suficientemente bem elaborada que possa obrigar a cada um a ter um olhar atento e desinteressado pelos demais. Isso deve ser plantado e cultivado no coração dos homens e das mulheres de nosso tempo, de preferência quando ainda são crianças. É preciso fazê-los entender que a felicidade pessoal depende muito diretamente de como tratamos aqueles que nos rodeiam.
Há um filme muito interessante, A Corrente do Bem, que vale a pena ser visto com os filhos, que ilustra como se pode construir um mundo melhor se cada um se ocupar em buscar o bem do outro desinteressadamente. Não sou crítico cinematográfico, mas penso que o final do filme poderia ser melhor. De qualquer modo, a mensagem é muito edificante.

Se conseguíssemos difundir esse ideal de altruísmo em nossa sociedade por certo haveria muito menos processos judiciais, mas, sobretudo, estaríamos construindo um mundo muito melhor.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dilma e Cristina: a dignidade da mulher

Na semana passada os jornais exibiram as fotos do encontro das Presidentes do Brasil, Dilma Rousseff, e da Argentina, Cristina Kirchner. O momento é histórico, pois é como que o ponto culminante das grandes conquistas que a mulher conseguiu em nosso continente sul americano e também em grande parte do mundo.
É bom notar que as mulheres cada vez mais ocupam cargos importantes nas empresas, instituições e na Administração Pública. Não foram pequenos os obstáculos que encontraram para alcançar a igualdade jurídica, bem como inúmeros foram os percalços que passaram para ter reconhecida a sua dignidade enquanto pessoa.
Porém, apesar dos avanços na legislação e a mudança da mentalidade que permitiu que a mulher agora ocupe cargos e exerça direitos outrora reservados aos homens, temos de nos indagar se ela é valorizada e reconhecida como tal. Não se trata de discutir se as mulheres são superiores ou inferiores aos homens, mas reconhecer o que é evidente pela natureza das coisas: são diferentes.
Homens e mulheres são radicalmente iguais e estruturalmente distintos, afirma a teoria antropológica personalista. São radicalmente iguais, pois ambos são pessoas exatamente na mesma medida e possuem idêntica dignidade. Porém, a sexualidade marca todo o modo de ser. A mulher, nesse sentido, não se distingue do homem apenas no aspecto físico. Mais que isso, pensa como mulher, age como mulher, sente como mulher e ama como mulher. Não entender isso, pior, ignorar esse fato é talvez a maior discriminação que se lhe pode praticar.
Um aspecto de especial relevância nesse modo de ser mulher é a maternidade. Algumas renunciam a esse direito por motivo de uma missão especial que se sentem incumbidas. A grande maioria delas, porém, ainda alimenta o sonho de ser mãe. Nesse sentido, essa mesma sociedade que se beneficia com a presença da mulher nos mais diversos setores está preparada para lhe fazer justiça, permitindo que cuide dos filhos com o mesmo esmero ou mais com que se dedica ao trabalho profissional? Não será ela alvo de constante pressão para não ter filhos, pois isso implicaria atraso e retrocesso em sua carreira? O desempenho simultâneo dos papéis de trabalhadora, esposa e mãe não é frequentemente motivo de tensões que lhe roubam a paz?
A nova maneira de ser mulher na sociedade exige um novo modo de ser homem, especialmente na família. Trata-se de dividir de forma mais justa os afazeres domésticos e, principalmente, que o pai tenha uma participação ativa na educação dos filhos. Para se ter uma noção de como ainda precisamos evoluir nesse sentido, podemos fazer uma estatística da proporção entre o número de pais e de mães que comparecem às reuniões escolares. Por que eles nem sempre comparecem? Estão cansados do trabalho? E a mãe não está também em igual ou maior intensidade cansada?
É de se aplaudir a ampliação dos direitos sociais (licença maternidade de seis meses, p. ex.). Mais que isso, exige-se uma nova postura da sociedade no sentido de valorizar a maternidade, de não exigir da mulher que o sucesso profissional se sobreponha aos outros aspectos que lhe são também imprescindíveis para que a mulher desenvolva a sua personalidade.

Se a mulher agora ocupa os cargos de destaque nos mais diversos setores, e é muito bom que todos eles se beneficiem do jeito feminino de ser, temos também que pagar o preço por isso. Não podemos impor às mulheres a terrível injustiça de renunciar à maternidade para serem juízas, empresárias, parlamentares, governantes e trabalhadoras em geral. Ao contrário, as tarefas no lar devem ser repartidas de maneira mais equitativa e os direitos sociais ampliados para que sejam boas profissionais, sem prejuízo de serem verdadeiramente mães. Afinal, não há lar que se sustente sem a sua ternura e sem o seu calor.