segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Enquanto ainda é tempo

Um dia desses, minha filha Gabi lançou-me inesperadamente uma pergunta: “Papai, quando você vai se aposentar?”. “Só posso me aposentar quando fizer sessenta anos”, respondi-lhe imediatamente. E depois completei: “Mas muitos juízes somente se aposentam quando são obrigados, aos setenta anos”. Sem se dar conta do tempo que ainda falta, ela me perguntou animada com a idéia: “quando você se aposentar, você poderá ir ao cinema comigo?”. “Quando eu me aposentar provavelmente ela estará casada, com filhos, ou ao menos será já suficientemente adulta para não precisar (ou não querer) do pai para ir ao cinema”, pensei comigo mesmo, sem lhe desanimar com essa observação.
Esse breve diálogo me fez pensar no quanto adiamos as coisas boas que podemos fazer por aqueles a quem amamos. Frequentemente nos desculpamos com o excesso de trabalho ou com os muitos afazeres. Com isso vamos deixando sempre para um amanhã que nunca chega aquele passeio que tanto agrada a nossa esposa, a pescaria que prometemos a um filho, a visita àquele amigo que passou por um revés econômico, ou mesmo um simples telefonema ao pai ou à mãe distantes.
Quantas vezes não dedicamos sequer alguns poucos minutos por dia para estar com os nossos filhos porque passamos por temporadas em que o trabalho profissional exige uma dedicação maior. Com isso, pensamos conosco mesmos que “quando as coisas melhorarem”, “quando tivermos uma situação econômica mais folgada”, então sim poderemos dedicar mais tempo aos filhos. Acontece que o tempo é implacável. Os dias rapidamente se transformam em meses e esses anos e, quando menos esperamos, eles terão crescido. E então ficará a gozosa saudade dos bons momentos passados juntos, ou o triste arrependimento das oportunidades desperdiçadas.
E tanto mais importante ainda é cuidar do tempo que se dedica à esposa e ela ao marido. Há de se cuidar para que o convívio seja bem aproveitado para estreitar os laços de amor e de carinho. Afinal, tal como um tecido feito à mão se constrói ponto por ponto, a felicidade no casamento se edifica minuto a minuto. E assim como a beleza e a solidez do tecido dependem do capricho que se coloca em cada movimento, também o casamento depende de cada sorriso, de cada abraço, de cada gesto de dedicação e acolhida cuidadosamente praticados dia a dia, minuto a minuto.
E nossos amigos? Quanto tempo merece ser gasto para cultivar esse que é um dos mais nobres sentimentos humanos: a amizade? Dizem que duas pessoas só podem se dizer amigas de verdade depois de comerem alguns quilos de sal juntas. Como numa refeição se utiliza pequenas porções desse tempero, são necessárias muitas refeições. Talvez não sejam apenas as refeições que podem fomentar essa união, mas também um esporte, um passeio, ou outra atividade qualquer. E se o que se pretende é aproveitar bem o tempo, será necessário ter ouvidos para que o amigo possa se abrir. Que saiba encontrar alguém que se interesse por ele, desinteressadamente.

O tempo presente é a maior dádiva que recebemos. O ontem não voltará jamais. O amanhã não sabemos se chegará para nós. Assim, é uma enorme demonstração de sabedoria aproveitar esses minutos que nos cabem agora para fazer neles o que verdadeiramente importa. E o que de verdade é importante é cultivar a alegria no coração dos demais. O agricultor lança para longe de si a semente, que cai na terra, germina, cresce, floresce e depois produz os frutos abundantes, que são a causa de sua alegria. O mesmo pode ser feito com o nosso tempo. Parece que o jogamos fora quando nos esforçarmos por fazer um trabalho bem feito, por estar com a esposa, com os filhos ou com os amigos. Mas depois ele frutifica e se multiplica, trazendo consigo uma paz e uma alegria tão intensos que não há mau tempo que as possa apagar.

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