Há algumas semanas a prisão e soltura de empresários e
políticos pela Polícia Federal fizeram com que o Judiciário fosse alvo de duras
críticas da opinião pública. E a indignação não está tanto no conteúdo das decisões,
seja daquela decretou a prisão, seja da que os colocou em liberdade, mas na
rapidez com que os presos conseguiram que a questão chegasse ao STF. Com
efeito, revelou-se um terrível paradoxo: a instituição que sempre é criticada
pela insuportável morosidade, cai agora em descrédito exatamente pela inusitada
agilidade.
A Constituição Federal consagra em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei. Em nosso País há inúmeros
mandados de prisões expedidos. Muitos desses podem ser considerados injustos, ao
menos no entendimento do Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, esses presos
poderiam estar seguros de que em 24 horas teriam essas ordens de prisão
apreciadas pelo Presidente da mais alta Corte do Judiciário?
É evidente que isso não é possível. Então penso que a sociedade
tem o direito de exigir dos que administram a justiça uma resposta clara e
convincente a uma dúvida de muitos cidadãos: quais são os critérios que
norteiam a atividade do juiz no sentido de dar prioridade a determinados casos
em detrimento de outros?
Acredito que todo juiz se vê constantemente diante
desse dilema: não sendo capaz de dar prontas decisões a todos os casos, deve
escolher quais serão apreciados dentro das horas de trabalho que tem em um dia.
Mas quais são os fatores que norteariam essa escolha?
Se há uma virtude que não pode faltar no magistrado é
o bom senso. De fato, não dá para se definir com regras rígidas a quais casos
deve ser dado prioridade. Apesar disso, a população tem o direito de saber
quais são os critérios, até para aferir se são ou não legítimos.
E a busca por tratar com isonomia a todos que procuram
pelo Judiciário não pode limitar-se a propósitos genéricos, desses que ficam
muito bonitos em obras literárias. Ao contrário, penso que o juiz deve se
examinar com freqüência sobre os serviços que presta. Será que se dá mais
atenção ao caso que vai sair na imprensa do que àquele entre dois vizinhos sem
qualquer expressão? Será que se trata com urbanidade e respeito a todos em
audiência e fora dela? Penso que o juiz deve se fazer constantemente esses
questionamentos, sob pena de ser engolido pelo volume de processos que todos
sabem que está acima de suas forças.
A atuação do juiz não deve estar limitada a “dar a
cada um o que é seu”, como se diz na definição clássica de justiça. Deve ele
próprio se exigir mais. Há alguns anos, um técnico de futebol, falando ao seu
modo aos jogadores de um time amador, tentava estimulá-los a vencer o jogo numa
situação difícil: “temos de colocar o coração na ponta da chuteira e vamos
lá!”. Talvez seja um pouco disso que as pessoas esperam do juiz, que coloque o
coração na ponta da caneta. Que saiba chorar com os que choram, que saiba
sorrir com os que sorriem.
Evidentemente, não se espera do juiz uma atitude
“sentimental”. Se há um terreno em que não cabe muita emotividade é no ato de
decidir um litígio. Mas a racionalidade que deve nortear as decisões não tem
nada de incompatível com a postura de se colocar no lugar daqueles que diante
dele clamam por justiça.
Esse tratamento digno e isonômico que se espera do
juiz não pode depender apenas de sua própria consciência. Penso que o
Judiciário, enquanto instituição, deve exigir isso de seus membros. E a
população tem o direito de exigir que o Judiciário seja um eficiente prestador
de serviço público. É certo que as decisões do juiz não estão sujeitas a esse
controle. E, se estiverem erradas, há os recursos que as corrigem. Agora, ao
contrário, na administração da justiça devem ser tomadas as medidas que avaliem
a sua eficiência.
Neste momento em que a opinião pública questiona, e
com razão, a rapidez de umas decisões em detrimento da insuportável morosidade
de outras, deveríamos considerar que não é justo que a agilidade das decisões
dependa da categoria das pessoas que são julgadas. E essa atitude é tanto menos
aceitável na instituição que, por vocação, deve dar a cada um o que lhe é
devido.
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