segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Adeus Dr. Farah

Faleceu na última quinta-feira, dia 26 de agosto o Dr. Benedito Jorge Farah. Para nós, simples e carinhosamente o Dr. Farah. Foi Juiz de Direito e depois desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Desde o primeiro momento em que o conheci fiquei com a sensação, que posteriormente somente veio a se confirmar, que o seu avantajado porte corporal não poderia ser menor para abrigar tão grande coração.
A vida do Dr. Farah foi um exemplo de amor ao trabalho, no caso dele, a Magistratura. Trabalhou até o último dia em que, compulsoriamente, teve de se aposentar. E mesmo após a aposentadoria pudemos inúmeras vezes vê-lo no Fórum, já com enorme dificuldade de locomoção mas com a alma jovem como nunca esbanjando demonstrações de carinho com todos, indistintamente. Soube dar um sentido aos últimos de seus dias, dentre outras atividades, desempenhando um trabalho voluntário de conciliação com os casais em litígio.
Penso que a vida e o exemplo que nos legou o Dr. Farah seja uma oportunidade imperdível para meditarmos como a nossa sociedade trata o idoso.
Lembro-me de um dos episódios daquele seriado de TV, “Família Dinossauro”, chamado “Dia do Arremesso”. Nele é retratada uma velha tradição dos dinossauros em que o homem-dinossauro teria a “honra e o prazer” de atirar a sogra no poço de piche quando ela completasse o seu 72º aniversário. E o filme segue o seu drama com um final simpático.
Não temos uma tradição de atirar nossos idosos num poço de piche, mas será que não os descartamos com uma crueldade ainda maior?
Há ainda uma justificativa para a aposentadoria compulsória aos 70 anos no serviço público? Não haverá dentre os juízes, promotores e servidores em geral pessoas que nessa idade ainda possam desempenhar uma importante missão em benefício da sociedade?
E no setor privado talvez a situação seja até mais agonizante. Não há a obrigatoriedade da aposentadoria, mas são inúmeros os casos de pessoas com cinquenta ou sessenta anos que não conseguem emprego exclusivamente por motivo de idade. Teríamos o direito de relegá-los a uma degradante inatividade, substituindo-os por outros de menos idade que se sujeitem a trabalhar doze, quatorze ou mais horas por dia e mais facilmente “formatáveis” aos padrões da empresa?
Penso que muitas pessoas já se deram conta dessa situação. Porém, ainda ficamos como que buscando paliativos para anestesiar a nossa consciência. Com isso, nos limitamos a aprovar leis que garantem vaga privilegiada nos shoppings, passe de ônibus gratuito e entrada franca nos cinemas. Mas será que nossos idosos não prefeririam uma vaga comum e pagar pelos espetáculos, mas que os acompanhássemos com atenção e que soubéssemos estar atentos aos seus valiosos conselhos?
Em muitas sociedades antigas os idosos eram verdadeiramente os conselheiros, tanto que era conhecido na antiguidade greco-latina o chamado o conselho dos anciãos, que por sua experiência de vida, sabiamente poderiam aconselhar. Hoje, atinge-se o apogeu profissional por volta dos trinta anos e às vezes menos e os idosos são tratados como néscios: “seus conhecimentos serviam para a sua época, hoje os tempos são outros...”. Será?
De fato, os tempos são outros. Com isso devemos como que aprender a envelhecer no mundo moderno. Trata-se de se esforçar por acompanhar os avanços tecnológicos e se adaptar, tanto quanto for possível, às novas formas de vida.
Mas é preciso que os mais jovens de idade também saibam enxergar que há algo de imutável no ser humano. O homem e a mulher deste início de terceiro milênio, assim como aqueles que viveram nos séculos passados, têm gravado na alma o mesmo anseio de felicidade e de eternidade. E aqueles que já desfrutaram longos anos nesta existência terrena, velhos de idade mas com a alma rejuvenescida têm muitas coisas a ensinar. E seria um enorme desperdício e uma terrível injustiça simplesmente atirá-las num poço de piche.

