segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Trabalhar: até quando?

O Correio Popular do penúltimo domingo, dia 23 de novembro, trouxe uma matéria, que trazia como título “Ânimo leva idoso a adiar aposentadoria”. A abordagem foi muito feliz e nos coloca diante de uma questão crucial em nossas vidas: até quando devemos trabalhar?
Penso que todas as questões existenciais que podemos nos propor não ficam bem resolvidas se não consideramos que cada homem e cada mulher, que receberam o imenso dom da vida, foram também chamados a uma missão. Ninguém existe por acaso, assim como ninguém é absolutamente dono da própria existência.
E essa missão é extremamente importante não apenas para nós próprios, como para as demais pessoas e para a humanidade inteira. Quando um ser é concebido e ainda não passa de uma célula no ventre materno, é como que se a sociedade inteira já estivesse na expectativa da vinda de um novo ser que é destinado a fazer este mundo melhor. É bem verdade que esse futuro homem, ou futura mulher, poderá cumprir bem ou não o seu papel, e aqui entra a questão da liberdade. Porém, todos aguardam que ele lute pela missão a que foi chamado, pois a felicidade depende disso, assim como disso depende, em certa medida, o próprio desenvolvimento da humanidade.
E quando termina essa missão? Penso que apenas com último suspiro. Enquanto viver poderá, livremente, ser-lhe fiel a esse chamado, ou, ao contrário, desgraçadamente ser infiel. Mas embora a missão termine com a morte, os efeitos de uma vida se prolongam no tempo. Quem duvida disso basta ler os escritos ou a biografia de pessoas que viveram há séculos ou mesmo milênios, e ver como essas vidas ainda hoje nos estimulam a ser melhores.
A reportagem que mencionei no início fala do caso da aposentada, Elza Vitorino Ferreira, que fará 65 anos no dia 27 de dezembro, mas que não pensa em se render ao ócio e irá protelar, ao máximo, sua saída do mercado de trabalho. A frase dela é tão singela quanto sábia: “Tenho horror à solidão e me sinto bem trabalhando (...). Deus me dando saúde, vou trabalhar enquanto eles me quiserem”. Que exemplo fantástico de vida: trabalhar até quando me quiserem! Não é frase lançada ao acaso, são palavras ditas por quem sabe que está de passagem, mas enquanto lhe forem dados os dias, os ocupará em construir algo de bom. E quanto bem se pode fazer vendendo produtos num supermercado! Quantos ares carrancudos não terá ela desfeito com um simples sorriso!
Acredito sinceramente que o homem e a mulher existem para trabalhar, assim como o pássaro para voar. Para se entender essa afirmação é necessário entender bem o que seja trabalho. Nesse contexto, o pai que troca uma fralda do filho à noite está trabalhando, e exercendo um trabalho de extrema importância. A pessoa que visita um amigo doente também faz um belo trabalho. O voluntário que diverte uma criança do Boldrini também exerce um maravilhoso trabalho.
Não estamos questionando o legítimo direito à aposentadoria. Trata-se de um direito social fantástico que precisa ser mantido e aprimorado. Nada mais justo que se desfrute de uma remuneração mensal após anos de dedicação a um trabalho profissional. Porém, penso que faz um grande mal a si próprio e à sociedade o aposentado que se dedica apenas a desvendar palavras-cruzadas e gasta os dias com pijama a matar o tempo, esperando a morte, que, paradoxalmente, não deseja que chegue nunca. Não há idade, não há condição de saúde, não há situação alguma que justifique não sonhar e fazer algo de bom pelos demais.
De novo é a Dona Elza quem nos dá a sua lição. Segundo a reportagem: os afazeres domésticos são realizados pelo marido, José Ferreira Filho, que se aposentou aos 45 anos e permaneceu dez anos desocupado, o que segundo Elza, afetou seu humor e envelheceu a aparência. A situação foi revertida quando Ferreira voltou à ativa como churrasqueiro aos finais de semana. “Ele remoçou muito e agora está feliz com o trabalho”, diz Elza. De fato, o trabalho feito com amor “remoça” e nos faz felizes, pois essa é a nossa missão.

Não sabemos como e nem quando terminará essa nossa passagem pela vida. Mas que alegria se esse misterioso dia nos surpreender trabalhando, por amor, naquilo a que fomos chamados a fazer naquele momento.

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