Faleceu na última quinta-feira, dia 26
de agosto o Dr. Benedito Jorge Farah. Para nós, simples e carinhosamente o Dr.
Farah. Foi Juiz de Direito e depois desembargador do Tribunal de Justiça de São
Paulo. Desde o primeiro momento em que o conheci fiquei com a sensação, que
posteriormente somente veio a se confirmar, que o seu avantajado porte corporal
não poderia ser menor para abrigar tão grande coração.
A vida do Dr. Farah foi um exemplo de
amor ao trabalho, no caso dele, a Magistratura. Trabalhou até o último dia em
que, compulsoriamente, teve de se aposentar. E mesmo após a aposentadoria
pudemos inúmeras vezes vê-lo no Fórum, já com enorme dificuldade de locomoção
mas com a alma jovem como nunca esbanjando demonstrações de carinho com todos,
indistintamente. Soube dar um sentido aos últimos de seus dias, dentre outras
atividades, desempenhando um trabalho voluntário de conciliação com os casais
em litígio.
Penso que a vida e o exemplo que nos
legou o Dr. Farah seja uma oportunidade imperdível para meditarmos como a nossa
sociedade trata o idoso.
Lembro-me de um dos episódios daquele
seriado de TV, “Família Dinossauro”, chamado “Dia do Arremesso”. Nele é
retratada uma velha tradição dos dinossauros em que o homem-dinossauro teria a
“honra e o prazer” de atirar a sogra no poço de piche quando ela completasse o
seu 72º aniversário. E o filme segue o seu drama com um final simpático.
Não temos uma tradição de atirar nossos
idosos num poço de piche, mas será que não os descartamos com uma crueldade
ainda maior?
Há ainda uma justificativa para a
aposentadoria compulsória aos 70 anos no serviço público? Não haverá dentre os
juízes, promotores e servidores em geral pessoas que nessa idade ainda possam
desempenhar uma importante missão em benefício da sociedade?
E no setor privado talvez a situação
seja até mais agonizante. Não há a obrigatoriedade da aposentadoria, mas são
inúmeros os casos de pessoas com cinquenta ou sessenta anos que não conseguem
emprego exclusivamente por motivo de idade. Teríamos o direito de relegá-los a
uma degradante inatividade, substituindo-os por outros de menos idade que se
sujeitem a trabalhar doze, quatorze ou mais horas por dia e mais facilmente
“formatáveis” aos padrões da empresa?
Penso que muitas pessoas já se deram conta
dessa situação. Porém, ainda ficamos como que buscando paliativos para
anestesiar a nossa consciência. Com isso, nos limitamos a aprovar leis que
garantem vaga privilegiada nos shoppings, passe de ônibus gratuito e entrada
franca nos cinemas. Mas será que nossos idosos não prefeririam uma vaga comum e
pagar pelos espetáculos, mas que os acompanhássemos com atenção e que
soubéssemos estar atentos aos seus valiosos conselhos?
Em
muitas sociedades antigas os idosos eram verdadeiramente os conselheiros, tanto
que era conhecido na antiguidade greco-latina o chamado o conselho dos anciãos,
que por sua experiência de vida, sabiamente poderiam aconselhar. Hoje,
atinge-se o apogeu profissional por volta dos trinta anos e às vezes menos e os
idosos são tratados como néscios: “seus conhecimentos serviam para a sua época,
hoje os tempos são outros...”. Será?
De
fato, os tempos são outros. Com isso devemos como que aprender a envelhecer no
mundo moderno. Trata-se de se esforçar por acompanhar os avanços tecnológicos e
se adaptar, tanto quanto for possível, às novas formas de vida.
Mas
é preciso que os mais jovens de idade também saibam enxergar que há algo de
imutável no ser humano. O homem e a mulher deste início de terceiro milênio,
assim como aqueles que viveram nos séculos passados, têm gravado na alma o
mesmo anseio de felicidade e de eternidade. E aqueles que já desfrutaram longos
anos nesta existência terrena, velhos de idade mas com a alma rejuvenescida têm
muitas coisas a ensinar. E seria um enorme desperdício e uma terrível injustiça
simplesmente atirá-las num poço de piche.
Que
brilhe para nós o fantástico exemplo do Dr. Farah, como um homem que soube dar
um sentido profundo a todos os seus dias, espalhando paz, serenidade e acolhida
a todos os que o cercavam. Por esse motivo é que partiu com a alma jovem,
apesar dos seus muitos anos bem vividos.