segunda-feira, 27 de abril de 2009

Dignidade na doença

Há alguns anos vivenciei o drama de um amigo acometido por uma doença grave. A experiência foi para mim muito triste, mas ao mesmo tempo enriquecedora. Primeiro veio a notícia terrível: não há cura, restam-lhe apenas poucos meses. Não contive as lágrimas ao recebê-la de um amigo comum. Um de meus filhos, que presenciou a cena, pensou (como ele está enganado!) que foi a única vez que seu pai chorou. Na verdade foi a única que não consegui esconder-lhes... Depois seguiu o drama em que se transformou a vida daquele grande amigo. Mas a luta foi heróica. Jamais o vi reclamar. Ao contrário, sempre sereno, mesmo quando a dor lancinante o castigava impiedosamente. Além disso, evitava falar de si, como que querendo empregar muito bem os minutos que lhe restavam para fazer mais amável a vida dos que lhe cercavam.
Os últimos dias desse meu amigo me foram muito marcantes. Porém, penso que ainda não me aprofundei de verdade no sentido da doença em nossas vidas. Há uma forma de o doente viver com dignidade esses duros momentos? E os parentes e amigos, como podem se comportar para que dessa dor amarga possa brotar doces frutos de amor para todos?
Há um filme interessante, “Escola da Vida”, que mostra como os últimos dias que restam ao doente podem ser muito bem vividos. O filme se desenvolve predominantemente no ambiente de uma escola. Um dos personagens, Sr. D. (Ryan Reynolds), é encantador. É excelente comunicador que muito cedo ganha a simpatia dos colegas e alunos com a sua forma positiva com que encara a vida, os acontecimentos e a educação. No meio do filme, descobre-se que ele possui uma doença grave. Apesar disso, a forma com que ele encara os momentos que lhe restam contagia os alunos e colegas, motivando-os a olhar para a vida de uma outra maneira. Penso que essa seja a postura mais digna que o doente pode assumir: aproveitar intensamente o tempo que lhe resta para fazer felizes os que lhe cercam.
Mas também os parentes e amigos do doente podem crescer muito com essa experiência. Trata-se de uma oportunidade imperdível de viver a caridade. Cuidar desinteressadamente de um doente, esforçando-se por contar-lhe coisas alegres, por fazer com que passe bons momentos nessa difícil situação, é, antes de mais nada, algo que inunda de muita paz e alegria a quem presta esse valioso serviço.
Além disso, com muito respeito e delicadeza, talvez será o momento de mostrar ao doente o verdadeiro sentido da vida. Quer se acredite ou não em outra vida após a morte, é inegável que estamos aqui de passagem. Aliás, uma passagem muito breve. Assim, sem forçar a nada e com profundo respeito pela liberdade das consciências, muitos desses doentes serão eternamente gratos a uma atenção espiritual que lhes forem prestadas nesses momentos.
Quando soube que meu avô estava gravemente doente, logo me veio o profundo desejo de que ele contasse com uma atenção espiritual naqueles momentos que lhe seriam tormentosos. E pus-me a pensar em como fazer isso com delicadeza e sem causar constrangimentos e dissabores. Logo que pude, tomei um avião e fui ter com ele onde estava. Não foi possível, porém, naquela oportunidade, tratar desse assunto. Porém, comentei esse desejo com um tio meu, que gostou da idéia. Dei o caso por encerrado e não mais tratei do assunto. No velório dele, uma tia que lhe dispensou os cuidados até o final, me deu a grande notícia: “o sacerdote esteve lá em casa há poucas semanas. Ele gostou muito da visita. Daquele dia em diante ficou muito contente e sereno”. E mais, aquela serenidade e alegria o acompanharam até o último de seus dias.

Não se trata de criar escrúpulos nem de impor convicções religiosas nesse momento. Mas os doentes têm direito de que lhes falemos de amor, e o amor transcende aos credos e às convicções religiosas. Como diz o Papa Bento XVI, em sua primeira encíclica (Deus é Amor), “a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo”. E mais adiante acrescenta: “O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor”. Esse carinho e esse afeto desinteressados não podemos jamais negá-los a esse imenso tesouro que são os nossos doentes.

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