Que brilhe para nós o fantástico exemplo do Dr. Farah, como um homem que soube dar um sentido profundo a todos os seus dias, espalhando paz, serenidade e acolhida a todos os que o cercavam. Por esse motivo é que partiu com a alma jovem, apesar dos seus muitos anos bem vividos.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Administração da Família

Na última sexta-feira, o Correio Popular trouxe o resultado de uma pesquisa feita pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), intitulada “Endividamento e Inadimplência do Consumidor”, que revela a quantidade crescente de famílias endividadas no País.
Ouvi há tempos uma frase que muito me chocou: “uma família com dívidas é presa fácil do diabo”. Com isso se quer dizer que o endividamento para além dos limites da renda rouba a paz familiar e, frequentemente, leva ainda a acusações recíprocas, no mais das vezes injustas e que em nada contribuem para a solução: “é que você fica comprando coisas desnecessárias no supermercado”. “Ah, é?!”, retrucará o outro, “não sou eu que fico mandando uma gorda mesada todo mês para a folgada da sua mãe!”.
Os problemas financeiros que abalam a família costumam ter dimensão mais profunda e nem sempre os casais se dão conta disso: a falta de um planejamento familiar. Essa expressão tem sido tomada, com muita frequência, como sinônima de controle de natalidade. De fato, por vezes as dificuldades econômicas justificam espaçar os nascimentos dos filhos ou mesmo reduzi-os a um número que se possa sustentar com dignidade. Mas não é esse o ponto central do problema. Planejar a vida familiar implica definir, em conjunto, a forma de utilizar os recursos econômicos. Mas, muito mais que isso, que o diálogo seja a forma de conduzir todos os temas, especialmente aqueles que não têm preço, como a educação dos filhos e o amor conjugal.
É fundamental, portanto, que marido e mulher decidam juntos como administrar o orçamento familiar. Não se trata de deliberar sobre a marca de molho de tomate a ser comprada, mas que ambos tenham muito claro o quanto dispõem para gastar e que se empenhem com ações concretas e perseverantes por se manterem dentro desses limites. E que não lhes falte, nessa tarefa, a generosidade de reservar uma parte para entidades que promovam o bem daqueles que são menos favorecidos.
Mas essa forma de administrar a família não se limita às finanças. Igual profissionalismo deve nortear a educação dos filhos. O que queremos para cada um deles? Quais são suas dificuldades? Que ações poderemos tomar nesta semana, no próximo mês, enfim, a cada dia para que esse filho ou essa filha cresçam como pessoas e que nessa evolução sejam responsáveis e felizes? Esses assuntos devem marcar, muito acentuadamente, a pauta do diálogo dos casais.
E também o próprio relacionamento conjugal deve ser tema de uma “pauta de trabalho”. Homem e mulher trazem para o casamento muitas expectativas. Ela gostaria, por exemplo, que ele se mantivesse carinhoso e se preocupasse com ela tal como o fazia nos tempos de namoro. E ele, talvez, que ela mantivesse a mesma disponibilidade para as relações íntimas dos primeiros anos de casamento. E, no dia-a-dia, muitas dessas expectativas são frustradas por um comportamento diferente do que se esperava.
Isso, em si, não é um problema. O pior é quando não manifestamos serenamente e no momento oportuno essas insatisfações. As coisas se avolumam a tal ponto que parecem ter dado veneno ao amor conjugal. Isso revela a importância de um diálogo franco e sincero sobre o que se espera do outro. E depois que haja um empenho decidido de, tanto quanto for possível, corresponder aos legítimos anseios do outro.

Certa vez um amigo me disse que seu pai, já com seus quarenta anos de casado, fez um cartão de visitas que tinha a foto de sua família, e nele constava como profissão marido e pai. Ao lhe perguntarem o motivo disso, ele respondia simplesmente: “é que essa foi a única empresa que montei que deu certo”. E que sucesso! De fato, esse é o único empreendimento que não podemos deixar falir jamais. A propósito, quanto investimos hoje, nesta segunda-feira, em carinho pela esposa, em atenção ao marido e em desvelo sincero e terno pelos filhos?

