Dentre
as muitas boas lembranças que guardo do meu avô paterno, uma das que me são muitas
significativas, se deu quando minha avó se encontrava em seu leito de morte. Um
amigo que ele possuía desde várias décadas antes que eu nascesse chegou,
deu-lhe um forte abraço, sério e terno e disse apenas: “Compadre, como você
está?”. Meu avô me havia dito, por mais de uma dezena de vezes, que esse amigo
havia arriscado a vida para salvar um de seus filhos, no caso, meu tio. E,
naquela situação dolorosa, com um abraço, externava: “Estou aqui. Conte comigo
para o que precisar”. Nunca me calou tão forte na alma o valor de uma grande
amizade.
De
fato, é muito bom ter um amigo de verdade! Aquele com quem se possa contar
sempre que for preciso. Aquele por quem nos sacrificamos sem esperar nada em
troca, mas apenas porque é nosso amigo. Mas haverá ainda em nosso mundo tão
egoísta e interesseiro, esse bom amigo? Onde encontrá-lo?
De
novo me vêm à memória, com forte emoção, os exemplos do meu avô. Eu já estava
nos primeiros anos da faculdade e lhe disse que encontrei um bom colega, mas
que não conseguia manter amizade com ele, pois eu gostava de tomar uma
cervejinha com os amigos e ele não bebia. Meu avô, com a sabedoria dos anos bem
vividos, ensinou-me: “mas filho, não é só a cerveja que formar uma amizade. Vai
conversando com ele e, aos poucos, encontrará pontos em comum. Eu tinha um tio
que gostava muito de mim, e ele também não bebia. Mas nós gostávamos de caçar,
e enquanto caçávamos cada um conquistava o coração do outro”. Não me lembro se
foram bem essas as palavras que me disse, mas certamente foi essa a mensagem
que me passou.
É
verdade. Para ser amigo é necessário ter pontos em comum. Mas é também verdade
que todo ser humano tem pontos em comum. Na essência, todo homem e toda mulher
têm um anseio irreprimível por ser feliz e que essa felicidade dure para
sempre, ainda que tenham diferentes pontos de vista sobre como atingir isso.
Ou, mais ainda, dúvidas sobre a possibilidade de se atingir esse ideal.
Certa
vez um amigo me convidou para um churrasco em sua casa. Também
convidou um amigo (e compadre) dele. Quando esse chegou, o anfitrião lhe
perguntou: “Não esqueceu nada?”. “Não, que eu saiba”, respondeu o convidado. E
então o dono da casa lhe entregou o celular, que ele havia se esquecido no
carro, envolto num embrulho com uns charutos de uma marca que o amigo apreciava
muito. Que delicadeza! De fato, é nos pequenos gestos que se sela para sempre
uma grande amizade.
Numa
reunião de família na casa de minha mãe, uma ajudante que ela contratou para o
serviço extraordinário que teria por ocasião da festa, veio acompanhada de sua
filha, que tem uma limitação física. E essa criança não se entrosou facilmente
com as demais, de modo que meu pai interveio, pedindo que uma das minhas filhas
brincasse com ela. O pedido foi prontamente atendido e as duas meninas se
divertiram muito por várias horas. Ao final, meu pai entendeu por agradecer à
neta pelo gesto caridoso, ao que ela respondeu: “não precisa agradecer, eu brinquei
com ela porque quis”. Que simples são as crianças! Não reparam nas diferenças.
Passam por cima delas em busca de algo mais sublime.
No
ano passado, em viagem à minha terra natal, encontrei um grande amigo de
infância. O João trabalhava como pedreiro numa reforma e ficou feliz em me ver. E tanto mais me
alegrei com o reencontro. No início, ele se manteve um pouco reticente em ver
como reagiria o amigo que agora ocupa um cargo importante numa cidade grande. E
eu só conseguia ver como o João era bom de bola... e eu, perna de pau. O gelo
se quebrou num instante e a conversa, recheada de boas recordações, fluiu
amena. Com efeito, quão ridículas e pequenas são as diferenças diante da
amizade que se forja no nosso coração e que, se sincera e cultivada com generosidade,
frutifica com vocação para se projetar para a eternidade!