Um dia desses, minha filha Gabi lançou-me
inesperadamente uma pergunta: “Papai, quando você vai se aposentar?”. “Só posso
me aposentar quando fizer sessenta anos”, respondi-lhe imediatamente. E depois
completei: “Mas muitos juízes somente se aposentam quando são obrigados, aos
setenta anos”. Sem se dar conta do tempo que ainda falta, ela me perguntou
animada com a idéia: “quando você se aposentar, você poderá ir ao cinema
comigo?”. “Quando eu me aposentar provavelmente ela estará casada, com filhos,
ou ao menos será já suficientemente adulta para não precisar (ou não querer) do
pai para ir ao cinema”, pensei comigo mesmo, sem lhe desanimar com essa
observação.
Esse breve diálogo me fez pensar no quanto adiamos as
coisas boas que podemos fazer por aqueles a quem amamos. Frequentemente nos
desculpamos com o excesso de trabalho ou com os muitos afazeres. Com isso vamos
deixando sempre para um amanhã que nunca chega aquele passeio que tanto agrada
a nossa esposa, a pescaria que prometemos a um filho, a visita àquele amigo que
passou por um revés econômico, ou mesmo um simples telefonema ao pai ou à mãe
distantes.
Quantas vezes não dedicamos sequer alguns poucos
minutos por dia para estar com os nossos filhos porque passamos por temporadas
em que o trabalho profissional exige uma dedicação maior. Com isso, pensamos
conosco mesmos que “quando as coisas melhorarem”, “quando tivermos uma situação
econômica mais folgada”, então sim poderemos dedicar mais tempo aos filhos.
Acontece que o tempo é implacável. Os dias rapidamente se transformam em meses
e esses anos e, quando menos esperamos, eles terão crescido. E então ficará a gozosa
saudade dos bons momentos passados juntos, ou o triste arrependimento das
oportunidades desperdiçadas.
E tanto mais importante ainda é cuidar do tempo que
se dedica à esposa e ela ao marido. Há de se cuidar para que o convívio seja
bem aproveitado para estreitar os laços de amor e de carinho. Afinal, tal como
um tecido feito à mão se constrói ponto por ponto, a felicidade no casamento se
edifica minuto a minuto. E assim como a beleza e a solidez do tecido dependem
do capricho que se coloca em cada movimento, também o casamento depende de cada
sorriso, de cada abraço, de cada gesto de dedicação e acolhida cuidadosamente praticados
dia a dia, minuto a minuto.
E nossos amigos? Quanto tempo merece ser gasto para
cultivar esse que é um dos mais nobres sentimentos humanos: a amizade? Dizem
que duas pessoas só podem se dizer amigas de verdade depois de comerem alguns
quilos de sal juntas. Como numa refeição se utiliza pequenas porções desse
tempero, são necessárias muitas refeições. Talvez não sejam apenas as refeições
que podem fomentar essa união, mas também um esporte, um passeio, ou outra
atividade qualquer. E se o que se pretende é aproveitar bem o tempo, será
necessário ter ouvidos para que o amigo possa se abrir. Que saiba encontrar
alguém que se interesse por ele, desinteressadamente.
O tempo presente é a maior dádiva que recebemos. O
ontem não voltará jamais. O amanhã não sabemos se chegará para nós. Assim, é
uma enorme demonstração de sabedoria aproveitar esses minutos que nos cabem
agora para fazer neles o que verdadeiramente importa. E o que de verdade é
importante é cultivar a alegria no coração dos demais. O agricultor lança para
longe de si a semente, que cai na terra, germina, cresce, floresce e depois
produz os frutos abundantes, que são a causa de sua alegria. O mesmo pode ser
feito com o nosso tempo. Parece que o jogamos fora quando nos esforçarmos por
fazer um trabalho bem feito, por estar com a esposa, com os filhos ou com os
amigos. Mas depois ele frutifica e se multiplica, trazendo consigo uma paz e
uma alegria tão intensos que não há mau tempo que as possa apagar.
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