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Mundo Virtual X Mundo Real

Uma pesquisa realizada pelo Ibope/Nielsen, divulgada pelo Correio Popular na última sexta-feira, aponta o Brasil como o primeiro país do mundo no ranking de horas gastas em navegação na internet. O estudo revela que os 67,7 milhões de internautas brasileiros ficam em média 45 horas por mês na web, ou seja, cerca de uma hora e meia por dia. Ainda que a metodologia da pesquisa seja passível de questionamentos, é inegável – e podemos constatar no nosso dia-a-dia – que cada vez mais passamos parte considerável de nossas vidas no mundo virtual. Esse dado é algo a ser comemorado, ou, ao contrário, deve causar-nos preocupação?
É inquestionável que a internet nos proporciona recursos fantásticos que facilitam muito a vida de todos. A informação é transmitida em frações de segundos a qualquer parte do mundo. Não fosse a agilidade do correio eletrônico, esse artigo não chegaria na redação do jornal até o horário limite do fechamento, por exemplo.
Com a facilidade no envio da informação, as pessoas deveriam dispor de mais tempo. Anos atrás, a mensagem escrita deveria ser impressa, postada e teria de se aguardar dias ou semanas até que chegasse ao destinatário. Com as ferramentas da internet a transmissão dos dados passou a ser instantânea. No entanto, ao contrário do que se poderia supor, as pessoas hoje em dia dispõem de tempo muitíssimo mais escasso que antes.
A agilidade da informação não é o único ponto positivo da internet, mas também a sua acessibilidade. Sou da época em que os trabalhos escolares tinham como fonte quase que exclusiva as enciclopédias, caras e de acesso não muito simples. Hoje a informação buscada jorra fartamente na tela do computador, com gráficos, imagens e sons que facilitam o entendimento.
Mas penso que há, também, pontos negativos no excessivo apego ao mundo virtual: é que ele, mal utilizado, pode fomentar o individualismo. As ferramentas estão sempre ao nosso dispor, de modo que as podemos utilizar para a satisfação puramente pessoal. E mesmo nos chamados chats de relacionamento, aqueles com quem conversamos a distância são, frequentemente, pessoas em quem buscamos o mero entretenimento, mas pouco preocupados com o que sentem, pensam ou sofrem. São diálogos superficiais e pouco interessados nos sentimentos do outro. Além disso, são sempre passíveis de serem bloqueados ou deletados quando não atende a nossos anseios, frequentemente egoístas.
E também o excessivo tempo que se passa diante da internet pode ter consequências ruins, sobretudo para os jovens. E quem pensa assim é nada menos que o fundador da Microsoft. Em pronunciamento feito no Canadá, em 2007, Bill Gates confessou que controla o tempo de acesso dos filhos ao computador e à internet. Ele e sua esposa Melinda definiram um limite de 45 minutos por dia para jogos em dias úteis, e uma hora nos finais de semana, fora o tempo necessário para as tarefas de casa.
E não é muito difícil entender a razão disso. Todos nós, mas especialmente os jovens, necessitamos de conviver com os demais também no mundo real. Por muito úteis que sejam as ferramentas do mundo virtual, não podem elas roubar o saudável convívio familiar. Que triste é observar num restaurante uma mesa com o pai, a mãe e um único filho, cada um ligado no seu smatphone, como que hipnotizado e totalmente alheio ao que se passa com o outro que está diante de si.

Uma das mais gratas lembranças que trago na memória foi a alegria que pude observar num grande amigo, então gravemente enfermo, que ele experimentou por lhe ter enviado uma mensagem de estímulo pelo celular. Ela lhe serviu de grande alento para enfrentar a doença cruel que o afligia. É certo que veio a falecer pouco tempo depois, mas trago gravado na memória o abraço caloroso que me deu, no mundo bem real, em agradecimento àquele pequeno gesto, que no fundo não me custou nada. 

