segunda-feira, 25 de maio de 2009

Pedofilia e educação sexual

O Correio Popular, na edição do dia 19 de maio passado, trouxe a alarmante notícia de que, a cada dois dias, uma criança é diagnosticada vítima de violência sexual em Campinas. Na mesma matéria se informam as iniciativas que estão sendo tomadas pelas autoridades. Penso que a atuação policial e as medidas legislativas, mencionadas na reportagem, são importantes para a solução desse problema tão grave. Porém, serão elas suficientes para erradicar esse câncer que cada vez mais flagela nossas crianças e adolescentes, deixando neles danos e traumas muito difíceis de serem superados?
Acredito que a questão não será resolvida enquanto não se resgatar em nossa sociedade a importância do amor conjugal e, como parte inseparável dele, o verdadeiro sentido da relação sexual.
Um amigo me contou um incidente que lhe ocorrera quando do nascimento de sua filha. Nos primeiros dias, o filho mais velho permanecia junto à mãe, observando como ela cuidava da irmãzinha recém-nascida. Após o primeiro banho, o garoto disse à mãe com ar de quem havia feito uma grande descoberta: “Mãe, ela é muito pequenininha!”. A mãe respondeu: “Sim, filho, é por isso que ainda não tem cabelo e nem dentes.” E o menino completou: “Olhe, mãe! Ela também ainda não tem pipi!..”. A mãe soltou uma risada muito divertida e terna, enquanto deu um grande abraço no menino.
Como são puras e sinceras as crianças! Por esse motivo temos receio em falar-lhes sobre relação sexual, talvez pensando que quando tirarmos a cegonha da história lhes mataremos a inocência. Na verdade não é assim. O pai com os filhos e a mãe com as filhas devem expor-lhes sobre o assunto antes que saibam de forma distorcida por coleguinhas ou estranhos.
Evidentemente, há de se escolher a idade certa e o momento oportuno, mas não é necessário ficar com muitos rodeios. A melhor receita é sermos simples, como as crianças o são.
Soube de outro caso pitoresco. O garoto estava escrevendo algo num livro de histórias em quadrinhos e, num momento, interrompeu a leitura e perguntou ao pai: “Pai, o que é sexo?”. O pai olhou para a mãe e pensaram juntos: “Está na hora de explicar-lhe sobre as cegonhas”. Saiu com o filho e, depois de muitas voltas, explicou-lhe sobre as relações sexuais. O garoto ouviu tudo interessadamente. Quando o pai concluiu as explicações, ele disse-lhe: “Tudo bem pai, entendi. Mas tudo isso que você falou não cabe nesse quadrinho da ficha que estou preenchendo para concorrer a um brinquedo”. “Ah!, sim” – disse o pai desapontado – “nesse quadrinho você coloca a letra M, de masculino”.
Um dos exemplos mais fantásticos que soube sobre esse assunto se dera com uma mãe que foi interpelada “à queima-roupa” pela filha de dez anos logo ao chegar à casa do colégio: “Mãe, é certo fazer sexo sem se casar?”. A mãe, que preparava o jantar, desligou as panelas, pediu delicadamente que os irmãos a deixassem a sós com essa filha e, em seguida, sentou-se com ela e disse-lhe olhando nos olhos: “Filha, não vou lhe dizer se é certo ou errado. Essa resposta é você que deverá encontrar por si mesma no momento certo. Mas vou dizer-lhe o que eu penso. Acredito que o casamento é uma vocação, é um chamado que recebemos de Deus para viver nessa condição. E as pessoas que têm essa vocação são como que um imenso tesouro, que estão ainda embrulhados, numa linda embalagem. Quando encontram a pessoa que merece receber esse presente, então ela se dá a si mesma como presente. Eu encontrei o seu pai e dei a mim mesma a ele. E ele fez o mesmo por mim. E por isso somos muito felizes, porque nos amamos. E você é fruto desse amor. Agora eu lhe pergunto: está certo abrir o presente para usá-lo antes de o entregar àquele a quem queremos presentear? E quando se dá um presente, é certo pedi-lo de volta? E aquele que recebe um presente que custou muito esforço, carinho e dedicação a quem o deu, está certo desprezar e devolver esse presente?”

