segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O Acordo entre o Brasil e a Santa Sé

Está na pauta de votação na Câmara dos Deputados o acordo entre o Brasil e a Santa Sé que trata do chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. O projeto tem sido alvo de várias críticas. Dentre elas, afirma-se que isso representaria a concessão de um privilégio, que o Estado é laico e que o acordo viola a Constituição Federal, ou mesmo que se trata de uma tentativa de a Igreja manter uma espécie de poderio político. No entanto, uma leitura atenta e serena do texto enviado ao Congresso Nacional é suficiente para rebater todas as críticas contra ele dirigidas.
O texto inicia por reconhecer personalidade jurídica à Igreja Católica e a determinadas Instituições Eclesiásticas que, segundo o Direito Canônico, possuem tal atributo, dentre elas as dioceses e paróquias. A personalidade jurídica é aptidão para ser titular de direitos e obrigações. Por exemplo, para que se possa firmar um contrato de locação, abrir uma conta em banco, ou mesmo adquirir produtos, é necessário que se tenha personalidade jurídica. Ainda a título de exemplo, pode se dizer que um cachorro não pode receber uma herança porque não tem personalidade jurídica. Assim, ao se atribuir personalidade jurídica às paróquias, dioceses e demais entidades da Igreja no Brasil, simplesmente se reconhece que elas poderão validamente, em nome próprio, firmar contratos, registrar empregados ou ainda comparecer perante o Poder Judiciário como autoras ou rés. Ora, não há nisso privilégio algum.
Em outro artigo do acordo, dispõe-se sobre isenções e imunidade tributária. Ocorre que a Constituição Federal já dispõe que não se pode instituir impostos sobre os templos de qualquer culto (art 150, inciso IV, letra “b”). Além disso, o texto ressalta que as entidades da Igreja que prestem assistência social serão iguais a todas as demais entidades com fins semelhantes, conforme previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, não se busca um tratamento diferenciado. Ao contrário, almeja-se obter iguais benefícios tributários concedidos às demais entidades assistenciais não confessionais ou mesmo ligadas a outras instituições religiosas, e nada mais.
Um ponto ainda mais polêmico se refere ao ensino religioso nas escolas públicas. Ocorre que o texto do acordo basicamente reproduz o que está disposto no artigo 210, § 1º da Constituição Federal: O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Mas o maior argumento, ao menos explícito, contra o acordo, vem do disposto no artigo 19, inciso da Constituição Federal, que diz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança. Porém, se bem analisado o documento, não cria ele nenhuma espécie de vínculo de dependência ou aliança entre a Igreja e o Estado. Ao contrário, estabelece a autonomia de cada qual, inclusive com clara sujeição da Igreja às regras de nosso ordenamento jurídico, no que diz respeito às questões temporais, ao mesmo tempo que ressalva à Igreja Católica o direito de desempenhar sua missão apostólica, observado o ordenamento jurídico brasileiro.

A República Federativa do Brasil atua e é regida, nos aspectos essenciais, pela Constituição Federal, promulgada 1988, na qual se propôs por missão, como diz o seu preâmbulo, sob a proteção de Deus, a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. A Igreja Católica atua sob o mandato explícito de seu Fundador, que há dois mil anos Lhe determinou que se espalhe pelo mundo, a todos pregando o Evangelho. Essa sua missão não tem nada de incompatível com a do Estado Brasileiro. Ao contrário, assegurada a competência específica de cada um, com plena liberdade e independência, complementam-se, cada qual no seu âmbito próprio de atuação, para a consecução de um objetivo de certa forma comum: promover a dignidade da pessoa humana, que é ao mesmo tempo fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal) e da evangelização confiada à Igreja.

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