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ser pai hoje

Ontem foi dia dos pais. Boa oportunidade para meditarmos no que é ser pai em nosso tempo. Nossos filhos dominam o mundo da informática com uma facilidade impressionante. Ficamos atônitos com a rapidez com que aprendem a lidar com um novo celular, iPod Touch, iPad etc. E, se os deixarmos, passam horas se relacionando com várias pessoas ao mesmo tempo na internet. Tudo é novidade para nós, de tal modo que ficamos com a impressão de não conseguir acompanhar tão intensas e bruscas mudanças.
Mas o mais impressionante nisso tudo talvez sejam os novos valores que se cultuam no mundo virtual. Num chat de relacionamento vale mudar o nome, o sexo, a idade e até a própria identidade para fingir ser o que não é. Será que a revolução da informática está a exigir uma nova ética a orientar o comportamento humano totalmente diferente do que conhecíamos até então?
Ser pai, hoje como sempre, implica muitos desafios. A nossa dificuldade, porém, está no ritmo frenético que as coisas mudam e acontecem. É que, ao vermo-nos incapazes de acompanhar tais transformações corremos o risco de ficar alheios às vidas dos nossos filhos, sentindo-nos impotentes para lhes transmitir os valores que aprendemos. Pior ainda, duvidando mesmo que tais valores resistirão a tudo isso.
Penso que agora, mais que nunca, nós, pais, devemos aprender e ensinar o que é essencial e o que é acidental no ser humano. Ao vermos como mudam a forma de comunicação, os meios de transporte, os recursos da medicina, dentre outros, corremos o risco de pensar que tudo é mutável, num mundo em constante evolução, mas esquecermos que há algo de imutável no homem, na mulher, na família e na sociedade.
Aquele bebê que um dia contemplamos emocionados na maternidade não é uma espécie de computador totalmente desprovido de sistema operacional a ser “autoformatado”. Traz gravado na alma um forte anseio de amor, de justiça, de vida. Quer viver num lar. Nasce com o direito de ter um pai e uma mãe que o amem e que se amem, com isso demonstrando que foi concebido e veio ao mundo como fruto desse amor puro e nobre, terno e sincero de um homem por uma mulher que se doaram um ao outro incondicionalmente.
Não temos o direito de chegar a casa, ao final de um dia, por mais estressante que tenha sido, e nos esparramarmos no sofá, totalmente alheios ao que se passa com nossos filhos. Também não podemos carregar o ambiente com uma nuvem cinzenta de mau humor e cara amarrada. Nem muito menos distribuir frases azedas que no fundo são consequência do próprio egoísmo que nos leva a pensar somente em nós mesmos, em nossos problemas, esquecendo que não há alegria verdadeira sem sacrifício pelos demais, especialmente por nossos filhos.
Conheço um pai que, preocupado em dar uma boa formação aos filhos, percebeu que somente conseguiria isso se estivesse alegre e de bom humor. Fez, então, o propósito de depositar, simbolicamente, todos os problemas numa pequena árvore que tinha na porta de entrada da casa, para somente pegá-los no dia seguinte e, assim, estar todo atento à esposa e aos filhos. Além disso, antes de entrar, esboçava um sorriso diante do retrovisor do carro. Após isso se sentia preparado para aquele que seria o trabalho mais importante do seu dia. Acredito que em propósitos bem simples e concretos como esse se encerra o segredo do sucesso na paternidade em nosso tempo.

Ser pai hoje é estar “estar por dentro do que rola no mundo da informática”. “Tipo assim, sabe?” é entender de Twitter, msn, blog, YouTube, mas ver em tudo isso mecanismos a serviço do ser humano. É saber que hoje, como há dois mil anos atrás, o homem e a mulher são essencialmente seres que buscam a felicidade e que essa brota num coração de carne. Não é vendida em pen-drive nem se pode fazer um download dela. Ao contrário, conquistam-na numa vida bem vivida por amor ao próximo. E isso, hoje como sempre, nossos filhos têm direito a aprender de nós, pais.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O voto em nome de Deus

