segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Solidão

Na semana passada ouvi num programa de rádio um debate. Nele o apresentador expôs aos dois entrevistados a seguinte afirmação: “Hoje em dia, a solidão mata mais que o cigarro. Você concorda com isso?”. Trata-se de um tema interessante. Normalmente naquele programa a conversa envereda mais para a política ou economia, e as considerações são muito sábias. Nesse assunto, porém, os comentários deixaram a desejar. É que ora se afirmou que no mundo moderno, com as facilidades de comunicação, em especial com os recursos da internet, é muito raro uma pessoa estar verdadeiramente sozinha, ora se disse que a solidão chama o cigarro e, sendo assim, não se sabe quem mata mais. Penso que essas respostas dadas pelos entrevistados nos remetem para uma indagação mais profunda: as facilidades de comunicação que temos atualmente fazem com que as pessoas se sintam de verdade menos solitárias? Afinal, o que é a solidão?
Curiosamente era o dia do meu aniversário. Nessa data, é comum que fiquemos um pouco mais sensíveis, como que aguardando para ver como é que nos consideram, quantos vão se lembrar de nós... Enquanto seguia com esses pensamentos e buscando uma definição para a solidão, tocou o telefone. Era a minha esposa levando os filhos ao colégio e, mal atendi, começou soar aquelas vozes alegres e gritantes de crianças: “Parabéns pra você...”. Eu havia saído muito cedo e eles não conseguiram me cumprimentar pessoalmente pela manhã, o que motivou a mãe a ter essa feliz idéia. Que delícia de gesto! E não parou aí. Ao voltar à casa ao final do dia, mal pisei na sala e estavam todos a postos, agora para entoar o canto de parabéns ao vivo... Era tanta demonstração de carinho e apreço que não conseguia resolver interiormente aquele assunto: o que é a solidão?
Comecei, então, num exercício de imaginação, a pensar como seria a minha vida sem essas pessoas que se lembraram de mim naquele dia: os filhos, a esposa, os pais, os amigos, os colegas de trabalho etc. E aproveitei também para tirar todos aqueles que me são caros, mesmo que não se tivessem lembrado da data. Que horror! Foi um aperto tão grande, uma sensação de vazio tão insuportável, que ameacei interromper aquele vôo da imaginação. Mas, antes disso, pus-me a pensar se a internet poderia preencher aquele espaço todo. Haveria um chat para comemorar aniversário? Mas com quem? Poderia lançar-me numa aventura virtual? Bem, mas se for assim essa pessoa terá de ser exatamente como a minha esposa, pois do contrário não quero...
Não sei o que os filósofos pensam disso, aliás, entendo muito pouco de filosofia, mas como que num estalo me veio uma definição para a solidão: solitário é aquele que não é ou não se sente amado. Essa é a verdadeira solidão. Podemos estar momentaneamente sem uma companhia fisicamente presente. Podemos até nos isolar do mundo, como fazem algumas pessoas por convicções religiosas ou por simples opção. Mas não podemos jamais suportar a indiferença total e absoluta.
Mas se o que aplaca a solidão é ser e sentir-se amado, o problema que vimos tratando apenas se desloca de lugar, pois nos remete à outra indagação: o que fazer para sermos e nos sentirmos verdadeiramente amados?
Penso que a melhor resposta a essa indagação me é dada pelo exemplo de um grande amigo e colega, que é um sujeito feliz e de muitos amigos que o estimam de verdade. Certa vez lhe perguntei sobre como estava a sua mãe. Como resposta, ele começou a elencar as atividades que ela havia feito nos últimos dias e, com isso, conclui que ela estava bem. O exemplo desse meu amigo é encantador. Tem olhos repletos de delicadeza para ver os detalhes do dia naquela que ama e, com isso, concluir que ela está feliz.

