segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Pai ou amiguinho?

Há poucos meses uma reportagem divulgada no Folhateen relata que é cada vez mais freqüente pais e filhos fumarem maconha juntos. Afora a aberração que é o uso de entorpecente em si, isso revela uma tendência dos pais e das mães de nosso tempo de se colocarem no nível dos filhos, portando-se como verdadeiros adolescentes, pensando que com isso conquistarão a confiança e a amizade deles. Mas será que os filhos esperam isso dos pais?
Talvez nos ajude a responder a essa indagação se considerarmos como são nossas expectativas em relação a um profissional que nos presta um serviço. Quando procuramos um médico, por exemplo, almejamos dele algo que não temos, que é o conhecimento técnico necessário para a cura de uma doença. E a relação que se estabelece entre médico e paciente não é de absoluta igualdade. Ao contrário, o médico possui autoridade para propor o tratamento adequado a que o paciente deve se submeter, ou procurar outro profissional, acaso não atinja um grau suficiente de confiança.
E algo de semelhante ocorre em outras profissões: advogado, engenheiro etc. Espera-se que tenha um conhecimento de seu ofício capaz de desempenhá-lo com eficiência e competência. E imagino que um cliente não teria suficiente confiança num advogado que o atendesse em seu escritório com uma camiseta surrada, jeans rasgado, tênis sujo, mascando chiclete e se expressando por meio de gírias vulgares.
Ser pai e ser mãe é muito mais que uma profissão, mas os filhos têm direito a que essa missão seja exercida com muito mais profissionalismo, eficiência e competência que qualquer ofício.
Nossos filhos têm direito de ter um pai e uma mãe de verdade, que se ocupem da educação deles. Não precisam de mais um amiguinho ou uma amiguinha. Pais que saibam exercer a autoridade no momento e na medida certa. Que respeitem a liberdade e a intimidade dos filhos. Que não sejam autoritários nem que vivam impondo restrições aos filhos apenas na medida em que violem a comodidade e o sossego dos pais. Mas que, sobretudo, sejam fortes o suficiente para dizer não, quando o bem deles o exigir e, mais ainda, que sejam valentes para sustentar suas decisões bem pensadas até o final.
Isso não quer dizer que os pais não possam ser amigos dos filhos, no sentido de que eles se sintam à vontade para lhes abrir a intimidade, revelando seus sonhos e frustrações. Seria muito bom que o pai e a mãe conseguissem contar com a total confiança dos filhos. No entanto, essa amizade há de se estabelecer sem que o pai deixe de ser pai, nem o filho de ser genuinamente filho.
Não se trata, também, de restabelecer uma relação autoritária entre pais e filhos. O pai e a mãe sábios percebem que a melhor ordem é um simples “por favor”, dito com tal delicadeza e com elegante firmeza que se fazem obedecer. E conseguem esse resultado porque o fazem por amor, não por vaidade, comodismo ou qualquer outro motivo que não o verdadeiro bem dos filhos.

Penso que o melhor exemplo de como deve ser a relação entre pais e filhos seja a de um guia que nos conduz numa escalada por caminhos tortuosos e desconhecidos. O guia será aquele que já percorreu o caminho muitas vezes. Portanto, sabe quais são os perigos, o momento de avançar e de retroceder, o de ousar e o de se precaver. E se for um bom guia, estará sempre atento aos passos de quem conduz. Essa é a missão dos pais. Sabem respeitar a liberdade dos filhos e, por conseqüência, deixar que caminhem com os próprios pés. Porém, sabem também que têm a missão de os guiar nos caminhos dessa vida até que sejam suficientemente maduros e, portanto, que saibam guiarem a si próprios. Mais ainda, que um dia sejam eles também pais e mães a guiarem eficazmente seus filhos, nesse ininterrupto e maravilhoso ciclo da vida.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Tempo de paz

Nestes últimos dias do ano, a palavra que mais aparece nas mensagens de Natal é a paz: “Feliz Natal e um Ano Novo repleto de paz e realizações”, “que a paz do Natal inunde cada um de seus dias no próximo ano” etc. Mas para que esse anseio se concretize em nossas vidas, o que é necessário? Como encontrar a tão sonhada paz?
Antes de buscarmos a paz, temos de encontrar o seu verdadeiro sentido. A paz não é a ausência de guerra, nem tampouco depende ela de não se ter problemas. Costuma-se dizer que as nações estão em paz quando uma não está em atacando a outra e respeitando a sua soberania. No entanto, muitas vezes essa aparência de paz está construída sobre a desconfiança e sobre o temor. Cada um se abstém de agredir o outro não em respeito à dignidade dos semelhantes, mas receoso dos danos que possam advir do conflito.
E nós, muitas vezes, construímos a paz no trabalho, na família e em nossas relações sociais sobre bases semelhantes. Por exemplo, quando se está diante do chefe, simula-se um respeito e uma lealdade a ele, mas se faz de forma interesseira, de modo obter uma promoção. Entre os colegas, mantém-se um tratamento externamente respeitoso com o objetivo de ser bem visto pelos demais e manter a posição. Com isso, pode-se até construir um ambiente de aparente paz, por não haver conflitos entre as pessoas. Contudo, basta que haja um interesse econômico em jogo para se jogue tudo isso fora, e então surgem as famosas “puxadas de tapete” que corroem as instituições.
Na família também pode ocorrer algo de semelhante. Coloca-se uma TV exclusiva para cada um, pois assim se evitam os conflitos na escolha dos programas. Cada um com o seu celular, seu computador, sua internet etc. Com isso, evitam-se muitas brigas, é certo. Porém, não chamem a isso de família. São pessoas que convivem juntas por mera conveniência, mas cada uma isolada em seu reduto, imersas no mais cego egoísmo. E não há verdadeira paz nessa casa. Há, quando muito, mera acomodação de interesses.
A paz exige que busquemos a reconciliação com aqueles com quem, por um motivo ou por outro, com ou sem razão, tenhamos nos indisposto. E o tempo de Natal é propício para isso. A proximidade das festas aguça em nossos corações sentimentos de solidariedade que nos movem a querer reatar as relações rompidas. E é muito bom que aproveitemos essa oportunidade. Uma vez perguntei a um amigo como ele se sentia após ter restabelecido a amizade com um irmão com quem há anos não conversava. A resposta foi simples e sincera: “parece que tirei uma tonelada das costas. Caminho agora com a serenidade de quem aliviou um peso imenso que me esmagava”.
Para que reine a paz na sociedade, ela deve reinar antes em nossos corações. E ela somente terá nele a sua morada se encontrar um ambiente propício. É fundamental, nesse intuito, que nos demos razões suficientemente fortes para viver. E não há sentido maior para nossa vida do que doá-la por amor aos que nos cercam, em especial os nossos familiares e amigos.
E quando vivemos assim, a nossa marca será a alegria. E essa, como ensina São Tomás de Aquino, nasce do amor. E o amor tem tanta força “que esquecemos a nossa alegria para alegrar aqueles que amamos”.

Outro dia eu conversava descontraidamente com a minha filha de três anos, quando resolvi aprofundar um pouquinho num assunto. Fiz-lhe, então, uma pergunta: “Filha, você é feliz?”. “Sou”, respondeu ela imediatamente. “Por que você é feliz?”, insisti. “Porque eu te amo muito”, respondeu-me ela. E depois de alguns segundos, ela continuou, como que descobrindo um motivo ainda mais forte para a sua felicidade: “E porque a mamãe gosta muito de mim”. Talvez tenhamos aqui uma possibilidade enorme de buscarmos a paz tão sonhada: imitar a simplicidade de uma criança bem pequena.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Prêmio Cidadão RAC-CPFL

Nesta noite serão homenageadas as iniciativas que foram destaques deste ano na área de inclusão social com o Prêmio Cidadão RAC-CPFL. Como jurado, tive a grata satisfação de analisar cada um dos projetos. As ações são muito diversas e variadas, mas em todas elas se pode vislumbrar uma motivação e um objetivo de certa forma comum. Mas qual seria essa força motriz? E o que buscam esses abnegados idealistas que despendem trabalho, esforço, tempo e dedicação em favor do próximo?
Todas as maravilhosas iniciativas de inclusão social que afloram em nossa sociedade têm, em sua origem, um olhar delicadamente atento às necessidades dos outros.
Esse olhar atento, no mais das vezes fruto de um amor exigente, pode se manifestar “desorganizadamente” de muitas formas. Uma das recordações mais gratas que tenho de um colega de faculdade foi quando atravessávamos uma rua do centro de São Paulo. Apesar do intenso movimento, ele soube ver no meio daquela multidão apressada uma velhinha que mal conseguia caminhar sozinha. O meu amigo voltou, deu a mão a ela, que então prosseguiu segura e contente, após esse gesto de inolvidável cortesia.
Muitas vezes, porém, esse olhar atento, movido pela inteligência, pode levar a se fazer o bem organizadamente, reunindo esforços, pois unidos podemos fazer mais e melhor. E então é que surgem essas iniciativas. Com elas se busca, por exemplo, fortalecer a família das pessoas em recuperação da dependência das drogas, amparar as pessoas que viveram nas ruas, trabalhar para fortalecer as demais entidades, formar lideranças juvenis, promover a integração dos portadores de deficiências, doar bens materiais para pessoas carentes ou ainda reunir jovens para visitar as crianças da favela. Enfim, onde há necessidades humanas, há um campo fértil de trabalho.
Esse trabalho, em que pese ser voluntário e não remunerado, não deve ser menos sério nem contar com menos comprometimento que o que temos com o trabalho profissional remunerado. Há que ser feito com competência, eficiência, planejamento, estabelecer metas e agir com profissionalismo. Também há que se cuidar para que as instalações sejam muito dignas e acolhedoras.
Mas tudo isso não basta. Certa vez, visitei uma entidade que cuida de enfermos. O trabalho é muito sério e eles são muito bem atendidos. Um dos dirigentes me mostrava orgulhoso a beleza das instalações e o magnífico trabalho que realizavam. Apesar disso, enquanto passeávamos, um senhor se aproximou de nós com gesto de que queria conversar um pouco. Porém, imediatamente o grupo se afastou, como que fugindo, de modo que o pobre homem ficou só. Que não seja assim! É muito importante que haja cobertor, sala de estar, cadeira confortável e camas novas e bem arrumadas. Mas muito mais importante é que se sintam acolhidos e amados por quem os atende.
Quando nos lançamos em promover instituições que se dedicam ao bem do próximo, não podemos nos esquecer que as pessoas anseiam a cura de um vício, a recolocação no mercado de trabalho ou melhorar as condições materiais de vida. Mas muito mais buscam um sentido para as suas vidas. E isso somente se lhes é transmitido quando percebem em gestos pequenos, mas bem concretos que o que nos move é o amor por eles. E esse amor se manifesta não apenas no que lhes damos, mas, sobretudo, que lhes damos nós próprios, com o nosso sorriso, com a nossa acolhida, com o nosso sincero afeto.