Recentemente recebi um correio eletrônico de certo candidato com a seguinte mensagem, ainda que com outras palavras: “se você é católico de verdade vote em mim”. Isso me fez lembrar de um fato ocorrido quando ainda era Juiz Eleitoral. Naquela oportunidade, recebi a denúncia de que um certo ministro religioso, enquanto pregava aos seus fiéis, incitava-os a votarem em determinado candidato. Seriam corretas essas condutas durante o processo eleitoral?
Não pretendemos abordar o assunto estritamente sob o enfoque da legislação eleitoral, mas à luz do princípio da separação entre as entidades religiosas e o Estado.
Penso que o ministro de qualquer entidade religiosa deve ser uma pessoa que orienta os seus fiéis a buscar um sentido transcendente para as suas vidas. Prega e ensina, segundo as suas convicções, quem seria Deus, como se pode buscá-Lo e amá-Lo e também quais seriam os caminhos a serem trilhados para esse fim. Deve fazê-lo, contudo, com profundo respeito à liberdade de cada um, pois o homem é essencialmente livre e não há verdadeira religião se não promove a liberdade humana, inclusive no sentido de que somente se pode buscar a divindade se o fizer livremente.
Nesse sentido, é legítimo que denunciem políticas que contrariem frontalmente suas convicções. Mais ainda, devem orientar seus membros a não votarem em políticos desonestos ou adeptos de programas de governo contrários à dignidade humana. De igual modo, podem orientar seus fiéis a, sem renunciar à liberdade que possuem no exercício do direito do voto, escolherem candidatos comprometidos com os mesmos ideais.
É inaceitável, porém, que um ministro de qualquer entidade religiosa misture o culto e a atividade de formação com campanha declarada a qualquer candidato. É que, nesse caso, soaria nos ouvidos dos fiéis uma mensagem mais ou menos do tipo: “vote nele em nome de Deus”. Ora, ele não possui essa autoridade. É que a escolha, ainda que norteada por uns critérios fundados numa crença religiosa, é sempre um ato pessoal, que toca diretamente na consciência de cada um.
Tampouco é de se prestigiar alianças, declaradas ou veladas, entre entidades religiosas e partidos ou candidatos. Embora se valha do pretexto de eleger políticos que respeitem as convicções de seus fiéis, ou mesmo que aprovem leis que não sejam contrárias a elas, no mais das vezes essas alianças possuem nítido propósito de conquistar um poder político, meramente temporal.
É curioso notar que muitos arautos da construção de um Estado laico não se insurjam contra essa ilegítima tentativa de tomada do poder político por entidades religiosas e, ao contrário, cobrem a todo instante de governantes, parlamentares e magistrados que sejam neutros no exercício de suas funções. Ou seja, exigem que deixem sua fé dependurada do lado de fora de onde exercem seus cargos.
Isso, porém, não é legítimo exigir-lhes. Por exemplo, um parlamentar cristão pode e deve votar contra qualquer tentativa de legalização do aborto porque viola o direito à vida e atenta contra a dignidade da pessoa humana, sobretudo da própria mãe que o faz. De igual modo, um magistrado ao decidir questões dessa natureza não conseguirá se despir de sua fé, como se, no ato de julgar, pudesse inserir um chip em seu cérebro que o faça esquecer de tudo o que aprendeu em sua igreja, em sua escola ou em seu lar. Aliás, tampouco o ateu ou o agnóstico se despem de suas convicções materialistas no ato de decidir. É bem verdade que não seria razoável fundamentar uma sentença em versículos do Evangelho e não na lei legitimamente aprovada no País. Mas pode-se e deve-se fazer uma leitura dessa lei de acordo com a sua consciência.

Não é necessário que os cidadãos abandonem suas convicções ou ajam de forma contrária às suas consciências para que, numa democracia, se construa um Estado laico: ao contrário, a perversão ou supressão das consciências deforma a ordem social. Mas é de extrema importância que as entidades religiosas tenham bem claro qual é o seu âmbito de atuação, seja para não violarem a legítima liberdade de seus membros, seja para não se converterem elas próprias em meros instrumentos para se galgar um mero poder político e temporal.