Esse é como que o outro lado da moeda que devemos considerar ao pensar na solidão. É que quanto mais nos empenhamos em pensar em nós mesmos, em nossos gostos, em nossos caprichos, em suma, quanto mais egoístas formos, mais nos distanciaremos das pessoas. Como dizia um grande sábio: “Ninguém é feliz, na terra, enquanto não se decida a não sê-lo”. Ou seja, ocuparmo-nos em fazer felizes aqueles que nos cercam é o único remédio absolutamente eficaz contra a solidão.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Violência juvenil

Nestes dias em que os universitários retornam às salas de aula, é muito freqüente ganhar espaço na mídia as notícias de lamentáveis excessos que se comentem nos trotes acadêmicos. Muitos desses assumem a forma de verdadeira barbárie, em inaceitável ofensa à honra, à intimidade e à própria dignidade que há de se reconhecer a qualquer ser humano. Mas por quê? Qual seria a causa de tão grande desvirtuamento daquilo que poderia ser uma saudável acolhida aos novos colegas?
O problema da violência entre os jovens e adolescentes está cada vez mais preocupante. E isso não se reflete apenas nos trotes que se praticam nas universidades, mas em diversos outros aspectos, como podemos notar em nossa convivência diária e também através dos meios de comunicação. Mas qual será a explicação disso?
A resposta a essa problemática da violência entre os jovens é complexa, de modo que não pretendo esgotar o assunto. Porém, há um aspecto que deve merecer nossa especial atenção: a acolhida que cada indivíduo encontra em seu ambiente familiar.
É triste, mas não raras vezes quando surge a questão de se ter um novo filho, é muitíssimo freqüente ouvirmos de muitas mulheres algo do tipo: “Deus que me livre! Não dou conta nem do que tenho, que dirá de mais um ...”. E frases como essas são pronunciadas sem qualquer cautela na frente do filho ou filha desde os seus primeiros anos. Ora, uma criança que ouve isso com freqüência deve pensar algo do tipo: “eu sou do mal. E como sou assim minha mãe não quer cometer outro erro...”.
Não se trata de fazer apologia à procriação e às famílias numerosas, ainda que devo reconhecer que nelas há um ambiente mais propício para formar os filhos com senso de liberdade e responsabilidade. É inquestionável que o planejamento familiar é decisão livre do casal e nisso não pode sofrer ingerência de ninguém, muito menos do Estado. Mas o que se há de estar atento é para o ambiente de acolhida que se vive nas famílias em relação aos filhos que, poucos ou muitos, vierem a fazer parte dela. E isso, em grande medida, fará que esses seres sejam também acolhedores e solidários, ou, ao contrário, futuros torturadores, que vêem como inimigos quaisquer pessoas que de uma forma ou de outra ameaçam entrar em seus quartos, em suas vidas ou em suas universidades.
Mas a acolhida que se há de viver na família não se limita àquela postura de se preparar para receber bem um novo filho. É importantíssimo que o filho se sinta bem-vindo desde o ventre materno. Mas também é preciso que, no dia-a-dia, essa acolhida se torne cada vez mais terna. Nesse sentido, como são as manhãs em nossas casas? Nossos filhos recebem um afável “bom dia!” da mãe e do pai? Há um diálogo saudável no café da manhã, ou, ao contrário, a casa é uma espécie de pensão em que por necessidade se pernoitam antes de cada qual se lançar nos seus afazeres pessoais? Há o hábito de se tomar ao menos uma refeição por dia juntos, esforçando-se por manter um ambiente alegre nesses momentos?
Além da acolhida, também é urgente que os pais zelem pelo bom ambiente familiar. As correrias do dia-a-dia não podem impedir que se pare para olhar no olho de nosso filho pequeno que nos pede algo, a ouvi-lo com atenção, a se interessar de verdade pelo que nos tem a dizer. E tanto mais há que se investir no relacionamento entre os esposos, pois disso depende, essencialmente, a harmonia no lar.

A família é um fantástico laboratório em que se forjam os seres humanos. E o que se aprende ali, desde a mais tenra idade, irá necessariamente refletir em seus valores e em suas ações na vida adulta. Assim, ou começamos a formar muito bem nossos filhos com carinho, firmeza e senso de responsabilidade ou, lamentavelmente, cada vez mais veremos a desumanização reinar dos mais diversos segmentos de nossa sociedade.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Aborto: por um debate racional