A essas instituições que hoje recebem o merecido prêmio, àquelas que não foram contempladas, mas nem por isso põem menos amor no que fazem, e também àquelas que ainda trabalham no silencioso anonimato de quem não tem outras miras que o bem do próximo, o nosso mais sincero parabéns e muito obrigado!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Mentir e colar é só começar

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos pelo Institute of Ethics, em Los Angeles, aponta que as pessoas que colaram em exames no ensino médio são consideravelmente mais propensas a serem desonestas na via adulta. O estudo não surpreende. Há até quem diga que “mentir e colar, é só começar”. Mas diante dessa constatação, como poderemos incutir em nossos jovens a importância da honestidade?
Os jovens e os adolescentes são avessos a frases e discursos moralistas. E é bom que o sejam. Afinal, se lhes foi dada uma inteligência é para que a utilizem retamente. Assim, para que sejam incutidos os valores éticos é necessário que saibamos fazê-los pensar e refletir a fundo sobre as conseqüências de suas ações. Com habilidade e senso de oportunidade, temos de saber propor-lhes muitos porquês.
Tomemos o exemplo da cola. Quais são suas as vantagens? Podemos vislumbrar algumas respostas: exigem um menor esforço mental e talvez menor tempo que um estudo sério; com isso, sobra mais tempo para a diversão; é uma aventura atrativa poder romper as regras e, com isso, se sair bem e talvez melhor que os nerds que passam horas estudando. Mas... como se sente ao receber uma nota imerecida? Triunfante pela esperteza? Ou, ao contrário, com um vazio interior que precisará ser preenchido com outras trapaças? Já experimentou a satisfação que dá tirar uma boa nota que seja fruto do esforço e da dedicação?
Depois de muitas indagações como essas ou outras que a intuição materna ou paterna nos dirá, então poderemos, muito sutilmente, sugerir algo. Sobre esse assunto, poderemos dizer-lhe: “filho, para se construir uma escultura belíssima são necessários muitos pequenos atos, pensados, esmerados. Para destruí-la, basta poucas marretadas ou um simples atirá-la no chão. Ocorre algo semelhante conosco. Para merecer a confiança é necessário muito esforço e dedicação. Para perdê-la, basta ser surpreendido colando ou praticando outra desonestidade qualquer”.
É provável que essa frase não o convença facilmente. E o objetivo não é mesmo convencer de nada, mas fazê-lo pensar. Não há uma só má ação que resista a três ou quatro porquês bem elaborados.
E esse exercício servirá para muito mais. Na verdade, servirá para tudo na vida. Já adultos, há de se indagar: devo receber uma comissãozinha para comprar os produtos daquele fornecedor, ainda que seja mais caro e prejudicial à empresa que trabalho? A quem estarei beneficiando com isso? A quem estarei prejudicando? Quais serão as conseqüências se descobrirem essas falcatruas?
Lembro-me de um episódio que me ocorreu quando era criança. Participava de um jogo de futebol. O clima era tenso e perdíamos por um a zero. Numa jogada, a bola tocou-me na mão. Os adversários reclamaram a falta, ao que os do meu time contestaram. Os olhos de todos se voltaram para mim que, ainda na inocência da primeira infância, prontamente admiti a falta. Os companheiros de time, já com a “malícia de jogador” se indignaram comigo: “você é burro?! Não vê que estamos perdendo?!”.
A primeira reação foi pensar que, no futebol, para vencer vale tudo, até é mentir. No entanto, logo notei que aquela mesma atitude me trouxe muitas vantagens. É que, quando surgia algum lance duvidoso, eles corriam a me perguntar o que havia acontecido e confiavam sem duvidar da resposta.
Um grande desafio que temos na educação de nossos filhos e alunos para convencê-los a ser sinceros é saber mostrar-lhes como é bom ser honesto. É bom dizer algo e todos acreditarem sem necessidade de provas, testemunhas, etc. É muito bom para o marido e para a mulher poder dizer ao outro onde esteve e ter dele ou dela a total confiança que nasce de um compromisso assumido e honrado. E isso não é impossível. Basta que saibamos fazê-los olhar para dentro de si. Lá encontrarão uma lei natural que os move para o bem. Aprenderão também que seguir os conselhos de uma consciência bem formada é a chave para encontrarem a verdadeira felicidade.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aproveitando as férias

A corda não pode ficar o tempo todo distendida. É necessário que, por vezes, se afrouxe um pouco para, posteriormente, voltar a se esticar e, com isso, cumprir a sua função para a qual foi feita. Algo de semelhante ocorre conosco. Não podemos viver o tempo todo sob a tensão do trabalho e das demais preocupações de nosso dia-a-dia. Também necessitamos de um período de descanso, em que não estejamos muito presos a um horário rígido, em que podemos nos dedicar mais ao lazer, ao esporte e, principalmente, ao convívio com a família. As férias são verdadeiramente uma necessidade humana. E, para um bom trabalhador, sem deixar de ser um direito social, é também um dever. É que após esse tempo de descanso, renovamos as energias, dentro outros motivos, para trabalharmos melhor.
Mas para que as férias sejam bem aproveitadas, é necessário que sejam bem programadas. E é um bom critério para isso pensar no que seria bom para cada uma das pessoas da família. É que há lugares e circunstâncias em que umas pessoas até se divertem, enquanto outras saem mais cansadas ainda. Por exemplo, há mães (ou pais) que em praias extremamente lotadas, mais se estressam em ficar correndo atrás das crianças entre a multidão do que se divertem. Nesse caso, teria de se pensar em locais mais tranqüilos, ou mesmo procurar outros tipos de passeios.
Muitos pais se empenham muito em procurar locais em que as crianças “não incomodem”, em que haja muita recreação com monitores para os filhos, de modo que possam curtir à vontade. Penso que não há problema em que haja diversão para os filhos mesmo sem a presença constante dos pais. Porém, não podemos nos esquecer de que as férias são uma oportunidade fantástica para estar mais tempo com os filhos. É que nos momentos de descontração, enquanto praticamos um esporte com eles, nos divertimos numa piscina, fazemos uma caminhada até uma montanha ou passeamos de bicicleta, podemos notar como eles reagem em cada situação. E, sem pretendermos ficar corrigindo-os o tempo todo, podemos dar-lhes conselhos oportunos que serão úteis por toda a vida.
Talvez uma das melhores formas de aproveitar bem as férias é fazer com que as outras pessoas de nossa família também a aproveitem. Muitos de nós nos lembramos daqueles janeiros na praia em que as mulheres passavam várias horas do dia limpando a casa, fazendo o almoço, lavando a louça, enquanto os homens se arvoram no direito de ficar bebericando de manhã e dormindo após o almoço. Certa vez um amigo me deu uma dica muito interessante. Quando estavam no carro a caminho do local onde passariam as férias, definiam as funções de cada um (arrumar a cama, fazer a comida, lavar a louça etc.). Assim, todos trabalham, todos se divertem e todos descansam. Além disso, enquanto se lava a louça com um filho podemos arrancar-lhes confidências muito interessantes para os ir orientando, de modo que adquiram sólidas virtudes.
Talvez nos seja útil formular algumas perguntas que nos sirvam de critério para aferir se aproveitamos bem as nossas férias: após esse tempo, os pais aprenderam a conhecer melhor cada um dos filhos? O relacionamento entre marido e esposa tornou-se mais afável e cordial? O ambiente familiar tornou-se mais saudável?

Para ser sincero, caro leitor, neste momento tenho o privilégio de estar passando uns dias de férias num sítio no interior do estado. E não sabia bem como terminar o artigo. Nesse momento, o José Filipe, meu filho de nove anos, notou que o laptop no qual eu digitava o artigo aquecia muito a perna. Então ele imediatamente pegou uma caixa de um jogo e me entregou: “toma, pai, põe o computador aqui”. Que alegria! Filhão, nada a acrescentar ao seu generoso gesto. Nem o seu afã em dar mais um mergulho na piscina fez com que ele deixasse de pensar também nos demais.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Histórias que educam

