Reacendeu-se recentemente na França a polêmica sobre
o uso da burca pelas mulheres muçulmanas, tanto que o Presidente Nicolas
Sarkozy, discursando no Congresso de Versalhes para deputados e senadores, defendeu
a sua proibição.
Será isso uma nova expressão dos ideais da Revolução
Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade? As idéias são dinâmicas, tal como
a rosa que, ao desabrochar, assume novas feições sem deixar de ser a mesma que
era quando não passava de um promissor botão. Sendo assim, proibir agora que as
mulheres usem a burca, como impedir de freqüentar as escolas públicas os judeus
trajando os seus quipás e os cristãos de levar no peito o crucifixo, seria uma
espécie de apogeu daqueles ideais atingido agora no terceiro milênio?
Que me perdoe o leitor a ironia, mas acredito que é necessário
formar uma visão muito crítica acerca do que se pensa hoje em dia sobre
liberdade, igualdade e fraternidade.
Para vivê-los, não é necessário arrancar Deus da vida
das pessoas. Aliás, a maior expressão da liberdade se encontra no interior do
ser humano. Refiro-me à liberdade de ser o que de fato é. No recôndito de cada
consciência é que se pode ser ou não livre.
A história é pródiga de exemplos disso. Podemos aqui citar
a vida do cardeal vietnamita François-Xavier Nguyên Van Thuân. Rumo à
prisão, na qual permaneceu por treze anos, tomou ele uma decisão: Vinham-me à mente muitos pensamentos confusos: tristeza, abandono,
cansaço depois de três meses de tensões... Porém, em minha mente surgiu
claramente uma palavra que dispersou toda a escuridão, a palavra que Monsenhor
John Walsh, Bispo missionário na China, pronunciou quando foi libertado depois de doze anos de
cativeiro: ‘Passei a metade da minha vida esperando’. É verdadeiríssimo: todos
os prisioneiros, inclusive eu, esperam a cada minuto sua libertação. Porém,
depois decidi: ‘Eu não esperarei. Vou viver o momento presente, enchendo-o de
amor. Por mais amarras que obstavam a esse grande homem de ir e vir, alguém
duvidaria de que sua alma experimentava, ainda que no cárcere, uma imensa
liberdade que o permitia viajar, amar e deleitar-se nos braços d’Aquele que
sempre foi a razão de sua vida?
E também vivia uma fantástica fraternidade.
Prisioneiro, não conseguia se comunicar com o seu rebanho. Valeu-se então da
criatividade impelida pelo amor fraterno: Em outubro de 1975, fiz um sinal a um
menino de sete anos, Quang, que regressava da missa às 5 horas, ainda escuro:
‘Diz à tua mãe que me compre blocos velhos de calendários’. Mais tarde, também
na escuridão, Quang me traz os calendários, e em todas as noites de outubro e
novembro de 1975
escrevi da prisão minha mensagem ao meu povo. Cada manhã o menino vinha
recolher as folhas para levá-las à sua casa e fazer que seus irmãos e irmãs
copiassem-na. Assim foi escrito o livro “O Caminho da Esperança”, posteriormente publicado em vários idiomas.
Igualdade,
muito se lutou, com avanços e retrocessos no sentido de que os recursos
manteriais, a ciência, a cultura, a educação, enfim, todos os bens, sejam
partilhados com eqüidade entre os homens e os povos. Isso não implica, porém,
que os homens e as mulheres devam ser tratados de forma idêntica, como uma
pilha de tijolos em que as individualidades simplesmente se perdem no meio de
uma coletividade. A maior expressão da igualdade a que todos anseiam é que cada
ser humano seja reconhecido como indivíduo, único e irrepetível.
Mas não há
motivo para se afligir em
demasia. Podem arrancar a burca da fronte, os quipás da
cabeça ou o crucifixo do peito, mas, de nenhum desses homens e mulheres que
anseiam por trazer esses símbolos, poderão arrancar as convicções nobres e
limpas que forjaram seus corações.
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