Numa sociedade de consumo e numa democracia é nítida a necessidade do convencimento. Para vender um produto é necessário convencer o consumidor. Para obter o voto, é necessário convencer o eleitor. Para fazer vingar uma mudança da Lei é necessário convencer os parlamentares e a opinião pública. Assim o convencimento tem se tornado uma arte cada vez mais explorada e aprimorada.
Sem pretendermos esgotar o tema, poderíamos dizer que a busca do convencimento pode se dar por duas maneiras: (1) de fora para dentro das pessoas, através de campanhas ou propagandas; (2) a partir de dentro do indivíduo, fazendo-o meditar a fundo no assunto.
A primeira costuma se valer de algumas estratégias próprias: (1) apelo à emoção; (2) busca convencer sem explicar os porquês; (3) normalmente há um motivo explícito ou implícito, algo que se busca atingir; (4) o indivíduo não precisa pensar, basta que aceite; (5) freqüentemente não há uma preocupação com o bem daquele que se busca convencer, mas o objetivo de atingir uma meta.
Tomemos alguns exemplos disso: “Viva o lado COCA-COLA da vida”. A frase, que vem acompanhada de imagens agradáveis, é recheada de uma carga emotiva, que denota algo gostoso. Não se preocupa em explicar se essa bebida é boa ou ruim para a saúde. O objetivo é vender. Outro exemplo: “Brasil, um país de todos”. Cria-se uma logomarca bem elaborada, que é espalhada em muitos lugares. Aos poucos isso gera nas pessoas, cada vez menos acostumadas a pensar, uma idéia mais ou menos do tipo: “puxa, as coisas mudaram para melhor mesmo, agora é um País de todos!”. Não quero com isso fazer nenhuma crítica ao atual Governo Federal, e nem àquele refrigerante há anos consumido no mundo todo. É possível que numa argumentação racional, que busca os porquês, as pessoas cheguem à mesma aprovação do Governo ou do produto. Quero apenas realçar o papel dessa estratégia de convencimento.
Lamentavelmente, a questão do aborto vem sendo tratada mais nessa linha da propaganda que de um debate racional e profundo. Exemplo disso é a matéria publicada no Correio Popular do penúltimo domingo, dia 1º de fevereiro. Nela se lançou um verdadeiro slogan: “ABORTO, UMA QUESTÃO DE SAÚDE”. E o texto vem assim redigido: “LEI brasileira é RÍGIDA e só permite a interrupção da GRAVIDEZ quando é resultado de estupro ou coloca a VIDA da mãe EM RISCO. Mas as estatísticas mostram que entre a legislação e a realidade há um HIATO que, muitas vezes, provoca DANOS IRREVERSÍVEIS. Nesse cenário, CAMPINAS desponta como PIONEIRA na orientação preventiva às mulheres”.
Lei e rígida aparecem em destaque. É que rigidez é tida como algo pesado, ruim, ultrapassado. Com isso, coloca-se uma forte carga emocional negativa na lei brasileira que pune a prática do aborto. A palavra interrupção vem sem destaque, para diminuir a carga negativa que teria, por exemplo, aborto, morte do feto etc. O novo destaque é dado à palavra HIATO, com isso significando como um vazio, algo que falta. E esse hiato tem causado “danos irreversíveis” às mulheres, despontando “CAMPINAS” como “PIONEIRA” nisso. Pioneirismo tem uma carga emotiva forte e positiva, como desbravadores de uma nova era. E isso convence! A técnica é arrojada e eficaz.
Aliás, é necessário reconhecer que as campanhas contrárias ao aborto também se valem de uma forte carga emotiva: vídeos chocantes com fetos sendo abortados, simulação de um diálogo de um embrião que será abortado com a mãe etc.
Nenhum ser humano consegue atingir a sua plena realização se não encontrar resposta a uns questionamentos existenciais que todos nos fazemos: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Que devo fazer para atingir essa meta? E os grandes temas, como a vida humana e seu início, devem ser ponderados com igual profundidade: o aborto é algo bom, que contribui para a plena realização da mulher que o pratica? Uma sociedade que o permite e o estimula como método de controle da natalidade é, no dizer de nossa Constituição Federal, uma sociedade mais livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I)? O aborto é mera questão de saúde da mulher, ou aquela nova vida merece proteção jurídica e social eficaz?

As campanhas são importantes. Mas não podem suplantar jamais a capacidade de pensar racionalmente e de os seus destinatários tirarem as suas próprias conclusões. Do contrário, estaremos a ponto de ruir a própria democracia, que pressupõe pessoas livres e responsáveis, e não eleitores (telespectadores, consumidores etc.) dóceis facilmente manipuláveis.