Há um episódio engraçado em minha infância que me
ficou muito marcado. Estava na casa de um amigo, que ao pai anunciou que certa
pessoa o chamava ao telefone. Ao saber de quem se tratava, o pai, fazendo uma
enorme careta de insatisfação, disse ao filho: “Xii, diga que eu não estou
...”. O menino imediatamente e sem rodeios disse: “Meu pai mandou dizer que não
está”. Em seguida, desligou o telefone e, com a maior naturalidade do mundo,
voltou a brincar. O pai ficou desconcertado e deu uma enorme bronca no filho.
Contemplando agora recentes acontecimentos envolvendo
pessoas ocupantes de altos cargos públicos, vem-me à memória esse
acontecimento. É verdadeiramente enojante ver alguém dizer que a Ministra pediu
que fossem feitas investigações. Ainda, ela, por sua vez, nega que o tenha dito
e, no palco armado para apurar as supostas irregularidades, cada bloco político
tenta construir a “sua verdade”. A palavra ética é utilizada como mero
instrumento de se obter proveito político da situação. Nesse imenso lamaçal,
aqueles que relutam no seu compromisso com a verdade correm o risco de
desanimar. De fato, podemos nos perguntar: o que podemos fazer para corrigir
essa podridão?
Estou certo de que a corrupção que atinge o Poder
Público é reflexo da degradação de valores que foi se forjando no seio da
sociedade, ou, antes ainda, no interior das pessoas que a compõem. O mau
exemplo daquele pai que, para não ter de suportar o inconveniente de um
telefonema indesejado, contou uma mentira, aparentemente sem importância, vai
aos poucos destruindo na criança o valor da verdade.
A mentira é um câncer que corrói a estrutura social.
É que toda relação humana, para que seja suficientemente forte e contribua para
o bem das pessoas, deve estar pautada na confiança mútua. Ao passar por um
semáforo verde tenho de ter a segurança de que aquele para quem está vermelho,
irá parar. Ao assinar um contrato, é preciso que cada um esteja disposto a
honrar o compromisso que assumiu. Ao se contrair um matrimônio e fazer a promessa
de respeito e fidelidade, cada qual age na confiança de que o outro irá honrar
a palavra dada. E quando se quebram essas legítimas expectativas, surge uma
verdadeira doença no seio da sociedade que está estruturada exatamente numa
relação de confiança.
A mentira é sempre um mal. Não há “mentirinha
inocente”. Há quem diga ao chefe que vai ao dentista para conseguir sair um
pouco mais cedo do trabalho. E, ao fazê-lo, pensará consigo mesmo “o que é que
tem? Uma mentirinha de nada não faz mal a ninguém”. O problema é que
simplesmente não existe mentira sem importância. Quando menos faz um mal
terrível ao próprio mentiroso.
De certa, forma até bem intencionados juristas ousam
sustentar que a mentira é um direito do réu. Penso que isso se trata de um
terrível engano. A Constituição Federal assegura ao réu o direito de permanecer
calado diante de uma acusação, e não mentir. E calar não é consentir, e mentir
não é uma forma aprimorada de exercer o direito ao silêncio.
Apesar de todo esse panorama desolador, não é motivo
para desanimarmos. Apesar de muitos maus exemplos, nossos jovens e crianças
trazem em seus corações um anseio irreprimível pela verdade. Trata-se,
portanto, de fomentarmos neles essa virtude. Para isso, é necessário que sejam
estimulados. Certa vez vi uma mãe extremamente irritada, com um chinelo na mão
a berrar: “quem quebrou esse vaso?”. Acredito que não é a forma mais adequada
para ensinar um filho a reconhecer o erro.
Conheço uma família que tem por regra que o filho que
admitir o erro, por pior que seja, sofrerá um castigo bem mais brando, já que disse
a verdade. Essa família tem como lema que o pior erro é a mentira. Isso porque
os outros erros, por piores que sejam, sempre têm remédio quando são admitidos,
quando se diz a verdade.
Tomara que os futuros homens públicos, e as pessoas
em geral, sejam formados em famílias que assim educam seus filhos.