A cultura de um povo, de certa forma, molda a sua própria identidade. A
arte, a música, a dança, a literatura, dentre outras manifestações culturais, são
expressões do modo de ser de um povo que, captadas pelo espírito observador dos
artistas e exteriorizadas por eles em suas obras, enriquecem os demais
indivíduos com a beleza estampada em suas criações, ao mesmo tempo que
consolidam o próprio modo de ser da sociedade.
Comemoramos nesses dias a festa do carnaval. É inequivocamente uma
manifestação cultural do brasileiro. Os carros alegóricos, o samba, as
fantasias de rua e, por que não, as marchinhas de salão, expressam o espírito
criativo de entranhável beleza que perdura e se renova há várias gerações.
Mas se, como dizemos, as manifestações culturais são, ou deveriam ser,
genuinamente enriquecedoras para um povo, podem elas também se transformar em
instrumento de desagregação social ou de alienação dos indivíduos que compõem
essa sociedade? E quando e em que medida essa deturpação pode ocorrer?
Quando um artista projeta e constrói a sua obra, tem muitas coisas em
mente. Não é possível fotografar a alma de um gênio da música, da literatura,
da pintura, da escultura etc. Mas a sua genialidade está especialmente em ser a
sua obra exatamente uma expressão do que traz na alma e que se exterioriza para
o bem daqueles que se extasiarão com a sua beleza. É, essencialmente, um agir
de dentro do artista para fora com vistas a edificar os demais. E assim se faz
a verdadeira arte.
Porém, pode suceder que os protagonistas de uma manifestação cultural
qualquer façam um movimento exatamente contrário. Ou seja, apropriam-se de uma
situação para extrair dela um prazer egoísta e centrado em si próprio,
simplesmente usando e abusando dos demais.
Tomemos um exemplo. Numa escola de samba, pode haver pessoas que trajam
uma fantasia, sabendo-se parte de um enredo cujo objetivo é extasiar os demais
com a beleza de toda aquela produção. E então se dá o melhor de si desde a
elaboração da fantasia, o treino e, enfim, a apresentação. Mas haverá, outros
tantos, que pouco se importam com quem quer que seja, desejam brilhar,
encontrar um parceiro com quem poderá obter um prazer sensível sem compromisso
algum, mais passageiro que os efeitos do álcool ou da droga fartamente consumida
nesse contexto.
Ao final de uma noite, ou na quarta-feira de cinzas, podem-se contemplar
esses últimos com os “olhos vermelhos” e, “conclusão, de manhã nossa roupa
espalhada no chão”. Mas, que me permita o Guilherme Arantes ir mais além de sua
conclusão, trarão eles em suas entranhas o grito ensurdecedor de um vazio
interior que precisa ser preenchido por algo. Mais balada? Mais gritaria? Mais
folia?
Mas os verdadeiros construtores de uma cultura autêntica são os
primeiros. Ao extasiar os demais com a beleza de sua arte edificam-se a si
próprios. E neles não há vazio interior. É que a arte é e deve ser a expressão
de suas vidas. Em ambas se busca e se faz o belo com vistas no bem dos demais.
E para quem vive assim, não falta nada. A água de uma poça fechada em si mesma
apodrece e logo seca. E assim acontece desgraçadamente com a vida dos que
colocam na busca do prazer sensível e egoísta a única razão para as suas vidas.
Já as fontes de águas límpidas, abertas para a vida dos demais, estão sempre a
jorrar e, quanto mais se dão, mais se têm, sempre clara e em abundância. Assim
é a vida dos verdadeiros artistas de ontem e de hoje, que se eternizam em suas
obras legadas por uma alma benfazeja a toda a humanidade.
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