Recentemente recebi o relato de uma pedagoga, que merece ser compartilhada com o leitor, pois ilustra a importância que as histórias que contamos podem exercer nos nossos filhos:
Meu avô materno, Francisco Pereira dos Santos, era lenhador. Exercia essa profissão antes da serra elétrica, antes de defendermos tanto as florestas, antes, bem antes, de falarmos em letramento.
Como lenhador, meu avô passava a semana inteira longe, dentro das matas; dormia, acordava, trabalhava e se alimentava no meio da floresta (talvez, ele a respeitasse mais do que hoje fazem alguns, apesar dos belos discursos). Entretanto, quando o meu “Vô Chico” retornava para casa, toda a rotina dele concentrava-se na família: ele tinha o seu lugar à mesa, tinha o seu espaço no sofá e tinha a neta para que ele lesse histórias.
E era exatamente isso que meu avô fazia após a sopa do jantar: pegava um livro e lia histórias para mim. A estante da casa dos meus avós tinha alguns livros, embora isso não importasse, porque o meu avô pegava sempre o mesmo livro para ler as histórias mais fascinantes, misteriosas, imensamente instigantes e envolventes que uma criança pode ouvir. Durante muito tempo esse era o nosso ritual, era como se eu estivesse aos pés de uma fonte, cada dia ouvindo uma história diferente.
Quando tinha mais ou menos onze anos, descobri, ao ver o RG do meu avô, que ele era analfabeto e que aquele livro de capa verde clara, na verdade, era um volume de enciclopédia. Tive a revelação de que as histórias que envolveram grande parte da minha infância não foram somente contadas, foram criadas para mim e que a leitura que meu avô fazia não era das letras, mas da vida (Daniela Cristina de Carvalho).
O fascinante exemplo desse homem sábio, apesar de analfabeto, chama a nossa atenção para a importância desse valiosíssimo recurso na educação de nossos filhos.
Uma forma muito interessante de contar histórias, que tenho aplicado com os meus filhos, é incluí-los como personagens. O conto se torna extremamente empolgante quando eles mesmos participam. Ora se convertem em guerreiros medievais; ora são construtores de inventos fantásticos, feitos no quintal da casa e que os lançam numa aventura no espaço; ora são surpreendidos ao cair num buraco que os levam a um mundo subterrâneo de fantasia e diversão. Com isso, sutilmente, podem ser incrementados valores e apresentadas virtudes que podem ser trabalhadas em cada um dos filhos, como a sinceridade, a generosidade, a ordem, todas elas ornadas e fortalecidas pelo amor ao próximo.
É interessante notar que uma história bem pensada e bem contada, sobretudo em relação aos filhos menores, é muito mais eficaz que milhares de sermões ou que horas de castigo. É que o conto faz com que as crianças vivenciem algo que se torna concreto para elas. A partir daí tiram suas próprias conclusões sobre as conseqüências das boas ou más ações que praticam.
E a ninguém serve de desculpa a falta de tempo. Conheço pais que fazem isso a caminho da escola, por exemplo. Iniciam uma história na segunda e terminam na sexta-feira. Isso torna mais agradável e afetuoso o convívio, educa de verdade e, sobretudo, forja homens e mulheres de caráter, fortes o bastante para enfrentarem as agruras da vida.

E esse recurso pedagógico não é novo. É extremamente antigo. Particularmente gosto muito de um excelente Contador de Histórias, que viveu na Palestina há dois mil anos e que, por gostar muitíssimo de seus amigos, contava a eles histórias muito simples, como a de um grão de mostarda ou do Bom Samaritano. Outras vezes, a história era vivida por Ele mesmo, como quando faltou vinho numa festa de casamento. Essas histórias são de Vida e não cessam de dar vida à humanidade nesses dois milênios que se passaram. Com a mesma simplicidade e também com o mesmo amor, podemos fazer o mesmo com os nossos filhos.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Educação e Participação

No dia 22 de outubro, tive a grata satisfação de participar de um encontro de dirigentes de escolas públicas, promovido pela Fundação Educar DPaschoal e pelo Compromisso Campinas pela Educação. Foi emocionante e extremamente motivador o depoimento de Rejane da Costa, diretora da escola Rubem Gomes (RJ). Ela expôs os imensos desafios que enfrentou na direção do colégio, situado entre os morros do Chapadão e da Lagartixa no Rio de Janeiro, onde há três facções do tráfico de drogas. Apesar das condições totalmente adversas de pobreza, violência e falta de esperança de seus alunos, com muito trabalho, dedicação e amor ela conseguiu reverter a situação precária por que passava a escola. Hoje, é um exemplo magnífico de superação. E um dos ingredientes mais importantes desse sucesso, conforme relata Rejane, foi fazer com que os pais se engajassem em melhorar as condições do colégio. Mais que isso, que se participassem de verdade da formação de seus filhos.
É inegável que grande parte de nossa população ainda vive em condições de extrema miséria. Além disso, vivenciamos uma crise ética de proporção enorme, revelando que a miséria moral, presente em todas as classes sociais, é talvez mais deletéria para a sociedade que a própria escassez de bens materiais. Diante desse cenário, surge como um consenso que somente a educação pode salvar as gerações futuras. Porém, em que rumo deve andar a educação para superar esses problemas?
Certamente são muitos. Aliás, problema complexo como esse não comporta solução simplista. Porém, dentre muitas outras ações a serem tomadas é imprescindível que haja uma sólida formação de valores. E para isso se faz imprescindível a parceria entre a família e a escola.
A família é insubstituível na formação das pessoas. O ser humano, por natureza, foi concebido para nascer, desenvolver-se e morrer no seio de uma família. Assim, é inútil qualquer tentativa de formação de valores se esses não forem fomentados e vivenciados na família.
Diante dessa realidade, há que se questionar o papel da escola na formação dos alunos. Sendo evidente a imprescindibilidade da família, algumas instituições de ensino, públicas ou privadas, se empenham em fazer uma espécie de delimitação do terreno. Ou seja, estabelecer até onde é atribuição da escola e até onde cabe à família.
Embora seja necessário mesmo definir atribuições, penso que muito mais importante que isso é estabelecer parcerias sólidas. O grande desafio da escola no mundo moderno será formar os pais. É que, se por um lado eles são insubstituíveis na educação, por outro, estão desorientados, sem saber como lidar com os grandes conflitos que marcam a educação de seus filhos.
Assim, os pais precisam mesmo “voltar para a escola” para aprenderem a ser pai e mãe. E a escola que pretenda desempenhar com eficácia a sua missão de construtora de uma nova sociedade deve estar preparada para acolher esses “alunos”. Não basta, ainda que seja muito importante, que a escola tenha bons profissionais habilitados a ensinar com competência a matemática e a língua portuguesa. Terá de saber ensinar como os pais devem agir para que os filhos pequenos aprendam a dormir sozinhos, por exemplo, ou como dar motivos suficientemente fortes para que os adolescentes digam não às drogas.

No próximo dia 7 de novembro, acontecerá em Campinas um seminário promovido pelo Centro de Estudos da Educação, com o tema “Educar participando” (www.educarparticipando.com.br). Será abordada a importância do relacionamento entre pais e escola e também a necessidade de um engajamento de todos num compromisso sério pela educação. Ao contemplar essas iniciativas, dentre muitas outras em que se lançam pessoas empreendedoras, vêm como que intuitivamente as palavras de alento proferidas pela Rejane da Costa: “é possível, é possível mudar a educação desse País”.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Vale a pena ser fiel?

A Revista Metrópole do penúltimo domingo, dia 18 de outubro, trouxe uma reportagem sobre os resultados de uma pesquisa, feita por duas psicólogas norte-americanas, Melissa Burkley e Jessica Parker, da Universidade Estadual de Oklahoma, na qual se constatou que as entrevistadas descompromissadas sentiam maior atração por homens comprometidos.
Não pretendo questionar nem concordar com o resultado da pesquisa. Aliás, se analisarmos com sinceridade e coragem, concluiremos que é de certa forma inevitável que homens e mulheres sintam atração uns pelos outros, sejam ou não comprometidos. Por exemplo, ao se deparar com uma mulher bonita, atraente, com um perfume agradável e bem arrumada pode ocorrer que o primeiro impulso no homem seja desejá-la como parceira de uma relação íntima, independentemente de serem ou não casados. Mais ainda, tal como revela a pesquisa, a aliança no dedo pode mesmo ser um atrativo a mais. Penso, porém, que a questão que se coloca como fundamental não é esse sentimento inicial. O que importa é a atitude que tomaremos após esse impulso, quando a nossa inteligência tomar conta da situação.
Ao deparar com esses questionamentos, vem-me à memória um cachorrinho que possuíamos há alguns anos, quando ainda morávamos numa cidade muito pequena do interior. O Slinky era um puddle adorável e obediente. Mas havia ocasiões em que nos fugia completamente do controle. Quando alguma cachorrinha da vizinhança entrava no cio, a situação ficava insustentável. Ele roia os pés da mesa, rasgava o sofá, pulava o muro e sempre dava um jeito de escapar e ir ao encontro dela.
Poderíamos traçar um paralelo entre a atitude do Slinky e a das pessoas mencionadas na pesquisa. Ambos sentem uma atração sexual. Mas seria conveniente que nós, seres humanos, reagíssemos diante de um estímulo exatamente como o faz um cachorrinho de estimação?
Penso que a sexualidade é parte integrante da natureza dos seres e é dela indissociável. Um animal, mais precisamente um mamífero recém-nascido necessita da proteção da mãe, que ela o amamente e dispense os cuidados até que atinja a maturidade suficiente para cuidar de si próprio. O ser humano, ainda que necessite desses cuidados materiais e alimentação a ser proporcionados pelos pais, deles dependem muito mais. Precisam de ser formados, de carinho, de afeto e de acolhida. Em suma, necessitam de amor.
E se é isso o que nos define como seres humanos, ou seja, como seres que possuem e aspiram ao amor, nisso está indissociavelmente inserida a nossa sexualidade. Assim, quando se dissocia o sexo do amor e da afetividade, coloca-se esse ato humano, em si sublime e belo, abaixo do acasalamento praticado pelos animais. É que esses quando menos o fazem com total “disposição”, se é que se pode assim dizer, imposta pelo instinto natural de preservação da espécie, de acolher e alimentar a prole que disso advenha.

Lembro-me do que me contou um grande amigo, que bem pode ficar a título de conclusão. Na época, ele era professor universitário e uma aluna passou a assediá-lo indiscretamente. Certa vez, ao final da aula, a aluna lhe disse: “Professor, todas as meninas da classe acham que o senhor é o professor mais charmoso que nós temos”. Ele não perdeu a compostura. Deu um suspiro, lançou um olhar penetrante e sério. Em seguida, disse: “Eu agradeço o elogio, muito embora acredito que quem disse isso não esteja bem da visão. Mas, faça um favor, diga a quem pensa isso de mim que eu estou casado há dezessete anos e que, depois desses anos todos, posso dizer que amo minha esposa ao menos setecentas vezes mais do que a amava quando, diante do altar, prometi a ela que esse amor seria para sempre. Diga também que, todas as noites, beijo meus filhos em suas camas e depois, ao me deitar, beijo minha esposa enquanto renovo em voz baixa a mesma promessa: meu amor, é para sempre, para sempre...”. 

