Nos últimos dias vivenciamos um clima de apreensão
trazida – ao menos assim se pensa – pela proliferação do vírus influenza HIN1. É curioso notar as
reações das pessoas nestes momentos mais críticos, pois então se afloram com
toda clareza as suas convicções mais íntimas, que sustentam, ou sufocam, as
suas vidas. Uns vivem um verdadeiro pânico, outros se empenham de forma voraz
em atribuir a culpa a alguém, e outros, talvez os mais medrosos, fingem uma
“corajosa” indiferença. Essas reações são naturais, afinal a ninguém apraz a
idéia de ficar doente. Porém, temos de meditar um pouco sobre elas, para então
tirarmos propósitos que nos façam amadurecer.
Há pessoas que dormem de máscara, isolam-se em casa
quando as autoridades sanitárias ainda não as aconselham. Devoram elas notícias
no jornal e na internet sobre o
assunto. Essas parecem distorcer as sábias palavras de Riobaldo, pronunciadas
na célebre frase de João Guimarães Rosa, em Grande Sertão :
Veredas: “Viver é muito perigoso”.
De fato, para morrer, basta estar vivo. E por mais
que a medicina avance na cura das doenças, a dor e o sofrimento sempre
acompanharão nossa passagem por esta vida. Essa consideração não pode servir
jamais para estimular a imprudência e a irresponsabilidade. As autoridades
competentes devem se empenhar de maneira eficaz por conter o avanço de
epidemias e zelar pela saúde pública. Também a todos cabe tomar as precauções
necessárias para evitar os riscos. E isso não apenas para não contrair o vírus
da gripe, mas também para dirigir veículos de forma responsável, para procurar
prontamente um médico quando se está doente e para adotar as medidas de
segurança no trabalho, por exemplo.
Mas, por mais prudentes e responsáveis que sejamos,
nunca conseguiremos abolir de nossas vidas os infortúnios. E então é o Riobaldo
quem nos ensina novamente: “Porque aprender a viver é que é o viver mesmo...
Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais
difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber
definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”. Em outras
palavras, mas sem pretender atribuir essa conclusão ao autor da obra citada, a
doença somente não nos afligirá em demasia se soubermos dar um sentido profundo
e verdadeiro a nossas vidas.
Mas há também os que de uma forma voraz, e não raras
vezes injusta, têm um afã de por a culpa em alguém. Essa atitude
é muitíssimo antiga. São inúmeros os casos na história de pessoas que foram
tidas por culpadas por doenças e epidemias por atos de bruxaria ou outras
coisas semelhantes e que hoje, com o avanço da ciência, sabemos que não passou
de uma grande tolice. Contudo, em nossos tempos reacende-se a mesma tendência,
talvez mais rebuscada. Com efeito, há quem atribua a proliferação do vírus à
omissão do Governo de organismos internacionais etc. De fato, pode ser que uma
atuação mais pronta e incisiva pudesse ter diminuído os danos. Apesar disso, a
ira, o olhar rancoroso daquele que vive em busca de achar culpados pelas
próprias desventuras é uma postura que amarga a vida, tirando dela o seu
sentido e sabor.
E há, por fim, aqueles que acham que tudo é bobagem,
que são exageros da mídia, que está tudo bem etc. Não está tudo bem. Há pessoas
sofrendo e morrendo e isso não pode nos manter numa egoísta indiferença.
É verdade que outros vírus e outras causas matam
muito mais que esse mal que agora nos ameaça. Não tenho dados estatísticos, mas
ouso afirmar que os riscos de perder a vida num acidente automobilístico é
maior do que contraindo essa doença.
Seja como for, há um mundo belo que nos convida e uma
caminhada alegre de doação aos demais. E nessa aventura, não tomarão parte,
porque não querem, nem os medrosos que se mantêm acanhados num cantinho escuro,
nem os egoístas que pensam que podem seguir totalmente alheios ao sofrimento do
irmão que segue chorando bem ao seu lado.
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