segunda-feira, 17 de maio de 2010

Estatuto do Nascituro

Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei, intitulado Estatuto do Nascituro que, se aprovado, virá consagrar os direitos do ser humano antes do seu nascimento. Após analisar o conteúdo da norma proposta à luz do momento histórico em que vivemos, fica uma indagação: é necessária essa Lei?
A Constituição Federal assegura a inviolabilidade do direito à vida (artigo 5º), mas não define o seu início para efeito de tutela jurídica. Embora a Lei Maior não esclareça expressamente o momento a partir do qual a vida humana merece ser tutelada, no § 2º do mesmo artigo 5º se estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Com isso, além dos direitos previstos na própria Lei Maior, assegura-se também aqueles previstos nos tratados internacionais. E a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 4º garante que: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ter proteção pela lei e, em geral, desde o momento da  concepção”.
Mas estando esse direito previsto num Tratado Internacional, ficava a dúvida sobre a situação dele frente às normas vigentes no Brasil, ou, numa linguagem mais técnica, qual seria a hierarquia dessa norma.
O Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, analisando outra questão, editou a Súmula Vinculante de n. 25, na qual consagra a ilicitude da prisão civil do depositário infiel. E o argumento utilizado foi que o Pacto de San José, que proíbe a prisão do depositário infiel, está acima das leis do nosso País.
Ora, se esse argumento serve para proibir a prisão do depositário relapso, tanto mais se aplica na tutela da vida humana. Ou seja, como a mesma Convenção Americana sobre Direitos Humanos assegura a vida desde a concepção, essa norma está acima de qualquer outra, exceto da Constituição Federal, ao tutelar os direitos do nascituro desde o momento em que concebido.
Nesse cenário, poderia se sustentar que o nascituro já possui proteção jurídica suficiente, sendo desnecessário o Estatuto. Porém, vivemos num momento de turbulência, de modo que as coisas precisam estar mesmo muito bem definidas, em especial quando se trata do direito mais elementar que possui todo ser humano: a vida.
Nesse propósito, ouso dizer que o Estatuto do Nascituro é, em alguns aspectos, até tímido nas expressões utilizadas. Exemplo disso é o disposto no artigo 3º. Diz ele: O nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica através deste estatuto e da lei civil e penal. É que não vejo inconveniente em que fosse assegurada personalidade jurídica ao nascituro, ainda que o exercício de alguns direitos civis ficasse condicionado ao seu nascimento com vida. O parágrafo único desse artigo consagra que o nascituro goza da expectativa do direito à vida. Não há motivo para que se lhe assegure mera expectativa. Esses direitos ele já tem em plenitude e, de certa forma, seria um reducionismo tratar como mera expectativa.
Apesar disso, a norma contém inúmeros avanços na defesa dos direitos da pessoa humana desde a concepção. Impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a saúde, a alimentação, a dignidade e o respeito ao nascituro. Determina também a adoção de políticas públicas que defendam a vida desde o momento da concepção, o que implica desde atendimento pelo Sistema Único de Saúde até o direito a pensão alimentícia.

Vivemos numa democracia representativa. Os parlamentares são nossos representantes e, como tal, agem em nosso nome na elaboração das leis. É, portanto, legítimo que cobremos deles uma atuação coerente com as convicções que motivaram nosso voto. E nesse momento eles são chamados a decidir se naqueles nove meses em que todos estivemos no ventre materno, para efeitos legais, fomos seres desprovidos de quaisquer direitos, ou, bem ao contrário, pessoas humanas dotadas de igual dignidade que aqueles que já tiveram a imensa felicidade de nascer.

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