segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A recente posse do novo Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, foi marcada por um forte despertar da esperança naquele povo e também em pessoas no mundo inteiro. Parece que o fator preponderante nesse fenômeno não decorre exclusivamente da expectativa de uma eficiente Administração, ou mesmo de acreditar que ele conseguirá, através de políticas públicas bem implementadas, melhorar as condições de vida das pessoas menos favorecidas. Mais que tudo isso, com o seu exemplo de vida e com uma invejável oratória, Obama  inspira as pessoas a acreditarem no futuro.
De fato, mais que do alimento para o corpo, todo ser humano necessita de esperança para viver. O Papa Bento XVI, em sua carta encíclica SPE SALVI afirma que precisamos ter esperança, “uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho”.
Mas como podemos manter viva essa esperança? Mais ainda, onde e em quem devemos depositar a nossa esperança? Enfim, o que nos cabe fazer para manter acesa na alma essa chama?
Homens como Obama são imprescindíveis para a humanidade, pois reacendem na alma de muitos algo que lhes é vital. Porém, precisamos encontrar razões ainda mais profundas para a nossa esperança. É que os presidentes vêm e vão. E, como homens que são, também têm suas fraquezas e podem decepcionar os que acreditaram nele.
E não somente os governantes, por mais carismáticos que sejam, podem causar decepções. Líderes religiosos, personalidades importantes do esporte, da música, das artes, que a tantos inspiram, podem, do dia para a noite, fraquejarem, fazendo que com se derreta diante de nós aquela imagem que parecia sustentar nossas vidas. “Meus heróis morreram de overdose”, canta melancolicamente o Cazuza. Assim, é bom que tenhamos bons exemplos a que buscamos imitar. Afinal, são eles pessoas que nos dizem que é possível vencer e que a luta vale a pena. No entanto, se a esperança nos é tão radicalmente importante, devemos depositá-la em algo muito mais firme, tão sólido que não possa ruir nem nos decepcionar jamais.
A esperança não pode morrer jamais, pois sem ela não se pode viver. Mas não podemos confundir a esperança com uma atitude passiva, típica do sujeito que não faz nada, que vive aguardando cair do céu, ou das mãos do presidente, do chefe, do pai, da mãe etc., a solução de seus problemas. A esperança implica responsabilidade. Aliás, como grande líder que é, Obama ressalta em seu discurso de posse que “precisamos de uma nova era de responsabilidade – o reconhecimento de que temos deveres para conosco, com a nossa nação e o mundo”.
Temos verdadeiramente deveres para conosco mesmos. A esperança exige compromisso e uma ação responsável por alcançar aquilo que esperamos. Não é autêntica esperança aquela que se traduz em simplesmente em aguardar dos outros aquilo que desejamos. Até porque essa atitude torna insuportável o presente. Com efeito, é nela que encontramos forças para enfrentar o presente com alegria e descontração na medida em que nos traz a segurança de que atingiremos a meta a que nos propomos.
Tomemos como exemplo, quando planejamos algo agradável, uma viagem. Enquanto cuidamos dos detalhes, passamos por dificuldades e dissabores. Mas esses são facilmente superados quando consideramos as delícias do passeio. Tanto que depois que acontece, fica-se com a sensação de que “o melhor da festa é esperar por ela”. De fato, a meta a ser atingida nos anima a enfrentar com valentia os obstáculos do presente.

Mas, como bem lembra Obama, não podemos esperar algo de bom apenas para nós mesmos, afinal, temos também a nossa responsabilidade com “a nossa nação e com o mundo”, vale dizer, somos também responsáveis pela felicidade das pessoas que nos rodeiam. E nesse sentido, o Papa, na mesma carta encíclica, nos transmite também esse magnífico ensinamento: “Nunca é tarde demais para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil. Assim se esclarece melhor um elemento importante do conceito cristão de esperança. A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim”.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A crise e a dignidade humana

