O Correio Popular, na edição da última terça-feira,
dia 28 de abril, trouxe um artigo muito bem fundamentado, de autoria do
advogado e jornalista Hélio Bicudo e do Promotor de Justiça Tiago Cintra
Essado, intitulado “Vida: a Constituição e o STF”. O tema foi muito bem
abordado, com argumentos coerentes e de uma lógica jurídica insuperável. Apesar
disso, penso que há um ponto a mais a ser considerado: o STF, em recente
decisão, reconheceu validade à Convenção Americana de Direitos Humanos.
O julgamento não trata propriamente do direito à vida,
mas da prisão civil do chamado depositário infiel. Para que entenda o leitor
que não tem conhecimento jurídico, depositário infiel é aquele que, tendo em
depósito de um bem que não é seu, transfere-o a terceiro, deixando de devolver quando
solicitado.
O depositário infiel estava sujeito à prisão civil que
visava forçá-lo a devolver o bem. O fundamento da recente decisão do STF é que,
apesar do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal prever essa
modalidade de prisão, o § 2º do mesmo artigo estabelece que os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes (...) dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte. E o Brasil tomou parte
do chamado Pacto de São José da
Costa Rica, que instituiu a Convenção Americana de Direitos Humanos. E essa, em
seu artigo 7º, 1 assegura que: Ninguém
deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de
autoridades judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de
obrigação alimentar. Como a Convenção assegura uma garantia mais ampla,
permitindo a prisão por dívida exclusivamente do devedor de alimentos, o STF
entendeu impossível a decretação da prisão civil do depositário infiel.
Talvez essa decisão não seja muito simpática aos
credores. Imaginemos uma situação de um bem que foi penhorado e é levado a
leilão. Alguém o adquire, porém, no momento de entregar o bem, descobre-se que
o devedor o vendeu a terceiros. Nesse caso, o Juiz, no mais das vezes indignado
com a conduta desrespeitosa do devedor, decretava-lhe a prisão até que
entregasse o bem ou o equivalente em dinheiro. Porém , com o recente entendimento do
STF, isso não é mais possível. Apesar de ser isso uma grande benesse ao devedor
malicioso, penso que a orientação da nossa Suprema Corte está juridicamente correta.
É que a Convenção que trata de direitos humanos está acima de nossas leis.
Porém, espero que o mesmo entendimento seja adotado na
tutela da vida. É que dispõe o artigo 5º da Constituição Federal que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Discute-se o alcance
do direito à vida, consagrado na nossa Lei Maior, pois ela não define o momento
a partir do qual pode ser considerado que há uma vida no ventre materno.
Contudo, a Convenção Americana de Direitos Humanos não deixa qualquer dúvida.
Em seu artigo 4º, 1, consagra com todas as letras: toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito
deve ter proteção pela lei e, em geral, desde
o momento da concepção. Ninguém pode ser privado arbitrariamente (grifo
nosso).
Assim, qualquer forma de aborto, por violar o direito
à vida, que por sua vez é assegurado desde a concepção, é inconstitucional, ou,
quando menos, viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, que, no entender
do STF, está acima de qualquer lei ordinária de nosso País. Ou será que o
tratado internacional serve apenas para tutelar os direitos do depositário
infiel?
Penso que é chegado o momento da população exigir
coerência do Judiciário. Para isso, não basta que os seus integrantes, em
especial os membros da Corte Suprema, tenham um tratamento respeitoso entre si,
abstendo-se de lamentáveis “bate-boca”. É necessário que não haja dois pesos e
duas medidas, especialmente quando a questão a ser decidida seja o direito mais
importante consagrado na nossa Constituição Federal: a vida.
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