A criança ficou pensativa, mas feliz e deu um grande abraço na mãe enquanto lhe disse: “Isso quer dizer que você vai ficar com o papai para sempre?”. “Sim, meu amor, para sempre”, respondeu a mãe sem se preocupar que ela notasse as lágrimas que vertiam de seus olhos.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Intrigas eletrônicas

Há poucos dias, numa dessas listas de discussão que se faz pela internet, ocorreu um incidente que, ao menos inicialmente, pareceu por demais desagradável. Um dos integrantes da lista, sensibilizado com uma dada tragédia, da qual fora vítima um membro do grupo, enviou a todos um pedido de ajuda aos demais integrantes. Houve repostas positivas e muitos se solidarizaram e se dispuseram a ajudar. Um deles, porém, num momento de irritação, quiçá aborrecido pela insuportável quantidade de mensagens que entupia sua caixa postal eletrônica, deu uma reposta grosseira e um tanto quanto irônica. Isso gerou polêmica e muita confusão. Tive a sorte de ficar dois dias sem acessar a caixa de mensagens de modo que, quando o fiz, estava ela repleta. Mas tive o privilégio de observar o fato quando já estava consumado.
Estou certo de que muitas pessoas passam por situações semelhantes e já presenciaram como e-mails agressivos ou difamadores se espalham a um imenso número de pessoas e, tal como fogo ateado no álcool, geram rapidamente estragos enormes. Penso que essa constatação nos remete para uma indagação: estamos interiormente preparados para viver num mundo em que a informação se transmite numa velocidade e com uma facilidade fascinantes?
Há alguns séculos se uma pessoa pensasse em dizer algo a outra que a ferisse teria de se deslocar para falar pessoalmente, mandar um mensageiro ou enviar uma carta. Para isso seria necessário escrever, selar a correspondência e levá-la ao correio. Quem a recebesse, não pensaria em fazer várias cópias manuscritas para, depois, também selar e postar para outros... E se se dispusesse a fazê-lo, isso demandaria tempo e esforço, de tal sorte que muitos desanimariam no caminho. É que a raiva costuma passar e então o mais fácil é relevar a ofensa...
Hoje, ao contrário, tudo é instantâneo. Alguém recebe uma mensagem eletrônica que não lhe agrada e, em menos de um minuto, pode “dar o troco” com muito veneno e irritação. Além disso, pode encaminhar a mensagem para um grande número de pessoas, que, por sua vez, irá tomar partido de alguém, ou difundir ainda mais a discórdia.
E não é apenas a intriga que pode se propagar rapidamente, mas também outras coisas ruins, como a pornografia. Isso sem contar o insuportável lixo eletrônico. Alguém já se dispôs a contar quanto tempo se perde apenas apagando as mensagens que não serão lidas?
Apesar desses inconvenientes, a velocidade da informação não é algo em si ruim. Há muitas coisas boas que somente se conseguem por meio dela. Um dia desses, enquanto conversava com um amigo, ele parou a conversa para enviar uma mensagem ao celular da filha, pois sabia que em cinco minutos ela faria uma prova que a preocupava muito, querendo com isso acalmá-la e deixá-la mais segura. Conheço também um casal que, apesar de terem contraído o matrimônio há quase duas décadas, é raro o dia em que não trocam um e-mail ou uma mensagem pelo celular apenas para dizer: “eu te amo!”.
Felizmente, a história que relatei no início teve um final feliz. Aquele que deu a resposta indelicada prontamente se desculpou, enviando a mensagem a todos. Com isso, mostrou uma grandeza de alma, reconhecendo o erro. Assim, ambos ganharam a estima de todos: o que tomou a iniciativa de pedir ajuda pela sua generosidade e altruísmo, e o outro pelo nobre gesto de pedir perdão. E todos que participaram do entrevero saíram fortalecidos pelos dois bons exemplos.

