Está na pauta de votação na Câmara dos Deputados o acordo entre o Brasil e a Santa Sé que
trata do chamado Estatuto Jurídico da
Igreja Católica no Brasil. O projeto tem sido alvo de várias críticas. Dentre
elas, afirma-se que isso representaria a concessão de um privilégio, que o
Estado é laico e que o acordo viola a Constituição Federal, ou mesmo que se
trata de uma tentativa de a Igreja manter uma espécie de poderio
político. No entanto, uma leitura atenta e serena do texto enviado ao Congresso
Nacional é suficiente para rebater todas as críticas contra ele dirigidas.
O texto inicia por reconhecer personalidade jurídica
à Igreja Católica e a determinadas Instituições Eclesiásticas que, segundo o
Direito Canônico, possuem tal atributo, dentre elas as dioceses e paróquias. A
personalidade jurídica é aptidão para ser titular de direitos e obrigações. Por
exemplo, para que se possa firmar um contrato de locação, abrir uma conta em
banco, ou mesmo adquirir produtos, é necessário que se tenha personalidade
jurídica. Ainda a título de exemplo, pode se dizer que um cachorro não pode
receber uma herança porque não tem personalidade jurídica. Assim, ao se atribuir
personalidade jurídica às paróquias, dioceses e demais entidades da Igreja no
Brasil, simplesmente se reconhece que elas poderão validamente, em nome próprio,
firmar contratos, registrar empregados ou ainda comparecer perante o Poder
Judiciário como autoras ou rés. Ora, não há nisso privilégio algum.
Em outro artigo do acordo, dispõe-se sobre isenções e
imunidade tributária. Ocorre que a Constituição Federal já dispõe que não se
pode instituir impostos sobre os templos de qualquer culto (art 150, inciso IV,
letra “b”). Além disso, o texto ressalta que as entidades da Igreja que prestem
assistência social serão iguais a todas as demais entidades com fins
semelhantes, conforme previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, não
se busca um tratamento diferenciado. Ao contrário, almeja-se obter iguais
benefícios tributários concedidos às demais entidades assistenciais não
confessionais ou mesmo ligadas a outras instituições religiosas, e nada mais.
Um ponto ainda mais polêmico se refere ao ensino
religioso nas escolas públicas. Ocorre que o texto do acordo basicamente reproduz
o que está disposto no artigo 210, § 1º da Constituição Federal: O ensino religioso, de matrícula
facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental.
Mas o maior argumento, ao menos explícito, contra o
acordo, vem do disposto no artigo 19, inciso da Constituição Federal, que diz que
é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos
ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles
ou seus representantes relações de dependência ou aliança. Porém, se bem
analisado o documento, não cria ele nenhuma espécie de vínculo de dependência
ou aliança entre a Igreja e o Estado. Ao contrário, estabelece a autonomia de
cada qual, inclusive com clara sujeição da Igreja às regras de nosso
ordenamento jurídico, no que diz respeito às questões temporais, ao mesmo tempo
que ressalva à Igreja Católica o direito de desempenhar sua missão apostólica,
observado o ordenamento jurídico brasileiro.
A República Federativa do Brasil atua e é regida, nos
aspectos essenciais, pela Constituição Federal, promulgada 1988, na qual se
propôs por missão, como diz o seu preâmbulo, sob a proteção de Deus, a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça. A Igreja Católica atua sob o
mandato explícito de seu Fundador, que há dois mil anos Lhe determinou que se
espalhe pelo mundo, a todos pregando o Evangelho. Essa sua missão não tem nada
de incompatível com a do Estado Brasileiro. Ao contrário, assegurada a
competência específica de cada um, com plena liberdade e independência,
complementam-se, cada qual no seu âmbito próprio de atuação, para a consecução
de um objetivo de certa forma comum: promover a dignidade da pessoa humana, que
é ao mesmo tempo fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º,
inciso III da Constituição Federal) e da evangelização confiada à Igreja.
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