Há algum tempo vivemos perplexos com uma espécie de dragão aterrorizador: a crise. É bem verdade que as pessoas reagem de maneiras muito diversas aos acontecimentos. Porém, é inegável que ela tem afetado muito diretamente nossas vidas. Com efeito, estamos vivendo como que num compasso de espera, adiando muitas das nossas decisões para ver o que vai acontecer. Mas será que essa é a melhor forma de enfrentarmos esse momento por que passamos? Afinal, o que podemos ou devemos fazer?
Penso que um primeiro esforço que se há de fazer é por levar a vida o mais serenamente possível. Não é necessário esperar o desfecho da crise financeira mundial para se dedicar ainda mais ao trabalho profissional, a desempenhá-lo ainda melhor, com mais esforço e seriedade, ou mesmo procurá-lo com mais afinco, acaso se esteja desempregado. Nada impede que se esmere por criar e fortalecer saudáveis amizades e por ser leal aos amigos. E tanto menos se justifica que não ser bons pais ou boas mães de família simplesmente porque o mundo está em crise.
Não se trata de fechar os olhos à realidade. O administrador público que está diante de uma séria queda na arrecadação de tributos deve tomar medidas sensatas e, se necessário, enérgicas. O empresário que se vê diante de uma queda no faturamento deve empreender as ações possíveis para reverter esse quadro. Porém, não se pode esquecer que a economia existe para o ser humano e não o contrário. Assim, as medidas a serem tomadas devem ser fortemente influenciadas por essa finalidade principal: promover a dignidade da pessoa humana.
Isso implica considerar que o trabalhador não é jamais apenas um número, nem tampouco um elemento na cadeia de produção de bens ou prestação de serviços, facilmente descartável quando as contingências econômicas o exigirem. Uma empresa nunca possui um, dez, duzentos ou dez mil funcionários. Antes disso, possui muitos seres humanos, no mais das vezes pais ou mães de família que dependem de um trabalho para o sustento. E necessitam de um trabalho não apenas para a obtenção de recursos materiais, mas também para que desenvolvam através dele as suas personalidades e vejam reconhecida também pelo trabalho de suas mãos a verdadeira dignidade.
É inegável que muitas vezes o empresário terá de tomar a decisão de demitir, sob pena de levar todo o empreendimento à ruína, com danos ainda maiores aos outros funcionários e à sociedade como um todo. Contudo, esse argumento não raras vezes é utilizado para justificar cortes para manter uma folgada margem de lucro ou manter os privilégios de poucos.
Há poucos dias uma central sindical protestou contra as ameaças de demissões de funcionários com uma frase que dizia mais ou menos o seguinte: “por que os trabalhadores devem pagar pela crise? Que paguem os ricos”. Não concordo com muitas das idéias desses sindicalistas, em especial porque acredito que a dignidade do trabalhador não precisa aflorar necessariamente de uma luta de classes. Nem muito menos acredito que seja saudável firmar posições muito polarizadas e contrapostas entre empresários e trabalhadores, fomentando uma inimizade tal entre eles como se os interesses de ambos fossem sempre e inexoravelmente contrapostos. Mas há uma dose de verdade no questionamento. Se há uma crise e ela exige esforços, é necessário que os empresários sejam suficientemente transparentes com seus funcionários e, sobretudo, que estejam dispostos a suportar a sua parcela de sacrifício antes de simplesmente dispensar seus trabalhadores.

O mundo globalizado nos apresenta inúmeros e complexos desafios. Nesse contexto, não é possível construir soluções simplistas aos muitos problemas que esse fenômeno apresenta. Assim, é necessário que se tenham muito bem claro alguns princípios fundamentais. E que esses sirvam como luzes a guiar por esses caminhos nebulosos e confusos. Um desses princípios é a dignidade da pessoa humana. Para quem tem de tomar decisões que influam nas outras pessoas (e não há decisão que não tenha essa aptidão) deve ter em mente não apenas os interesses pessoais, mas ponderar em que medida essa decisão pode ser boa ou má aos demais.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O adorável casal Sugai