Deixando de lado os saudosismos baratos, afinal, o mundo não voltará para a era das cartas e dos pombos-correio, a velocidade da informação é um fato inquestionável. Ela em si não é boa nem ruim, mas depende do que se transmite nesse ritmo frenético. Devemos, pois, ser responsáveis e empenhados em transmitir coisas boas, que façam mais agradável a vida dos demais. Afinal, más notícias, intrigas  e fofocas existem desde os tempos da carochinha.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dia das mães: será só comércio?

“Tudo é só comércio!”, exclamam os tristes pessimistas sempre que se aproximam as grandes datas festivas. “Dia das mães!”, dirão em seu insuportável tom lamuriento, “é apenas ocasião de o comércio incrementar suas vendas!”. Mas será que o dia das mães é apenas isso?
Penso que o verdadeiro significado das comemorações há de ser encontrado, sobretudo, em nosso interior. Será apenas comércio para aqueles que já se esqueceram (ou nunca aprenderam) o valor que pode haver no doar-se aos demais. Com efeito, podemos nos dirigir aos shoppings, lotados nessa época, resmungando por ter de encontrar um presente sem ter dinheiro suficiente e, o que é pior, sem a menor idéia do que comprar. Mas podemos, ao contrário, esforçarmo-nos por ser observadores e assim buscarmos algo que as agrade, mais que isso, que as surpreenda. É que o amor é inventivo, tanto que sabe sacar uma surpresa de qualquer carteira. Aliás, quanto menos se tem, mais se pode inventar e, com isso, demonstrar a elas que as amamos. E isso não é só comércio.
E se o dia das mães não pode ser para nós apenas comércio, a mulher, a mãe não pode jamais ser assim tratada. E digo isso porque há uma terrível tendência, ainda que muito sutil, de a transformar em mero objeto de satisfação. Nos anúncios de casas e apartamentos, destinados a consumidores masculinos, é freqüente aliar a maquete do imóvel com um carro do ano e uma mulher bonita... Ou seja, tudo o que ele precisa para ser feliz: um carro, uma casa e uma mulher bonita, todos harmonicamente dispostos como meros objetos de sua satisfação. E os exemplos nas campanhas publicitárias são imensos. Inúmeros são os produtos sutilmente aliados a mulheres bonitas, ambos destinados apenas a proporcionar uma satisfação.
Penso que se faz necessária uma saudável rebeldia contra isso. Uma espécie de novo feminismo. É que a mulher trilhou um longo percurso para ter a nível institucional reconhecida a sua igualdade jurídica, porém, por vias escusas, querem confiná-la novamente na mais torpe escravidão, de mero objeto de satisfação. Sinal mais grotesco disso está no fato de o Ministério do Trabalho ter catalogado dentre as ocupações do mercado de trabalho “profissional do sexo”, nisso explicitamente incluídas garota de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta, dentre outras atividades do gênero.
A mulher não quer ser apenas objeto de uma satisfação fisiológica. Expressa muito bem isso uma lista de “reivindicações” que uma esposa faz ao seu marido:
“– Seria tão bom que você não me falasse nesse tom de voz tão ríspido;
“– que elogiasse o vestido novo que comprei ou a forma diferente com que preparei o risoto... E que alguma vez me dissesse que continua a gostar de mim e que me acha bonita;
“– que não tivesse detalhes de carinho comigo apenas quando deseja ter uma relação mais íntima;
“– que se ocupasse um pouco mais dos filhos quando volta do trabalho ou nos fins de semana;
“– que colaborasse um pouco mais na ordem material da casa e nos consertos...”. O livro AS CRISES CONJUGAIS, de Rafael Llano Cifuentes, do qual extraí esse texto, também traz uma lista de reivindicações dos maridos. Mas essas eu tratarei em outro artigo. Afinal, é dia das mães.

