segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Premiar o esforço

Recentemente tivemos a notícia de que o Presidente Lula e a Associação dos Campeões Mundiais do Brasil estariam negociando a aposentadoria e indenização para os atletas da seleção que ganharam Copas do Mundo. Comentando o tema, TOSTÃO, ex-jogador de futebol, comentarista esportivo, escritor e médico, dentre outras considerações, disse:
Na semana passada, ao chegar de férias, soube, sem ainda saber detalhes, que o governo federal vai premiar, com um pouco mais de R$ 400 mil, cada um dos campeões do mundo, pelo Brasil, em todas as Copas. Não há razão para isso. Podem tirar meu nome da lista, mesmo sabendo que preciso trabalhar durante anos para ganhar essa quantia. O governo não pode distribuir dinheiro público. Se fosse assim, os
campeões de outros esportes teriam o mesmo direito. E os atletas que
não foram campeões do mundo, mas que lutaram da mesma forma?
Não pretendemos fazer comentários sobre o aspecto ético ou legal da medida. Talvez o façamos em outra oportunidade. Mas essa última frase dita pelo Tostão merece ser meditada por todos, em especial pelos educadores. De fato, somente os campeões, os melhores, os que se destacam, os que vencem devem ser reconhecidos e premiados?
É comum que os pais elogiem os filhos quando vêem que tiram notas boas na escola ou quando se destacam num esporte, especialmente se for na modalidade de preferência do pai. É bom reconhecer o êxito e o sucesso dos filhos e dos alunos. Eles necessitam de se sentirem aprovados pelos pais e pelos professores. Porém, mais importante que valorizar os êxitos e as vitórias, que ademais todos o fazem, o bom educador deve saber reconhecer o esforço. Nesse sentido, pode acontecer que a nota seis de um filho em língua portuguesa mereça mais elogio que o oito do outro em matemática.
Essa postura não pode ser tida como um estímulo à mediocridade. Afinal, bem ou mal o mundo exige resultados e temos de saber a lidar com isso. Mas os pais e professores devem saber e, mais que isso, ser coerentes em suas atividades educativas, que cada filho, cada aluno é único, com seus defeitos e suas limitações. Cabe ao educador estimular para que se supere, vença os defeitos e, se possível, que dilate os seus limites. Mas sempre teremos limitações.
É preciso saber ressaltar as qualidades. Antes de qualquer crítica, ou mesmo de uma exigência em um ponto qualquer, convém que se reconheça o que o filho ou aluno possui de bom. Depois de se elogiar é que se pode exigir que sejam melhores ainda naquilo que já fazem bem e em outros aspectos em que ainda não o fazem.
Essa tarefa não é fácil. Querendo empregar bem essa técnica, certa vez chamei pelo meu filho que precisava melhorar em um aspecto, de que agora não me lembro, e então comecei pelos dois elogios. Como ele já me conhece bastante, ao esboçar o primeiro elogio, ele já disse: “Tá bom, pai, pode pular essa parte. O que você quer que eu faça agora?”. Talvez uma solução para isso seja não fazer sempre elogios “interesseiros”. Ou seja, elogiar sempre que há um esforço por fazer algo bom, independentemente de, na seqüência, vir com uma nova exigência. E, quando essa for necessária, conseguiremos dele ou dela a atenção necessária.

A educação consiste em formar de maneira completa a personalidade. Isso implica reconhecer as limitações exatamente para superá-las e saber conviver com elas. O grande desafio do educador é reconhecer não apenas o êxito obtido em padrões de avaliação pré-estabelecidos, mas, sobretudo, o esforço daquele a quem se educa em dar o máximo de si em tudo o que faz.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Carnaval

A cultura de um povo, de certa forma, molda a sua própria identidade. A arte, a música, a dança, a literatura, dentre outras manifestações culturais, são expressões do modo de ser de um povo que, captadas pelo espírito observador dos artistas e exteriorizadas por eles em suas obras, enriquecem os demais indivíduos com a beleza estampada em suas criações, ao mesmo tempo que consolidam o próprio modo de ser da sociedade.
Comemoramos nesses dias a festa do carnaval. É inequivocamente uma manifestação cultural do brasileiro. Os carros alegóricos, o samba, as fantasias de rua e, por que não, as marchinhas de salão, expressam o espírito criativo de entranhável beleza que perdura e se renova há várias gerações.
Mas se, como dizemos, as manifestações culturais são, ou deveriam ser, genuinamente enriquecedoras para um povo, podem elas também se transformar em instrumento de desagregação social ou de alienação dos indivíduos que compõem essa sociedade? E quando e em que medida essa deturpação pode ocorrer?
Quando um artista projeta e constrói a sua obra, tem muitas coisas em mente. Não é possível fotografar a alma de um gênio da música, da literatura, da pintura, da escultura etc. Mas a sua genialidade está especialmente em ser a sua obra exatamente uma expressão do que traz na alma e que se exterioriza para o bem daqueles que se extasiarão com a sua beleza. É, essencialmente, um agir de dentro do artista para fora com vistas a edificar os demais. E assim se faz a verdadeira arte.
Porém, pode suceder que os protagonistas de uma manifestação cultural qualquer façam um movimento exatamente contrário. Ou seja, apropriam-se de uma situação para extrair dela um prazer egoísta e centrado em si próprio, simplesmente usando e abusando dos demais.
Tomemos um exemplo. Numa escola de samba, pode haver pessoas que trajam uma fantasia, sabendo-se parte de um enredo cujo objetivo é extasiar os demais com a beleza de toda aquela produção. E então se dá o melhor de si desde a elaboração da fantasia, o treino e, enfim, a apresentação. Mas haverá, outros tantos, que pouco se importam com quem quer que seja, desejam brilhar, encontrar um parceiro com quem poderá obter um prazer sensível sem compromisso algum, mais passageiro que os efeitos do álcool ou da droga fartamente consumida nesse contexto.
Ao final de uma noite, ou na quarta-feira de cinzas, podem-se contemplar esses últimos com os “olhos vermelhos” e, “conclusão, de manhã nossa roupa espalhada no chão”. Mas, que me permita o Guilherme Arantes ir mais além de sua conclusão, trarão eles em suas entranhas o grito ensurdecedor de um vazio interior que precisa ser preenchido por algo. Mais balada? Mais gritaria? Mais folia?

Mas os verdadeiros construtores de uma cultura autêntica são os primeiros. Ao extasiar os demais com a beleza de sua arte edificam-se a si próprios. E neles não há vazio interior. É que a arte é e deve ser a expressão de suas vidas. Em ambas se busca e se faz o belo com vistas no bem dos demais. E para quem vive assim, não falta nada. A água de uma poça fechada em si mesma apodrece e logo seca. E assim acontece desgraçadamente com a vida dos que colocam na busca do prazer sensível e egoísta a única razão para as suas vidas. Já as fontes de águas límpidas, abertas para a vida dos demais, estão sempre a jorrar e, quanto mais se dão, mais se têm, sempre clara e em abundância. Assim é a vida dos verdadeiros artistas de ontem e de hoje, que se eternizam em suas obras legadas por uma alma benfazeja a toda a humanidade.