Há pouco tive a oportunidade de participar, ainda que não fisicamente presente, da comemoração das bodas de ouro de um adorável casal: o Dr. Alberto e a dona Selma Sugai. Ambos são filhos de imigrantes japoneses. Ele, com muito esforço e dedicação é advogado, formado pela faculdade de Direito na USP. Ela, uma mulher de fibra que se dedicou exclusivamente ao lar e à família. Tiveram doze filhos, dos quais dez estudaram na USP. Após uma vida de muitas dificuldades, agora vivem numa grande casa em São Paulo, onde podem receber os filhos, noras, genro e os treze netos, que contribuem ainda mais para rechear esse generoso casal de muita alegria.
Meu avô paterno certa vez me disse que são dos pequenos gestos que se faz um grande homem. De fato, nossas vidas são feitas de muitas pequenas coisas que, juntas, tornam-se grandes, tal como os grandes edifícios são formados por milhares de pequenos tijolos. E é num pequeno, mas ao mesmo tempo heróico gesto, que podemos conhecer um pouco melhor o casal Sugai.
Comemorando os 50 anos de casados, fizeram uma viagem ao Japão. Lá conheceram alguns pais que se lançaram na iniciativa de formar um colégio onde se ensinariam aos filhos os mesmos valores que cultuam em suas famílias, sem prejuízo da qualidade do ensino, que também deve merecer esmerada atenção. E após ver as grandes conquistas daqueles pais, eles relataram ao Dr. Alberto uma dificuldade: precisavam construir outra unidade onde funcionasse o equivalente ao nosso ensino médio. Porém, não dispunham de recursos econômicos.
O Dr. Alberto sugeriu-lhes que fizessem uma espécie de campanha econômica, pedindo doações para esse empreendimento nobre. Porém, ao que parece, isso não é nada comum no Japão. É uma mentalidade muito difundida naquele povo que, se querem a expansão de qualquer empreendimento, ainda que esse seja nobre e possa trazer um benefício para a sociedade, “que trabalhem em ganhem dinheiro para isso” – pensam eles.
Mas o coração do Dr. Alberto é grande demais para se curvar a isso, e, como sempre, com o incondicional apoio da dona Selma, pôs-se a pensar em como ajudar aqueles pais empreendedores que acabara de conhecer. E eis que lhe veio uma feliz idéia: o casal não receberia presentes na comemoração das bodas de ouro, a se celebrar aqui no Brasil. Os presentes seriam donativos a ser enviados, pasmemos, para uma escola existente num dos países mais ricos do mundo!
De fato, caro vovô, é dos pequenos gestos que se fazem um grande homem e uma grande mulher! O casal Sugai é um exemplo vivo dessa verdade.
Quando soube dessa iniciativa, imediatamente veio-me a lembrança de um ensinamento do Papa Bento XVI. Em sua Carta Encíclica, "Deus Caritas Est", ocupando-se do tema do amor ao próximo, ensina o Pontífice: “Enquanto o conceito de «próximo», até então, se referia essencialmente aos concidadãos e aos estrangeiros que se tinham estabelecido na terra de Israel, ou seja, à comunidade solidária de um país e de um povo, agora este limite é abolido. Qualquer um que necessite de mim e eu possa ajudá-lo, é o meu próximo. O conceito de próximo fica universalizado, sem deixar todavia de ser concreto. Apesar da sua extensão a todos os homens, não se reduz à expressão de um amor genérico e abstrato, em si mesmo pouco comprometedor, mas requer o meu empenho prático aqui e agora”.
De fato, uma consideração mais mesquinha poderia levar a pensar: “bem, mas há muitas instituições mais necessitadas de recursos aqui no Brasil, que é um país bem mais pobre que o Japão”. Outros, com uma generosidade mais “cômoda” até se aventuram a fazer doações através de uma simples ligação telefônica às vítimas da enchente de Santa Catarina, mas não se dignam a limpar o nariz sujo de uma criança, ou “perder” alguns minutos a dar atenção a um ancião ou a um enfermo.