Mais que desejada, a mulher quer ser amada. Não que seja ruim que, nós, homens, sintamos atração por ela. Além de natural, esse atrativo é bom e saudável, especialmente se se orienta para uma relação em que reina a lealdade e a responsabilidade, com todas as conseqüências e compromissos que isso implica. Porém, a imensa dignidade da mulher se encontra no amor. Amor que, de tão profundo, se faz fecundo e então desemboca naquilo que a faz mais sublime em toda a criação: ser mãe. Isso não é, não pode ser, só comércio. É que ser mãe é doação, é vida. E vida ... não tem preço.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O artigo que você não lerá

Quando me atrevo a escrever essas palavras, meu caro leitor, é sexta-feira, 1º de maio, pela manhã. Acabo de receber a notícia de que faleceu um grande amigo que é para mim mais que um irmão, o Francesco Langone.
Ele era titular de um currículo invejável: Professor Livre Docente da Universidade de Campinas; livre-docente pela UNICAMP; pós-doutorado pela Fidia Research Laboratories; pós-doutorado pela Universita Degli Studi Verona; doutorado pela Universidade de São Paulo, USP; mestrado pela  Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Seu currículo conta ainda com inúmeros trabalhos científicos publicados, participações em bancas de doutorado e mestrado, de modo que seria impossível citar, ainda que brevemente, neste espaço. Porém, ainda que seja enorme o trabalho que desempenhou em sua vida pelo progresso da ciência, esse não é o seu maior legado.
Não quero que essas palavras soem apenas como uma homenagem póstuma, nem como um simples reconhecimento do que foi um grande homem. Seria dizer muito pouco do querido Francesco simplesmente elogiar-lhe nesses momentos de dor, até porque, em sua imensa humildade, ele por certo o rejeitaria. Aliás, seria uma imensa bobagem querer proporcionar elogios aqui em baixo para aquele que agora ouve doces palavras do Pai celeste a quem ele em tudo buscou servir na sua vida.
Deixo que saiam, porém, essas palavras, ainda que soem à homenagem, para que você, caro leitor, e eu também, possamos ter gravado, enquanto durarem esse papel e essa tinta, o exemplo magnífico de um homem que soube doar a vida pelos seus amigos.
Antes de enviar os artigos para esta coluna, eu costumava enviá-los ao Francesco para que me aconselhasse. Por vezes o e-mail voltava dizendo que estava bom. Em não raras ocasiões, porém, ele me sugeria que desse um tom mais positivo e alegre, que animasse as pessoas já cansadas de tantas mensagens negativas. Em outras, ainda, pedia-me que desse uma tonalidade mais humana e menos “religiosa” aos textos. É que seriam lidos por pessoas de diversas crenças, ou mesmo sem fé alguma, e todos mereciam um alento para lutarem por serem melhores e darem um sentido novo as suas vidas.
Trabalhador incansável, alegre, sereno, disponível aos amigos. Assim foi o Francesco. Sinal claro disso é a saudade que já dói poucos momentos após a despedida.
É impressionante notar como os grandes homens se despedem deste mundo com imensa dignidade. Foi muito querido entre os colegas da UNICAMP. Os amigos, muitos, que os visitavam nos momentos de despedida, eram contagiados por uma mistura de tristeza e serena alegria. Seriam esses sentimentos contraditórios? Penso que não. A perda e a separação causam tristeza, afinal, somos humanos. Porém, a certeza de que há um sentido para nossas vidas, estampada num exemplo tão marcante, não deixa de nos imprimir também uma profunda alegria. Essa alegria nasce do mais íntimo de nosso ser e, aos poucos, vai irrompendo para as extremidades, deitando fora a própria tristeza, substituída agora por uma serenidade.
Serenidade. Como a tens agora estampada em si e em todas as faces que te velam, caro amigo! Talvez seja esse o seu maior legado. Num mundo tão atribulado, em que se corre atonitamente dum lado a outro no mesmo ritmo frenético das comunicações eletrônicas, há pessoas que, sem deixar de viver neste mesmo mundo, sabem estar com os amigos, falar fitando-lhes nos olhos, enquanto deixa que a conversa discorra naturalmente sobre diversos temas: trabalho, família, futebol, Deus etc...
 Despedimo-nos dele numa sexta-feira, 1º de maio, dia dedicado ao trabalho. Que delicadeza de Nosso Senhor chamá-lo para a Sua casa nesse dia! Quantas vezes em sua vida o Francesco ensinou aos seus colegas e amigos a mensagem que deu sentido a sua própria vida, e que ele viveu até o seu último minuto: o trabalho é caminho de santidade, é ocasião de encontro com Deus.