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Enquanto ainda é tempo

Um dia desses, minha filha Gabi lançou-me inesperadamente uma pergunta: “Papai, quando você vai se aposentar?”. “Só posso me aposentar quando fizer sessenta anos”, respondi-lhe imediatamente. E depois completei: “Mas muitos juízes somente se aposentam quando são obrigados, aos setenta anos”. Sem se dar conta do tempo que ainda falta, ela me perguntou animada com a idéia: “quando você se aposentar, você poderá ir ao cinema comigo?”. “Quando eu me aposentar provavelmente ela estará casada, com filhos, ou ao menos será já suficientemente adulta para não precisar (ou não querer) do pai para ir ao cinema”, pensei comigo mesmo, sem lhe desanimar com essa observação.
Esse breve diálogo me fez pensar no quanto adiamos as coisas boas que podemos fazer por aqueles a quem amamos. Frequentemente nos desculpamos com o excesso de trabalho ou com os muitos afazeres. Com isso vamos deixando sempre para um amanhã que nunca chega aquele passeio que tanto agrada a nossa esposa, a pescaria que prometemos a um filho, a visita àquele amigo que passou por um revés econômico, ou mesmo um simples telefonema ao pai ou à mãe distantes.
Quantas vezes não dedicamos sequer alguns poucos minutos por dia para estar com os nossos filhos porque passamos por temporadas em que o trabalho profissional exige uma dedicação maior. Com isso, pensamos conosco mesmos que “quando as coisas melhorarem”, “quando tivermos uma situação econômica mais folgada”, então sim poderemos dedicar mais tempo aos filhos. Acontece que o tempo é implacável. Os dias rapidamente se transformam em meses e esses anos e, quando menos esperamos, eles terão crescido. E então ficará a gozosa saudade dos bons momentos passados juntos, ou o triste arrependimento das oportunidades desperdiçadas.
E tanto mais importante ainda é cuidar do tempo que se dedica à esposa e ela ao marido. Há de se cuidar para que o convívio seja bem aproveitado para estreitar os laços de amor e de carinho. Afinal, tal como um tecido feito à mão se constrói ponto por ponto, a felicidade no casamento se edifica minuto a minuto. E assim como a beleza e a solidez do tecido dependem do capricho que se coloca em cada movimento, também o casamento depende de cada sorriso, de cada abraço, de cada gesto de dedicação e acolhida cuidadosamente praticados dia a dia, minuto a minuto.
E nossos amigos? Quanto tempo merece ser gasto para cultivar esse que é um dos mais nobres sentimentos humanos: a amizade? Dizem que duas pessoas só podem se dizer amigas de verdade depois de comerem alguns quilos de sal juntas. Como numa refeição se utiliza pequenas porções desse tempero, são necessárias muitas refeições. Talvez não sejam apenas as refeições que podem fomentar essa união, mas também um esporte, um passeio, ou outra atividade qualquer. E se o que se pretende é aproveitar bem o tempo, será necessário ter ouvidos para que o amigo possa se abrir. Que saiba encontrar alguém que se interesse por ele, desinteressadamente.

O tempo presente é a maior dádiva que recebemos. O ontem não voltará jamais. O amanhã não sabemos se chegará para nós. Assim, é uma enorme demonstração de sabedoria aproveitar esses minutos que nos cabem agora para fazer neles o que verdadeiramente importa. E o que de verdade é importante é cultivar a alegria no coração dos demais. O agricultor lança para longe de si a semente, que cai na terra, germina, cresce, floresce e depois produz os frutos abundantes, que são a causa de sua alegria. O mesmo pode ser feito com o nosso tempo. Parece que o jogamos fora quando nos esforçarmos por fazer um trabalho bem feito, por estar com a esposa, com os filhos ou com os amigos. Mas depois ele frutifica e se multiplica, trazendo consigo uma paz e uma alegria tão intensos que não há mau tempo que as possa apagar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma Vida pela Vida

Neste ano de 2009 o Mons. Fernando de Godoy Moreira completa os seus cinqüenta anos de ordenação sacerdotal. Quem o contempla ao final da Missa na Paróquia Santa Rita de Cássia, pacientemente saudando e abençoando cada um dos seus paroquianos que o procuram, talvez lhe ocorra perguntar: de onde ele tira forças para tudo isso? Como pode manter a serenidade e a alegria apesar do peso que trazem os muitos anos de vida?
Acredito que todo homem e toda mulher nasce com uma missão a cumprir. Decididamente não é o ser humano mero produto do acaso. Não somos seres lançados à própria sorte num mundo cruel e sem sentido. Ao contrário, trazemos gravado no fundo da alma um chamado, um convite que, quando lhe dizemos sim, dá sentido a toda a vida. Nossa existência se assemelha a um quebra-cabeça. Uma vez conhecida a missão, as peças começam a se encaixar e a terem o seu papel. Antes do aceitarmos o chamado elas já existiam, mas num emaranhado confuso e sem sentido. Porém, depois de encaixadas, cada qual no seu devido lugar, que harmonia!
O Monsenhor Fernando ouviu o seu chamado quando tinha apenas 11 anos, e soube segui-lo com valentia. Porém, mais que dizer sim num primeiro momento, o que já é uma grande demonstração de amor, soube perseverar. Prova evidente dessa perseverança é o jubileu de ouro que se aproxima.
Vivemos num mundo em que a palavra dada tem pouco valor. Os compromissos assumidos, por vezes graves, como ocorre no matrimônio, são rompidos ao surgir as primeiras dificuldades. Os jovens, desorientados, sentem-se incapazes de se entregarem por toda a vida, num receio tacanho de se doarem por algo que valha a pena. Nesse cenário, o Mons. Fernando reluz como um exemplo de fidelidade.
São Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, que também foi um sacerdote fidelíssimo a sua missão, costumava fazer o seguinte trocadilho: fidelidade, felicidade, felicidade, fidelidade, como que querendo dizer que ambas as palavras são a mesma coisa. Com isso desejava deixar claro que tanto mais felizes seremos quanto mais fiéis formos aos compromissos que assumimos.
Certa vez ouvi de uma senhora, casada há várias décadas, a queixa de que alguns defeitos do marido pareciam se agravar com os anos: “ele ficou mais ranzinza e cheio de caprichos e manias”. De fato, nossos defeitos não somem por si sós com o tempo. Temos de lutar contra eles. Mas aqueles que travam uma luta assídua e perseverante vencem a batalha. E a coroa dessa vitória é o rejuvenescimento espiritual. E com isso, ainda que os anos ressoem implacáveis na face e nos cabelos grisalhos, não podem conter a alegria serena que jorra de uma alma jovem. E esse é o mais fiel retrato do Mons. Fernando, rodeado por crianças acolhidas com imensa paciência.
Estamos no ano sacerdotal. Que alegria celebrar o jubileu de ouro exatamente neste ano dedicado aos sacerdotes!
O sacerdote que se mantém fiel a sua vocação é um grande tesouro. São incontáveis os benefícios que proporcionam às almas. Tudo o que quisermos expor ficará aquém. Quantas pessoas não encontraram alívio numa confissão individual! Quantas crianças não se sentiram reconfortadas com uma acolhida alegre! Quantos casais não se sentiram impelidos a serem fiéis aos compromissos assumidos no sacramento do matrimônio!

Nesse mundo tão atribulado, em que as pessoas parecem correr de um lado para outro, como que ocultando o vazio que trazem dentro de si, o Mons. Fernando ressoa como um magnífico exemplo de como encontrar a verdadeira felicidade: sendo fiéis à missão que a cada um de nós foi confiada.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Respeito à autoridade

Na semana passada muitos acompanharam de perto a votação no Senado Federal da indicação de José Antônio Dias Toffoli para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Penso que o interesse despertado nas pessoas é extremamente saudável numa democracia, como o são também as manifestações favoráveis e contrárias à sua nomeação para o cargo. Trata-se de uma das funções mais importantes do Poder Judiciária de nosso País, de modo que é bom ver que a sociedade se interessa por isso. Por certo que o resultado não agradou a todos, o que também é absolutamente natural. Porém, a partir desse fato, agora consumado e irreversível segundo as regras traçadas na nossa Constituição Federal, penso que deveríamos meditar um pouco sobre como olhamos para nossas autoridades.
É certo que a forma com que a sociedade enxerga as suas autoridades depende muito diretamente dos bons ou maus exemplos que elas dão no exercício dos cargos. E também nisso influi diretamente a capacidade que têm as instituições de punir as más autoridades, que agem na busca do proveito pessoal e não do bem comum. Aliás, pior que a corrupção no Senado é a impunidade dos corruptos.
Mas se por um lado é certo que não faltam exemplos de um pervertido exercício da autoridade e da falta de punição, por outro, não menos certo é que há um descrédito excessivo e generalizado nas pessoas que as levam a simplesmente desrespeitar toda e qualquer autoridade.
O nosso ceticismo e os nossos comentários azedos e carregados de tom negativo, embora pareçam irrelevantes em sem conseqüências, acabam por exercer uma influência extremamente negativa nos jovens e nas crianças, que desde cedo aprendem a ter um olhar desconfiado e descrente das autoridades.
E esse fenômeno não fica limitado aos políticos e ocupantes de cargos públicos, mas atinge o conceito de autoridade em si. Com isso não se consegue que se respeitem os pais, os professores, os diretores de escolas etc. É que se nossas crianças são acostumadas desde muito cedo a ouvir comentários de desdém ou frases do tipo “todo mundo é safado” quando o assunto em questão é essa ou aquela autoridade, o resultado é que elas passem a associar o conceito de autoridade com corrupção, malandragem, ou, quando menos, de algo pouco digno.
A existência de autoridade é tão antiga como a própria sociedade. E não há sociedade sem que nela haja autoridades, que tanto mais legítimas serão quanto melhor servirem a quem governam. Por isso é urgente que se trabalhe para resgatar o respeito a elas devido. Que pai e mãe sejam reconhecidos como autoridades na família, e que o sejam de fato. Que o professor seja estimado e reconhecido pelos alunos, e que também o faça por merecer. Em suma, que quem exerce a autoridade seja de verdade respeitado não apenas pela dignidade da função, mas pela abnegação com que a desempenham.
Há quem diga que cada povo tem os governantes que merecem. Sendo assim, penso que deveríamos quebrar essa espécie de círculo vicioso que se instaurou entre nós: maus exemplos de algumas autoridades que ensejam um descrédito generalizado das pessoas em relação às instituições, que por sua vez não possuem força para banir as más autoridades.