O casal Sugai, porém, nos mostra que o amor ao próximo não tem fronteiras, mas deve se manifestar em atos bem concretos. Que em 2009 o seu exemplo de uma caridade bem vivida brilhe para todos nós. Afinal, é somente isso que pode dar sentido a essa nossa breve passagem por esta vida.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Eternamente enamorados

Um dia desses, enquanto tomava um café com um grande amigo, o telefone dele tocou. Ele olhou no visor do aparelho e me disse: “é muito importante, tenho de atender”. Em seguida, disse muito carinhosamente: “Oi, querida, tudo bem?”. Era a esposa dele, com quem está casado há vinte e cinco anos. E a conversa, que ele me havia dito que era muito importante, correu sobre quem iria ao supermercado, quem buscaria o filho na escola e algumas outras dessas trivialidades.
Ao presenciar esse magnífico exemplo, lembrei-me de uma piada. Dois amigos tomavam cerveja num bar, quando a esposa de um deles o chamou pelo telefone. Ele atendeu e se referia a ela cheio de “amabilidades”: “oi, amorzinho”, “sim, querida”, “claro, meu docinho”. O amigo espantou-se e perguntou: “Há quanto tempo você está casado?”. “Sei lá...”, respondeu ele, “sei que são muitos”. E o amigo prosseguiu: “puxa, mas depois de tantos anos de casado você ainda a trata assim?!”. E então ele respondeu: “sabe, é que eu me esqueci o nome dela...”.
A piada é até engraçada, mas tenho de admitir que o exemplo oposto do meu amigo é muito mais interessante. O contraste entre essas as duas situações, a do meu amigo e a da piada, nos coloca diante de dois panoramas distintos no relacionamento conjugal que merecem ser refletidos.
Durante o namoro, em que se acendem as paixões, com freqüência o homem e a mulher se tratam com muito carinho. Nessa fase é até comum que escolham naturalmente uma forma mais íntima de se chamarem. Com o tempo, porém, há um esfriamento, mais que isso, surge uma dose de indiferença na maneira com que se tratam. E então o “Meu Bem” ou o “Meu Amor” com que convencionaram se chamar permanece agora como “Bem” ou “Mor”, mas como algo rotineiro, que não mais exprime uma verdadeira ternura de um pelo outro. Mas será que todo relacionamento conjugal duradouro está condenado a, na melhor das hipóteses, desaguar nessa situação de duas pessoas que apenas aprenderam a se suportar?
O que mantém vivo qualquer relacionamento, em especial o conjugal, é qualidade dos momentos que se passam juntos. Consideramos como bons amigos aqueles com que gostamos de estar, conversar e trocar confidências. O mesmo ocorre, e em muito maior intensidade, com a esposa e com o marido. E quando se fala em qualidade dos momentos, não se quer dizer apenas os momentos bons, mas também os dolorosos. A doença ou mesmo a perda de alguém da família pode contribuir para melhorar o relacionamento conjugal, ou, ao contrário, deixar feridas difíceis de cicatrizar.
Nesse sentido, é possível fazer com que o relacionamento seja cada vez melhor. A ternura, que vi refletida naquele meu amigo, pode aumentar e assumir contornos muito mais sólidos, conquanto que haja luta por ser cada vez melhor, ou seja, que se lute para que os momentos que se passam juntos sejam bons.
Além disso, marido e mulher têm de aprender a conversar serenamente sobre o que desagrada no outro. Certa vez soube de uma mulher que conviveu por vinte anos com o marido e nunca teve coragem de dizer-lhe que ele tinha mau hálito. Coisas como essa precisam ser ditas. É necessária delicadeza, que se escolha o momento oportuno, mas devem ser ditas com valentia. Do contrário, vão simplesmente enchendo o rol de maus momentos que tanto mal fazem ao relacionamento.
Mas é também muito importante saber elogiar, reconhecer o que há de bom no outro. Uma vez alguém me deu um conselho fantástico, que serve para qualquer relacionamento, inclusive o profissional: quando for necessário fazer uma crítica, faça ao menos dois elogios.
É necessário que haja compreensão. Uma vez deram um conselho a um marido que se queixava de encontrar a casa desarrumada quando retornava do trabalho: “Você já experimentou lavar um banheiro?”. Meio surpreso ele respondeu que não. Então lhe disseram: “Faça isso apenas uma vez e verá como será menos exigente e mais compreensivo com a sua esposa”.

Cada fase do casamento tem as suas peculiaridades, as suas dificuldades e as suas coisas boas. Mas em todas é sempre possível lutar por passar bons momentos juntos. E é somente isso que irá aumentar a ternura e, com ela, a felicidade no relacionamento conjugal.