Aceite, caro leitor, compartilhar um pouquinho da minha angústia: o Francesco não lerá esse artigo antes de eu enviá-lo à redação. Se lesse, por certo não permitiria que lhe fizesse esse elogio. Porém, ainda assim o faço, não para desagradá-lo, é evidente, mas para que todos nós aprendamos com o seu exemplo maravilhoso: vale a pena dar a vida pelos amigos!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A Vida no STF: dois pesos e duas medidas?

O Correio Popular, na edição da última terça-feira, dia 28 de abril, trouxe um artigo muito bem fundamentado, de autoria do advogado e jornalista Hélio Bicudo e do Promotor de Justiça Tiago Cintra Essado, intitulado “Vida: a Constituição e o STF”. O tema foi muito bem abordado, com argumentos coerentes e de uma lógica jurídica insuperável. Apesar disso, penso que há um ponto a mais a ser considerado: o STF, em recente decisão, reconheceu validade à Convenção Americana de Direitos Humanos.
O julgamento não trata propriamente do direito à vida, mas da prisão civil do chamado depositário infiel. Para que entenda o leitor que não tem conhecimento jurídico, depositário infiel é aquele que, tendo em depósito de um bem que não é seu, transfere-o a terceiro, deixando de devolver quando solicitado.
O depositário infiel estava sujeito à prisão civil que visava forçá-lo a devolver o bem. O fundamento da recente decisão do STF é que, apesar do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal prever essa modalidade de prisão, o § 2º do mesmo artigo estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes (...) dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. E o Brasil tomou parte do chamado Pacto de São José da Costa Rica, que instituiu a Convenção Americana de Direitos Humanos. E essa, em seu artigo 7º, 1 assegura que: Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridades judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Como a Convenção assegura uma garantia mais ampla, permitindo a prisão por dívida exclusivamente do devedor de alimentos, o STF entendeu impossível a decretação da prisão civil do depositário infiel.
Talvez essa decisão não seja muito simpática aos credores. Imaginemos uma situação de um bem que foi penhorado e é levado a leilão. Alguém o adquire, porém, no momento de entregar o bem, descobre-se que o devedor o vendeu a terceiros. Nesse caso, o Juiz, no mais das vezes indignado com a conduta desrespeitosa do devedor, decretava-lhe a prisão até que entregasse o bem ou o equivalente em dinheiro. Porém, com o recente entendimento do STF, isso não é mais possível. Apesar de ser isso uma grande benesse ao devedor malicioso, penso que a orientação da nossa Suprema Corte está juridicamente correta. É que a Convenção que trata de direitos humanos está acima de nossas leis.
Porém, espero que o mesmo entendimento seja adotado na tutela da vida. É que dispõe o artigo 5º da Constituição Federal que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Discute-se o alcance do direito à vida, consagrado na nossa Lei Maior, pois ela não define o momento a partir do qual pode ser considerado que há uma vida no ventre materno. Contudo, a Convenção Americana de Direitos Humanos não deixa qualquer dúvida. Em seu artigo 4º, 1, consagra com todas as letras: toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ter proteção pela lei e, em geral, desde o momento da  concepção. Ninguém pode ser privado arbitrariamente (grifo nosso).
Assim, qualquer forma de aborto, por violar o direito à vida, que por sua vez é assegurado desde a concepção, é inconstitucional, ou, quando menos, viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, que, no entender do STF, está acima de qualquer lei ordinária de nosso País. Ou será que o tratado internacional serve apenas para tutelar os direitos do depositário infiel?

Penso que é chegado o momento da população exigir coerência do Judiciário. Para isso, não basta que os seus integrantes, em especial os membros da Corte Suprema, tenham um tratamento respeitoso entre si, abstendo-se de lamentáveis “bate-boca”. É necessário que não haja dois pesos e duas medidas, especialmente quando a questão a ser decidida seja o direito mais importante consagrado na nossa Constituição Federal: a vida.