Na semana passada fiz uma viagem de bicicleta com
meus filhos. Quando escrevo essas linhas, eles ainda dormem, exaustos das
pedaladas da véspera. Eu, porém, ainda trago martelando na mente alguns
acontecimentos dia anterior. Fizemos uma trilha chamada “Caminhos da Fé”, na
qual muitas pessoas, umas de bicicleta e muitas a pé, percorrem caminhos de São Paulo e sul de Minas com
destino a Aparecida. Ontem, ao cruzar com uns peregrinos, já curvados ao final
da tarde após longa caminhada, um deles me disse: “é fantástico que consiga
fazer isso com seus filhos. O meu só quer saber de computador e vídeo-game”. Ao
chegarmos à pousada em que passaríamos a noite, também causamos certa
perplexidade. Um dos viajantes perguntou com tom brincalhão a um de meus
filhos: “o que seu pai lhe prometeu para que fizesse essa viagem com ele?”.
“Nada”, respondeu ele meio vacilante. “Eu vim porque eu quis”, completou em
seguida mais resoluto.
Essa frase do garoto deve nos levar a meditar em algo
fundamental aos pais, professores e educadores em geral: a liberdade. Não há
verdadeira educação sem liberdade. Mas isso não é fácil. É que todos nós que Possuímos
uma missão de guiar alguém, em especial nesse mundo conturbado, temos também a
forte tendência de querer impor nossos critérios, nossos gostos, enfim, nossa
forma de ser. Contudo, não podemos nos esquecer de que cada ser humano é
absolutamente único e irrepetível. Aquilo que foi bom e funcionou conosco,
poderá não sê-lo para nossos filhos ou alunos.
Isso não implica, evidentemente, que devamos pensar
que não há certo e errado, que tudo depende do ponto de vista que se observa,
e, com isso, não façamos nada para formar os nossos filhos e alunos. Isso seria
cair num relativismo que aniquila a personalidade dessas pessoas a quem tanto
amamos e temos a obrigação grave de conduzir nos caminhos da vida. Porém, a
missão do educador é muito semelhante à de um guia que vai orientando sobre os
perigos, aconselhando sobre os cuidados que deve tomar, sobre o modo de proceder
em cada situação. E, quando se deparam com alguém mais teimoso, por vezes
deixam que levem uns tropeços, pois esses também podem ser muito pedagógicos.
Educar na liberdade implica não dar importância a
picuinhas que envenenam a vida familiar sem trazer nenhum proveito à formação
dos filhos. Há pais que se desgastam e perdem o tempo e a paz implicando com as
crianças que apertam o tubo de creme dental no meio e não caprichosamente em
uma das extremidades. Outros que exigem que coloquem primeiro o feijão no prazo
e depois o arroz, ou vice-versa. E, quando são contrariados, não faltam
censuras, reclamações e até broncas humilhantes na frente dos outros, que não
edificam nada, mas geram revoltas e incompreensões.
Penso que deveríamos aprender a relevar esses detalhes
sem importância e nos centrarmos no que é realmente fundamental para os nossos
filhos e alunos: que descubram o valor da amizade e do respeito pelo próximo, que
aprendam mais com o nosso exemplo do que com discursos ou sermões que é bom
desempenhar os trabalhos e demais atividades do dia com alegria e espírito de
serviço. E isso não se consegue sem liberdade. Afinal, alguém conseguiria
forçar alguém a amar?
Ainda na viagem, após o jantar, eu me detinha no
quarto com uma leitura que me agradava, quando meu filho mais velho me fez uma
advertência: “Pai, a conversa não está boa. É melhor você chamar o João para
cá”. Respondi-lhe mais por preguiça que por convicção: “Filho, ele é livre, não
posso forçá-lo”. Mas ele argumentou: “é pai, mas ele é muito novo e poderá
pensar que aquelas bobagens que estão dizendo são corretas”. “Você tem razão,
filho”, disse-lhe e fui chamar o garoto para assistirmos a um filme juntos.
De fato, educar na liberdade não quer dizer que
devamos esquecer que há uma verdade objetiva, que não é tudo relativo e
dependente do ponto de vista. E nisso o educador não pode transigir, tal como o
guia que não permite que aquele que conduz pelas sendas de um caminho perigoso
caia num precipício, mesmo que tenha de se valer da força para salvar-lhe a
vida.
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