Podemos começar dando um voto de confiança aos recém empossados. Mas mais que isso, devemos ter olhos mais otimistas, sem deixar de ser realistas, para ver que em muitos recantos desse País há pessoas de bem, que sabem doar suas vidas pelas funções que exercem. Autoridades que aprenderam que a maior dignidade consiste em servir. Fazer com que nossos jovens e crianças vejam e estimem essas autoridades legítimas talvez seja um dos melhores legados que podemos deixar ao nosso País, pelo bem dos nossos filhos.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Aborto e objeção de consciência

O Partido dos Trabalhadores suspendeu por um ano o deputado Luiz Bassuma (BA). O motivo da punição foi que ele pregou publicamente, contra a orientação do partido, a não liberação do aborto. Segundo informam os noticiários, o parlamentar pretende impugnar no STF a decisão. Assim, por ser uma questão que poderá ser objeto de apreciação judicial, não iremos comentar o caso em si.
A seriedade com que o Partido dos Trabalhadores trata a questão da fidelidade partidária é mais digna de elogio que de crítica. Numa democracia representativa é necessário que os partidos tenham programas de governo transparentes e que sejam fiéis a eles quando assumem o poder, sob pena de traírem os seus eleitores. E o titular de mandato eletivo que dele fugir, também descumpre um compromisso grave.
Assim, é condenável a postura de muitos políticos que se valem dos partidos apenas como instrumento para galgar o poder, sem nenhum compromisso ideológico. E igualmente reprovável é a postura de partidos que se convertem em meros trampolins para se alcançar o poder, permitindo e fomentando a troca de legenda com vistas exclusiva em ampliar a margem de influência.
Mas se a fidelidade partidária é algo bom e saudável numa democracia representativa, é lícito impor limites a ela? Haverá aspectos do programa do partido que não podem ser impostos aos seus filiados?
Penso que há um limite intransponível a todo e qualquer tipo de poder. E esse não pode ser violado pelo Estado, pelos pais, pela sociedade, pela escola ou por quem quer que seja. Refiro-me à consciência. A consciência é o reduto inviolável de todo ser humano, onde ele encontra a luz para guiar os seus atos. Assim, obrigar alguém a agir contra a sua consciência é a pior e mais terrível violência que se pode cometer.
Exatamente por isso que a nossa Constituição Federal consagra como garantia constitucional a objeção de consciência (artigo 5º, inciso VIII da Constituição Federal).
É típico dos regimes totalitários invadir essa seara inviolável do indivíduo. Assim o faz a China, por exemplo, obrigando as mulheres a fazerem o aborto em determinadas situações como mero método de controle da natalidade. E assim o fazem, dentre outros motivos, porque não consideram o ser humano em sua individualidade, com a sua imensa dignidade que lhe é inerente, ao contrário, consideram-no como um simples número na sociedade.
Infelizmente essa postura de exigir das pessoas que ajam de forma contrária às suas consciências, mesmo em nações que se intitulem defensoras da liberdade, é cada vez mais freqüente. Por esse motivo, o direito fundamental de se recusar a agir contrariamente à consciência deverá ser cada vez mais invocado.
Para isso, porém, temos de estar preparados e ser suficientemente fortes. É que é muito mais fácil ceder ao que é “politicamente correto”, ao que “todo mundo faz” e outros argumentos covardes, do que passar por intransigente, por chato, por fundamentalista, simplesmente por se seguir os ditames de uma consciência bem formada.
Tomas More é um dos exemplos mais eloqüentes que a história nos traz de um homem que perdeu a vida por não contrariar a sua consciência. É impressionante notar sua valentia, que o fez preferir ser decapitado por se recusar a fazer um juramento exigido pelo Rei, do que contrariar a sua consciência. E ele agiu assim apesar de quase todos os políticos, súditos e eclesiásticos da Inglaterra o terem feito sem qualquer escrúpulo!

“Entre o PT e a minha consciência, fico com minha consciência”, afirmou o deputado Luiz Bassuma. Talvez seja exagerado dizer que ele é o Tomas More de nosso tempo. Mas é seguramente um exemplo fantástico a ser imitado, em especial por aqueles que se aventuram a concorrer a cargos públicos.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Por que investir na educação?

Muito se fala atualmente, sobretudo no meio empresarial, em responsabilidade social. Há quem sustenta que a empresa que não investe em projetos sociais e, também, que não divulga aos quatro cantos que o faz, não se sustentará no mercado em longo prazo. Deixando de lado questões de estratégia empresarial ou mesmo aspectos de marketing corporativo, é certo que não apenas as empresas, mas também o Poder Público e os cidadãos em geral devem se engajar em ações que proporcionem melhores condições de vida aos seus semelhantes. E, dentre as iniciativas possíveis, sobreleva-se em especial importância a educação.
Porém, quando se fala em investir na educação, mais particularmente na formação humana das pessoas, talvez um bloqueio que se coloca é o fato de muitas escolas serem religiosas, ou, mesmo sem serem confessionais, defenderem e se filiarem a determinadas concepções filosófico-religiosas. Teme-se que, ao se promover esta ou aquela instituição de ensino, estar-se-ia como que se “contaminando” com as suas idéias.
Penso, porém, que tais argumentos são falaciosos e, no mais das vezes, meras desculpas. De fato, uma escola batista, evangélica, católica ou espírita terá o ensino influenciado pelas convicções que as inspiram. Em todas elas, porém, e isso é o que importa, poderão se formar homens com sentido de responsabilidade, que busquem o sucesso pessoal, mas que o façam de forma equilibrada, com respeito ao meio ambiente e aos demais cidadãos. Em suma, seja ensinado que não se vence na vida pisando nos demais, mas servindo-os. E isso extrapola qualquer limite que possa impor um dado credo religioso. E é nisso que o Poder Público, as empresas e os cidadãos em geral deveriam se engajar: em proporcionar uma educação que promova, acima de qualquer outro valor, o da dignidade humana.
Conheço algumas instituições de ensino que desenvolvem trabalhos de formação para os pais, professores e alunos. E dentre as iniciativas que compõem o projeto, duas delas são de especial importância. Chamam-nas de preceptorias e tutorias. Preceptorias são um trabalho constante que exige reuniões periódicas entre os professores e os pais, individualmente, no qual se conversa sobre o filho (ou aluno), expõem-se os pontos positivos, as suas qualidades e virtudes e também se procuram algo em que poderiam melhorar. A partir daí se traçam propósitos bem concretos, como guardar os sapatos, esmerar-se na lição de casa ou se esforçar por dizer “obrigado”, que passam a ser estimulados pelos pais em casa e pelos professores na escola. Os resultados são fantásticos.
As tutorias consistem no simples fato de cada aluno da instituição ter um tutor. Esse, na medida do possível escolhido pelo próprio aluno, é um professor ou coordenador, enfim, alguém ligado à escola com quem tenha afinidade. E ele será para o aluno o seu amigo de confiança, alguém que esteja disposto a ouvi-lo e compreendê-lo para poder ajudá-lo. Isso é feito com toda discrição, de modo a resguardar a intimidade. E também os professores e funcionários da escola têm os seus tutores, com a mesma finalidade de ser alguém disposto a ouvi-los e ajudá-los nos problemas pessoais e, com isso, crescerem como pessoas.

A idéia parece utópica, mas não é; funciona. Penso que idéias como essa poderiam ser desenvolvidas e fomentadas. Chamem-nas como quiserem, o que importa é que cada aluno, que cada ser humano seja tratado como único e irrepetível. Que se saiba que mais importante que aprender matemática, física ou língua portuguesa, ainda que isso seja essencial, o que verdadeiramente importa é que sejam felizes. E para isso devem ser tratados como seres humanos, que sofrem, que choram, que têm dúvidas, medos, traumas, e que nisso tudo sejam compreendidos e amparados. Em suma, que se lhes dê um sentido para suas vidas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pai X Mãe

Um dia desses presenciei uma cena interessante. Um amigo chegava à casa do trabalho e seus dois filhos o aguardavam na porta. Ao entrar, as crianças iniciaram uma lista de reclamações contra a mãe. É que ela os havia proibido de assistir ao jogo da seleção brasileira de futebol. Os argumentos dos garotos me pareciam razoáveis, por isso fiquei curioso para ver o que o pai faria. Após ouvi-los por uns instantes, como estavam exaltados, disse-lhes em tom firme e sereno: “Esperem um pouco! Eu não sou um tribunal de apelação das decisões da mamãe. Nós decidimos as coisas juntos. Se ela disse que não assistirão mais TV hoje, deve haver um motivo razoável e eu não vou mudar a decisão dela”. Episódios como esses são relativamente comuns nas famílias. Porém, será que essa atitude sábia do pai é tão freqüente como deveria ser?
Os filhos costumam descobrir desde muito cedo que colocar o pai contra a mãe é uma estratégia eficaz para conseguir o que querem. Com efeito, se sabem que o pai ou a mãe é mais condescendente, após sofrer um castigo, ou mesmo receber um não a um pedido, sabem o jeitinho de fazer com que o outro volte atrás da decisão. E se os pais são separados então a estratégia costuma ser muitíssimo mais eficaz.
Paradoxalmente, porém, ainda que os filhos usem desse expediente, no fundo eles esperam ardentemente que pai e mãe sejam coerentes e ajam em sintonia em relação a eles. É que isso lhes dá segurança sobre o que é certo ou errado, bom ou mau. No exemplo que citei acima, a primeira reação do filho mais velho foi dizer com ar de derrota: “deixa pra lá, ele também não vai deixar a gente assistir...”, e saiu cabisbaixo e se arrastando. Porém, poucos minutos após, ambos estavam muito contentes. E, apesar do castigo, foram para a cama alegres e serenos.
Penso que pai e mãe deveriam ter essa regra essencial na educação, ainda que custe muito: jamais contrariar o outro diante dos filhos. É muito mais prejudicial aos filhos o desentendimento dos pais sobre a sua educação do que uma injustiça que eventualmente um venha a cometer. Além disso, se o pai ou a mãe forem injustos em alguma situação, o próprio autor da injustiça poderá retificar depois, inclusive pedindo perdão.
É evidente que pai e mãe não estarão sempre de acordo em relação a todos os assuntos, nem mesmo os referentes aos filhos. Cada um veio de uma família diferente, com costumes diferentes. Por vezes na família dele se dá pouca importância para as datas, ao passo que na dele esquecer o aniversário de namoro é uma falta gravíssima. Assim, é natural que haja divergências. Porém, o casal há de se esforçar por decidir e, se necessário brigar, mas longe dos filhos. Aliás, também é absolutamente normal e saudável que haja desentendimentos e até pequenas brigas. Porém, após discutirem, um tem de ceder, e é muito bom que não seja sempre o mesmo que cede. Mas depois de tomada a decisão, deve ela ser comunicada aos filhos como sendo dos dois. E aquele que soube ceder não pode assumir uma postura agourenta, que fica esperando que dê errado para colocar o dedo no nariz do outro e dizer: “não falei? Se tivesse me ouvido...”. Tomada a decisão, ela é do casal, aconteça o que acontecer.

Certa vez ouvi um orientador familiar dizer que a família pode ser comparada com uma carroça puxada por dois animais. É claro que toda comparação é imperfeita, explicou ele, e pai e mãe não são na família simples “burros de carga” a transportar os filhos comodamente numa charrete. Mas, sob certo aspecto, a comparação pode ser útil. É que se ambos andarem alinhados, lado a lado, a viagem será tranqüila e, no seu ritmo, chegarão ao destino. Porém, se um se puser a querer puxar cada um em sentidos diferentes, é provável que não saiam do lugar, ou botem tudo a perder. E se um abandonar o seu posto, o outro terá de levar tudo sozinho. Ocorre que essa “carroça” foi projetada para ser puxada a dois, de modo que somente a duras penas um a consegue levá-la sozinho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O legado do Ministro

Faleceu na última terça-feira, dia 1º de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Alberto Menezes Direito. Penso que na vida desse grande homem podemos tirar bons exemplos a serem seguidos pelos juízes e também por todos os cidadãos que buscam sinceramente o bem e a verdade em suas vidas.
Nas notícias que permearam a sua morte, Menezes Direito foi tido como austero, pois “fazia questão que o interlocutor seguisse à risca etiquetas e costumes da toga, paletó corretamente abotoado, inclusive”. Mas será que há algo de incorreto em trajar-se de forma adequada para cada circunstância? Alguém gostaria de participar de uma audiência em que o juiz estivesse de bermudão de praia, camiseta e chinelo de dedo?
Penso que a vestimenta característica de cada profissão não pode implicar uma espécie de estratificação que leva alguém a se considerar superior ao outro. Com efeito, debaixo da toga de um magistrado, da batina de um sacerdote ou do capacete de um operário, há pessoas absolutamente iguais quanto à dignidade que emana da condição de pessoa humana. Tanto menos pode isso servir de argumento a eternizar a impiedosa concentração de renda e a injusta diferença de remuneração entre as várias profissões, o que muito envergonha a nossa sociedade. Mas o fato de todos serem iguais em dignidade e merecedores de uma justa remuneração pelo seu trabalho não impede que cada qual se porte e aja de forma coerente com a missão que lhe cabe na sociedade.
Quando foi sabatinado no Senado Federal, a quem cabe aprovar a indicação do Presidente da República para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Menezes Direito já nos deixou uma importante lição que merece ser meditada. Indagada a sua posição em relação a tópicos em que direito e religião poderiam entrar em confronto, como, por exemplo, o aborto e o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas, ele respondeu: “Um juiz não discute sua fé no cumprimento da lei. Quero reafirmar que sou intransigentemente um defensor da vida, acompanhando a minha fé católica, mas, como juiz, jamais deixarei de cumprir uma lei que o Parlamento do meu país editar”.
Por certo, como grande homem que era, sabia que sua atuação na Suprema Corte não colocaria em confronto a sua consciência com o cumprimento da Constituição Federal. Afinal, ele jurava cumprir uma norma em cujos princípios fundamentais está em posição de destaque o direito à vida (artigo 5º). Deixa claro também em sua manifestação que não há incompatibilidade entre a fé e o exercício de um cargo público num Estado laico. Tampouco é necessário que o magistrado, o parlamentar ou outro profissional qualquer deixe suas convicções de lado ao exercer sua profissão, numa espécie de vida dupla, que os leva a abandonar a sua fé do lado de fora da repartição onde trabalha, tal como antigamente se dependuravam junto à porta de entrada os chapéus.
Bem ao contrário, um juiz que é católico, ou protestante, ou adepto de outra religião, o será vinte e quatro horas por dia. O que não o autoriza a substituir a Constituição e as leis pela Bíblia no ato de decidir. Mas é evidente que suas convicções influem na forma com que interpretam a lei e julgam os casos, assim como o ateu e o agnóstico são fortemente influenciados pelas suas. Aliás, penso que também esses não estão autorizados a substituir a Constituição ou as leis por teorias de Karl Marx ou Richard Dawkins no ato de julgar.

Uma frase do Ministro se tornou célebre por ocasião da votação do caso das pesquisas com as células-tronco embrionárias: “Se pelo bem praticamos o mal, se para salvar uma vida tiramos outra, sem salvação ficará o homem”. Penso que esse é o maior legado que o Ministro da nossa Corte Suprema nos deixou. Que o Presidente Lula, que o indicou para o cargo, saiba escolher outro jurista que esteja à altura da grande perda que a sua morte representa para a nossa Justiça.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Educar na verdade

Há um episódio engraçado em minha infância que me ficou muito marcado. Estava na casa de um amigo, que ao pai anunciou que certa pessoa o chamava ao telefone. Ao saber de quem se tratava, o pai, fazendo uma enorme careta de insatisfação, disse ao filho: “Xii, diga que eu não estou ...”. O menino imediatamente e sem rodeios disse: “Meu pai mandou dizer que não está”. Em seguida, desligou o telefone e, com a maior naturalidade do mundo, voltou a brincar. O pai ficou desconcertado e deu uma enorme bronca no filho.
Contemplando agora recentes acontecimentos envolvendo pessoas ocupantes de altos cargos públicos, vem-me à memória esse acontecimento. É verdadeiramente enojante ver alguém dizer que a Ministra pediu que fossem feitas investigações. Ainda, ela, por sua vez, nega que o tenha dito e, no palco armado para apurar as supostas irregularidades, cada bloco político tenta construir a “sua verdade”. A palavra ética é utilizada como mero instrumento de se obter proveito político da situação. Nesse imenso lamaçal, aqueles que relutam no seu compromisso com a verdade correm o risco de desanimar. De fato, podemos nos perguntar: o que podemos fazer para corrigir essa podridão?
Estou certo de que a corrupção que atinge o Poder Público é reflexo da degradação de valores que foi se forjando no seio da sociedade, ou, antes ainda, no interior das pessoas que a compõem. O mau exemplo daquele pai que, para não ter de suportar o inconveniente de um telefonema indesejado, contou uma mentira, aparentemente sem importância, vai aos poucos destruindo na criança o valor da verdade.
A mentira é um câncer que corrói a estrutura social. É que toda relação humana, para que seja suficientemente forte e contribua para o bem das pessoas, deve estar pautada na confiança mútua. Ao passar por um semáforo verde tenho de ter a segurança de que aquele para quem está vermelho, irá parar. Ao assinar um contrato, é preciso que cada um esteja disposto a honrar o compromisso que assumiu. Ao se contrair um matrimônio e fazer a promessa de respeito e fidelidade, cada qual age na confiança de que o outro irá honrar a palavra dada. E quando se quebram essas legítimas expectativas, surge uma verdadeira doença no seio da sociedade que está estruturada exatamente numa relação de confiança.
A mentira é sempre um mal. Não há “mentirinha inocente”. Há quem diga ao chefe que vai ao dentista para conseguir sair um pouco mais cedo do trabalho. E, ao fazê-lo, pensará consigo mesmo “o que é que tem? Uma mentirinha de nada não faz mal a ninguém”. O problema é que simplesmente não existe mentira sem importância. Quando menos faz um mal terrível ao próprio mentiroso.
De certa, forma até bem intencionados juristas ousam sustentar que a mentira é um direito do réu. Penso que isso se trata de um terrível engano. A Constituição Federal assegura ao réu o direito de permanecer calado diante de uma acusação, e não mentir. E calar não é consentir, e mentir não é uma forma aprimorada de exercer o direito ao silêncio.
Apesar de todo esse panorama desolador, não é motivo para desanimarmos. Apesar de muitos maus exemplos, nossos jovens e crianças trazem em seus corações um anseio irreprimível pela verdade. Trata-se, portanto, de fomentarmos neles essa virtude. Para isso, é necessário que sejam estimulados. Certa vez vi uma mãe extremamente irritada, com um chinelo na mão a berrar: “quem quebrou esse vaso?”. Acredito que não é a forma mais adequada para ensinar um filho a reconhecer o erro.
Conheço uma família que tem por regra que o filho que admitir o erro, por pior que seja, sofrerá um castigo bem mais brando, já que disse a verdade. Essa família tem como lema que o pior erro é a mentira. Isso porque os outros erros, por piores que sejam, sempre têm remédio quando são admitidos, quando se diz a verdade.

Tomara que os futuros homens públicos, e as pessoas em geral, sejam formados em famílias que assim educam seus filhos.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O Acordo entre o Brasil e a Santa Sé

Está na pauta de votação na Câmara dos Deputados o acordo entre o Brasil e a Santa Sé que trata do chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. O projeto tem sido alvo de várias críticas. Dentre elas, afirma-se que isso representaria a concessão de um privilégio, que o Estado é laico e que o acordo viola a Constituição Federal, ou mesmo que se trata de uma tentativa de a Igreja manter uma espécie de poderio político. No entanto, uma leitura atenta e serena do texto enviado ao Congresso Nacional é suficiente para rebater todas as críticas contra ele dirigidas.
O texto inicia por reconhecer personalidade jurídica à Igreja Católica e a determinadas Instituições Eclesiásticas que, segundo o Direito Canônico, possuem tal atributo, dentre elas as dioceses e paróquias. A personalidade jurídica é aptidão para ser titular de direitos e obrigações. Por exemplo, para que se possa firmar um contrato de locação, abrir uma conta em banco, ou mesmo adquirir produtos, é necessário que se tenha personalidade jurídica. Ainda a título de exemplo, pode se dizer que um cachorro não pode receber uma herança porque não tem personalidade jurídica. Assim, ao se atribuir personalidade jurídica às paróquias, dioceses e demais entidades da Igreja no Brasil, simplesmente se reconhece que elas poderão validamente, em nome próprio, firmar contratos, registrar empregados ou ainda comparecer perante o Poder Judiciário como autoras ou rés. Ora, não há nisso privilégio algum.
Em outro artigo do acordo, dispõe-se sobre isenções e imunidade tributária. Ocorre que a Constituição Federal já dispõe que não se pode instituir impostos sobre os templos de qualquer culto (art 150, inciso IV, letra “b”). Além disso, o texto ressalta que as entidades da Igreja que prestem assistência social serão iguais a todas as demais entidades com fins semelhantes, conforme previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, não se busca um tratamento diferenciado. Ao contrário, almeja-se obter iguais benefícios tributários concedidos às demais entidades assistenciais não confessionais ou mesmo ligadas a outras instituições religiosas, e nada mais.
Um ponto ainda mais polêmico se refere ao ensino religioso nas escolas públicas. Ocorre que o texto do acordo basicamente reproduz o que está disposto no artigo 210, § 1º da Constituição Federal: O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Mas o maior argumento, ao menos explícito, contra o acordo, vem do disposto no artigo 19, inciso da Constituição Federal, que diz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança. Porém, se bem analisado o documento, não cria ele nenhuma espécie de vínculo de dependência ou aliança entre a Igreja e o Estado. Ao contrário, estabelece a autonomia de cada qual, inclusive com clara sujeição da Igreja às regras de nosso ordenamento jurídico, no que diz respeito às questões temporais, ao mesmo tempo que ressalva à Igreja Católica o direito de desempenhar sua missão apostólica, observado o ordenamento jurídico brasileiro.

A República Federativa do Brasil atua e é regida, nos aspectos essenciais, pela Constituição Federal, promulgada 1988, na qual se propôs por missão, como diz o seu preâmbulo, sob a proteção de Deus, a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. A Igreja Católica atua sob o mandato explícito de seu Fundador, que há dois mil anos Lhe determinou que se espalhe pelo mundo, a todos pregando o Evangelho. Essa sua missão não tem nada de incompatível com a do Estado Brasileiro. Ao contrário, assegurada a competência específica de cada um, com plena liberdade e independência, complementam-se, cada qual no seu âmbito próprio de atuação, para a consecução de um objetivo de certa forma comum: promover a dignidade da pessoa humana, que é ao mesmo tempo fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal) e da evangelização confiada à Igreja.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Patrimônio Histórico, folclore e dignidade humana

Hoje se celebra o dia do Patrimônio Histórico e, no próximo 22 de agosto, comemoramos o folclore. Ainda que com conotações diferentes, ambos possuem notáveis pontos comuns, na medida em que buscam preservar dados da cultura e do modo de viver de um povo para as futuras gerações. Poucos ousariam sustentar que não é importante cultivar os costumes e tradições populares transmitidos de geração em geração (folclore) ou mesmo preservar os bens que possuam valor significativo para uma sociedade, no caso o patrimônio histórico. Mas para que de fato estejamos convencidos há de se buscar razões suficientemente fortes para isso.
Certa vez num desses seriados de TV, uma mulher se empenhou com todas as suas energias em evitar que fosse demolida uma casa antiga que havia em seu bairro. Após muito insistir sem que lhe dessem ouvidos, tomou um megafone e passou a discursar diante do imóvel a uma pequena platéia que, na verdada não procurava por ela mas por um grupo de Rock que apresentaria logo após. E então ela começou a elencar uma série de argumentos. E todos eles começavam com a mesma frase: “essa casa é muito importante para mim porque...”. Isso ilustra uma postura egoísta e não raras vezes interesseira que muitas vezes se esconde por detrás de ideais mais nobres. Com efeito, expunha essa personagem do filme que a preservação era importante para ela. Antes disso, porém, há de se perguntar se a iniciativa é relevante para a comunidade como um todo, e não se simplesmente lhe proporcionaria uma satisfação pessoal.
E quando a preservação histórica é objetivamente relevante? Penso que quando está a serviço da promoção da dignidade humana. As formas de vida, os custumes, a comida, a cultura, enfim, o modo de ser das pessoas que nos antecederam apontam para aspectos que foram específicos de uma determinada época. E é interessante que conheçamos isso, pois então poderemos, ao confrontar com o nosso modo de vida atual, apontar os aspectos positivos e negativos do progresso. Por exemplo, comparando nosso modelo de sociedade atual com o de algumas décadas atrás, poderemos constatar que muito se evoluiu na rapidez da comunicação, porém, que muito se perdeu no convívio familiar. Portanto, há de se fomentar uma visão crítica do desenvolvimento, que nos permitirá avaliar o que houve de bom nisso, para então aprimorar, e o que se produziu de prejudicial ao homem, para então retificar.
Mas nesse debruçar sobre o modo de vida dos antepassados, assim como sobre a cultura, se soubermos olhar em profundidade, também notaremos que há algo de universal e imutável nos seres humanos de todos os tempos e locais. Notaremos, por exemplo, em todos um anseio de vida e felicidade, ainda que diversos tenham sido os caminhos concretos pelos quais buscaram concretizar esses anseios. E aqui encontraremos, então, o mais importante patrimônio histórico: o próprio homem, em sua integralidade.
Essa visão do homem e da história se mostra tanto mais importante de ser salientada num mundo em que, como adverte o Papa Bento XVI, ganha força o fenômeno do nivelamento cultural, que ele define como uma “homogeneização dos comportamentos e estilos de vida”, no qual se perde “o significado profundo da cultura das diversas nações, das tradições dos vários povos, no âmbito das quais a pessoa se confronta com as questões fundamentais da existência” (Carta Encíclica CARITAS IN VERITATE). De fato, a nossa juventude é massacrada por uma forma de vestir que se traduz no jeans bem abaixo do umbigo, numa linguagem eletrônica bem definida sem a qual ninguém lhe dá ouvidos e numa “necessidade vital” de um aparelho celular, sem o que se estará condenado a ser um excluído.

A preservação das tradições folclóricas e do patrimônio histórico, nesse contexto, revela-se como algo essencial. É que com isso se formarão organismos vivos que apontam para diferentes formas de vida, de cultura, de gostos das gerações passadas, e serão então um convite a uma saudável rebeldia contra a imposição massificadora da cultura atual. Mas há de se traduzir também em algo que aponta para uma essência universal e imutável no ser humano: a sua condição de filho de Deus e, como tal, dotado de uma infinita e incondicional dignidade.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Semana da Família

Iniciou-se ontem a Semana Nacional da Família. Ao contemplar esse tema, vem-me à mente, quase que instintivamente, a recordação dos domingos da minha infância. O calor intenso já inundava com os primeiros raios de sol aquela cidadezinha do interior. A vida despertava num ritmo letárgico. O comércio simplesmente não funcionava, de modo que o cardápio havia de ser muito bem pensado na véspera. E em meio a esse marasmo brotava no mais íntimo de cada um uma alegria inexplicável. Após a Missa matinal, o acontecimento mais esperado parecia dar sentido a tudo: o almoço em família.
É triste contemplar que esse saudável convívio familiar é pouco desfrutado atualmente. Não se trata de fazer considerações saudosistas do tipo “antigamente sim era bom”, mas temos de reconhecer que muito se perdeu da alegria que marcava a vida em família. Nossos domingos muito se aproximam dos dias normais, com o comércio todo funcionando, muitos trabalhando, e o lazer, ainda que o desfrutem pais e filhos, muitas vezes o fazem isoladamente. E por quê?
Penso que o grande mal que assola nossa sociedade é o hedonismo individualista, que se manifesta na busca do prazer pessoal a qualquer custo, esquecendo-se por completo do outro, ou, pior ainda, usando do outro apenas como instrumento para uma satisfação pessoal. E isso ocorre de forma muito cruel no seio das famílias. Dentre inúmeras outras manifestações disso, podemos pensar nos pais separados que quase se matam em demandas judiciais para obter o convívio dos filhos nas datas festivas e nas férias como se fossem um brinquedinho a aplacar a solidão e, ao contrário, pouco se empenham na formação desses filhos.
Mas isso não se manifesta somente nas famílias desfeitas. Aliás, nelas se torna patente algo que se haveria de ter cuidado antes e que depois se percebe que são a causa da triste separação. Por que se empenha tanto em que cada membro da família tenha a sua própria televisão no quarto, o próprio computador onde se jogam fora horas e dias na internet, roubando-os do convívio com os filhos, pais e irmãos, e isso quando o egoísmo não chega ao ponto de impedir que haja irmãos...
Num dia frio do mês de julho, as crianças se deliciavam derretendo marshmellow diante da lareira. E, de repente, com a naturalidade de quem está muito feliz e a vontade, passaram a improvisar umas apresentações de teatro. Uns se fizeram de roqueiros, outras de Cinderela, outros ainda encenaram cenas de filmes policiais. E depois de tanto riso e diversão foi difícil convencê-los de ir para a cama. Com efeito, era muito bom estarmos juntos. E nem é necessária a lareira. Poderia ser – e ouso dizer que seria mais divertido ainda – diante de uma fogueira improvisada sobre um simples chão de terra...
A família é um lugar em que não cabe o egoísmo. Nela a felicidade se constrói a custa de sacrifício e esquecimento próprio. Essa postura, porém, ao contrário do que parece, não nos faz tristes e lamurientos. A entrega ao outro, por amor, é a maior fonte de alegria.
Soube do que aconteceu num lar que bem ilustra esse ambiente saudável que se há de viver na família. O filho pequeno, ao contemplar uma cena de uma pessoa que recebia o café da manhã na cama, disse: “eu nunca tomei café na cama”. O irmão mais velho, sabendo disso, resolveu fazer-lhe uma surpresa. No dia do aniversário do irmão, pulou cedo da cama e pôs-se a fritar ovos, preparar um chocolate quente e tudo o mais que o aniversariante gostava. E após muito esmero subiu com a bandeja repleta de guloseimas e bem enfeitada. Após o barulhento “parabéns a você” entoado desafinado pelos irmãos, o pequeno acordou sem saber ainda o que se passava. Ao notar a surpresa que lhe prepararam não pode esconder o sorriso de satisfação adornado pelo brilho de felicidade nos olhos.

O resultado foi que após umas garfadas nos ovos e um pequeno gole no chocolate tudo veio ao chão. Mas não importa. A paz e a felicidade na família se constrói com pequenos gestos como esse, ainda que às custas de uma colcha manchada, ou de uma vidraça quebrada.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Gripe suína

Nos últimos dias vivenciamos um clima de apreensão trazida – ao menos assim se pensa – pela proliferação do vírus influenza HIN1. É curioso notar as reações das pessoas nestes momentos mais críticos, pois então se afloram com toda clareza as suas convicções mais íntimas, que sustentam, ou sufocam, as suas vidas. Uns vivem um verdadeiro pânico, outros se empenham de forma voraz em atribuir a culpa a alguém, e outros, talvez os mais medrosos, fingem uma “corajosa” indiferença. Essas reações são naturais, afinal a ninguém apraz a idéia de ficar doente. Porém, temos de meditar um pouco sobre elas, para então tirarmos propósitos que nos façam amadurecer.
Há pessoas que dormem de máscara, isolam-se em casa quando as autoridades sanitárias ainda não as aconselham. Devoram elas notícias no jornal e na internet sobre o assunto. Essas parecem distorcer as sábias palavras de Riobaldo, pronunciadas na célebre frase de João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas: “Viver é muito perigoso”.
De fato, para morrer, basta estar vivo. E por mais que a medicina avance na cura das doenças, a dor e o sofrimento sempre acompanharão nossa passagem por esta vida. Essa consideração não pode servir jamais para estimular a imprudência e a irresponsabilidade. As autoridades competentes devem se empenhar de maneira eficaz por conter o avanço de epidemias e zelar pela saúde pública. Também a todos cabe tomar as precauções necessárias para evitar os riscos. E isso não apenas para não contrair o vírus da gripe, mas também para dirigir veículos de forma responsável, para procurar prontamente um médico quando se está doente e para adotar as medidas de segurança no trabalho, por exemplo.
Mas, por mais prudentes e responsáveis que sejamos, nunca conseguiremos abolir de nossas vidas os infortúnios. E então é o Riobaldo quem nos ensina novamente: “Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais difí­cil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”. Em outras palavras, mas sem pretender atribuir essa conclusão ao autor da obra citada, a doença somente não nos afligirá em demasia se soubermos dar um sentido profundo e verdadeiro a nossas vidas.
Mas há também os que de uma forma voraz, e não raras vezes injusta, têm um afã de por a culpa em alguém. Essa atitude é muitíssimo antiga. São inúmeros os casos na história de pessoas que foram tidas por culpadas por doenças e epidemias por atos de bruxaria ou outras coisas semelhantes e que hoje, com o avanço da ciência, sabemos que não passou de uma grande tolice. Contudo, em nossos tempos reacende-se a mesma tendência, talvez mais rebuscada. Com efeito, há quem atribua a proliferação do vírus à omissão do Governo de organismos internacionais etc. De fato, pode ser que uma atuação mais pronta e incisiva pudesse ter diminuído os danos. Apesar disso, a ira, o olhar rancoroso daquele que vive em busca de achar culpados pelas próprias desventuras é uma postura que amarga a vida, tirando dela o seu sentido e sabor.
E há, por fim, aqueles que acham que tudo é bobagem, que são exageros da mídia, que está tudo bem etc. Não está tudo bem. Há pessoas sofrendo e morrendo e isso não pode nos manter numa egoísta indiferença.
É verdade que outros vírus e outras causas matam muito mais que esse mal que agora nos ameaça. Não tenho dados estatísticos, mas ouso afirmar que os riscos de perder a vida num acidente automobilístico é maior do que contraindo essa doença.

Seja como for, há um mundo belo que nos convida e uma caminhada alegre de doação aos demais. E nessa aventura, não tomarão parte, porque não querem, nem os medrosos que se mantêm acanhados num cantinho escuro, nem os egoístas que pensam que podem seguir totalmente alheios ao sofrimento do irmão que segue chorando bem ao seu lado.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Pensão alimentícia e o rancor da separação

Recentemente tivemos a notícia da prisão do ex-jogador Romário por não pagar pensão alimentícia. Não pretendo comentar o caso em si e nem fazer uma espécie de abordagem jurídica do assunto. Mais importante que isso é nos voltarmos ao coração das pessoas que tiveram uma relação conjugal rompida e que acabam por cair numa situação triste como essa. Apesar de tantos traumas e ressentimentos que trazem o homem e a mulher que passaram por uma separação, o que os impede de encontrar de novo a felicidade?
Uma das características mais importantes da união conjugal é a perenidade. Quando se inicia um relacionamento dessa natureza ninguém pensa que será por um prazo determinado. Acredito que nenhum homem e nenhuma mulher ousariam dizer: “eu te amarei por dois anos”, ou, “eu pretendo estar contigo por seis meses e, depois, tudo estará acabado”. E se houver quem pense assim, por certo se trata de uma situação patológica de egocentrismo digna de tratamento psiquiátrico. É que o verdadeiro amor matrimonial é exclusivo e feito para durar. Aliás, isso não é uma exclusividade do amor conjugal. Algo de semelhante se passa com a amizade. Também não é nada comum pensar ou dizer “serei seu amigo por dois meses”.
Sendo assim o relacionamento conjugal, é evidente que a sua ruptura sempre deixa marcas amargas em que passou por ela. Nuns mais, noutros menos, é certo que o divórcio e a separação causam estragos enormes. Mas sabemos que, por vezes, a separação se faz inevitável. Nesses casos, como deveriam se portar os ex-cônjuges entre si e para com os filhos?
O pai ou a mãe que após a separação mantém um convívio mais freqüente com os filhos, aquele que fica com a guarda, como se diz na linguagem jurídica, deve se esforçar por fomentar o respeito pelo ex-marido ou pela ex-esposa. Por mais defeitos que se possua, por mais terríveis que tenham sido suas ações, em cada ser humano há sempre qualidades boas que podem ser reconhecidas e enaltecidas diante dos filhos. Ainda que isso seja muito difícil de ser feito, talvez se devesse tentar ao menos por amor aos filhos. Para se ter uma idéia de como eles se sentem quando o pai ou a mãe faz críticas ao outro diante desses, basta que nos examinemos como nos sentimos quando, diante de nós, se caluniam as pessoas a quem amamos de verdade.
Criticar o pai ou a mãe diante dos filhos é uma das piores fontes de violências que pode praticar quem enfrentou a separação, e também para o casal que vive junto. É que, aconteça o que acontecer, o pai será sempre o pai, e a mãe, mãe, de modo que os ataques a ele ou a ela, ainda que justos, são recebidos como punhaladas que ferem e machucam por dentro.
E do pai ou da mãe que não tem a guarda, o que se espera é responsabilidade e honradez de prover com as necessidades materiais e afetivas. Pagar a pensão convencionada é um mínimo que se pode fazer. Mas mais que isso, há de se desdobrar para manter um convívio saudável, que promova a formação dos filhos.
E entre o homem e a mulher que tiveram o relacionamento rompido, é necessário o perdão. É comum saírem da separação com uma tonelada de ressentimento nas costas. É o peso que têm os sonhos frustrados, os projetos que fizeram para uma vida toda e que agora desabou, os bons momentos passados juntos e depois atirados no lixo. É, pois, natural que guardem mágoas. Porém, enquanto não se libertarem delas não encontrarão de novo a paz necessária para alcançar a felicidade.

O ressentimento é um peso insuportável de que precisamos nos libertar. Imaginemos que tivéssemos de fazer uma caminhada e, num determinado momento, alguém nos colocasse um saco cheio de pedras grandes e pesadas nas costas. Haveríamos de nos livrar desse fardo o quanto antes, sem o que seria impossível prosseguir. Assim ocorre com o nosso coração. Não importa quem nos tenha ferido, mas é necessário perdoar, do contrário, o rancor se converterá em correntes que nos aprisionam e nos impedem de caminhar com a leveza de espírito que marca aqueles que encontraram, entre as agruras da vida, o caminho da verdadeira felicidade.