segunda-feira, 4 de maio de 2009

A Vida no STF: dois pesos e duas medidas?

O Correio Popular, na edição da última terça-feira, dia 28 de abril, trouxe um artigo muito bem fundamentado, de autoria do advogado e jornalista Hélio Bicudo e do Promotor de Justiça Tiago Cintra Essado, intitulado “Vida: a Constituição e o STF”. O tema foi muito bem abordado, com argumentos coerentes e de uma lógica jurídica insuperável. Apesar disso, penso que há um ponto a mais a ser considerado: o STF, em recente decisão, reconheceu validade à Convenção Americana de Direitos Humanos.
O julgamento não trata propriamente do direito à vida, mas da prisão civil do chamado depositário infiel. Para que entenda o leitor que não tem conhecimento jurídico, depositário infiel é aquele que, tendo em depósito de um bem que não é seu, transfere-o a terceiro, deixando de devolver quando solicitado.
O depositário infiel estava sujeito à prisão civil que visava forçá-lo a devolver o bem. O fundamento da recente decisão do STF é que, apesar do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal prever essa modalidade de prisão, o § 2º do mesmo artigo estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes (...) dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. E o Brasil tomou parte do chamado Pacto de São José da Costa Rica, que instituiu a Convenção Americana de Direitos Humanos. E essa, em seu artigo 7º, 1 assegura que: Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridades judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Como a Convenção assegura uma garantia mais ampla, permitindo a prisão por dívida exclusivamente do devedor de alimentos, o STF entendeu impossível a decretação da prisão civil do depositário infiel.
Talvez essa decisão não seja muito simpática aos credores. Imaginemos uma situação de um bem que foi penhorado e é levado a leilão. Alguém o adquire, porém, no momento de entregar o bem, descobre-se que o devedor o vendeu a terceiros. Nesse caso, o Juiz, no mais das vezes indignado com a conduta desrespeitosa do devedor, decretava-lhe a prisão até que entregasse o bem ou o equivalente em dinheiro. Porém, com o recente entendimento do STF, isso não é mais possível. Apesar de ser isso uma grande benesse ao devedor malicioso, penso que a orientação da nossa Suprema Corte está juridicamente correta. É que a Convenção que trata de direitos humanos está acima de nossas leis.
Porém, espero que o mesmo entendimento seja adotado na tutela da vida. É que dispõe o artigo 5º da Constituição Federal que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Discute-se o alcance do direito à vida, consagrado na nossa Lei Maior, pois ela não define o momento a partir do qual pode ser considerado que há uma vida no ventre materno. Contudo, a Convenção Americana de Direitos Humanos não deixa qualquer dúvida. Em seu artigo 4º, 1, consagra com todas as letras: toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ter proteção pela lei e, em geral, desde o momento da  concepção. Ninguém pode ser privado arbitrariamente (grifo nosso).
Assim, qualquer forma de aborto, por violar o direito à vida, que por sua vez é assegurado desde a concepção, é inconstitucional, ou, quando menos, viola a Convenção Americana de Direitos Humanos, que, no entender do STF, está acima de qualquer lei ordinária de nosso País. Ou será que o tratado internacional serve apenas para tutelar os direitos do depositário infiel?

Penso que é chegado o momento da população exigir coerência do Judiciário. Para isso, não basta que os seus integrantes, em especial os membros da Corte Suprema, tenham um tratamento respeitoso entre si, abstendo-se de lamentáveis “bate-boca”. É necessário que não haja dois pesos e duas medidas, especialmente quando a questão a ser decidida seja o direito mais importante consagrado na nossa Constituição Federal: a vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário