Na semana passada os Presidentes da República, do
Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
assinaram o “Pacto Republicano”, que tem por objetivo resolver problemas da
Justiça brasileira.
Contemplando a situação atual de nossa Justiça e a
proposta que agora se tenta implementar, lembro-me de quando, há muitos anos,
ao chegar a São Paulo para cursar a Faculdade de Direito, passei, numa primeira
vez, pela Praça da República. Eu vinha de uma pequena cidade do interior. Por
isso, a imagem que tinha de uma praça era de um local aprazível, em que as
pessoas se encontram para conversar, os jovens tomam sorvete, os idosos jogam
dominó sentados nos bancos e as crianças correm ao redor do coreto. Mas aquela
praça da Capital paulista era o oposto disso: todos passavam por ela muitíssimo
apressados e, além disso, desconfiados, preocupados em ser assaltados. Os que
ficavam mesmo pela praça não tinham nada do ar amistoso e pitoresco da minha
querida “Passárgada”.
Aos poucos fui percebendo que isso ocorre com quase tudo
neste mundo: quando um lugar (uma casa, uma praça, uma instituição) deixa de
ser ocupado por pessoas de bem, que nele irradiam a sua alegria, a sua
vibração, enfim, a sua vida, acaba por ser tomado pelas trevas e por seus
“filhos”, que então semeiam a discórdia, as intrigas, os roubos, os furtos etc.
É triste constatar, mas parece que algo de semelhante
está acontecendo com a nossa Justiça. Os nossos “Palácios da Justiça” e todo o aparato judicial foram pensados e
construídos para receber pessoas íntegras e bem-intencionadas, ao menos para as
causas civis (não criminais). Espera-se que esses litigantes tenham posições
divergentes sobre um determinado assunto, é evidente, pois do contrário não
haveria litígio, mas que ajam de boa-fé, esperando sinceramente que o juiz lhes
dê uma solução justa.
No entanto, o que vemos na prática forense é muito
diferente desse cenário ideal. Não são raras as ações ajuizadas sem nenhum
fundamento, em que o demandante sabe que não tem razão, mas, como não tem nada
a perder, pensa: “se pegar, pegou”. Ocorre que esse comportamento
irresponsável, que no mais das vezes fica sem punição, vai entupindo as
prateleiras de processos. E as pessoas de bem, muitas vezes com seus direitos
legítimos lesados, sentem-se desestimuladas a buscar a tutela de seus direitos,
seja pela demora, seja por não mais confiar no sistema.
Outras vezes, também não poucas, são os demandados que
assumem postura absolutamente antiética. Sabem que não têm razão, porém, sem
qualquer escrúpulo, valem-se dos inúmeros recursos e incidentes para protelar o
cumprimento de sua obrigação, talvez apostando no cansaço do credor. E esse, além
da angústia por ter um direito desrespeitado, tem ainda de amargar as delongas
de uma demanda que parece não ter fim.
Muitas leis têm sido promulgadas recentemente visando
dar uma maior celeridade e efetividade aos processos. Na prática, porém, os
resultados tem sido desanimadores. Penso que o motivo do insucesso dessas
medidas está em que não é por meio de mais leis que serão resolvidos problemas
que são, no fundo, de natureza ética (ou antiética). Trata-se de mudar a
postura de todos os envolvidos nos litígios: partes, advogados, promotores,
serventuários e juízes. Com efeito, é muito mais fácil fazer justiça com leis
ruins, mas com pessoas prudentes e sinceras, do que com ótimas leis e com
pessoas corruptas ou mal-intencionadas para cumpri-las.
Parafraseando um sábio advogado, penso que a solução
verdadeiramente duradoura para a crise da Justiça seja “afogar o mal em
abundância de bem”. Assim como sonhamos que nossas praças sejam novamente tomadas
por jovens namorados, felizes vovôs e
barulhentas crianças, queremos também que a Justiça seja inundada por homens e
mulheres íntegros e verazes, comprometidos em dar a cada um o que lhe é devido.
Logo que me formei em direito tive o imenso privilégio
de trabalhar com um desembargador que foi para mim, mais que um brilhante
magistrado, um exemplo de vida inesquecível. Sempre alegre, solícito e
brincalhão, o ambiente ao seu redor exalava paz, alegria e serenidade. Certa
vez, veio visitar-lhe em seu gabinete de trabalho o Presidente do Tribunal. Um
pouco antes dele, porém, chegou a faxineira do prédio para limpar as janelas.
Com a mesma naturalidade de sempre, ele cumprimentou primeiro a faxineira,
chamando-a pelo nome e, somente após, também com imenso apreço e cordialidade, deu
as mãos ao Presidente do Tribunal.
Penso que bastariam umas poucas pessoas (juízes,
promotores, advogados, serventuários da justiça) com esse perfil, espalhadas
pelos nossos Fóruns, para que nossa Justiça se tornasse não apenas justa, mas
mais acessível aos homens e mulheres de bem.
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