segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A vida num instante

Muitos de nós assistimos indignados ao fracasso da atleta brasileira no salto com vara nas olimpíadas de Pequim. Quantas horas de treino, quantos sonhos, quantos esforços, quanta luta e quanta esperança depositados naquele momento único! E eis que, com um detalhe pequeno, uma vara perdida, se joga tudo fora... Penso que o exemplo dessa dura desilusão pode nos colocar diante de um questionamento fundamental: onde e em que estamos pondo nossos sonhos e depositando nossas esperanças? É que disso depende, e muito, a nossa felicidade e o nosso fracasso em nossas vidas.
Numa análise superficial parece que a vida foi muito cruel com Fabiana Murer. As olimpíadas somente acontecem a cada quatro anos. Talvez na próxima, a idade, implacável, e, com ela, a redução do vigor físico, a mantenham de fora. Enfim, talvez fosse uma oportunidade única...
Porém, como uma verdadeira vencedora, não é assim que ela reagiu: “Eu me tranqüilizei. Vou lá me divertir, brincar um pouco. Mas em competições na Europa. Eu posso melhorar meu salto e conquistar grandes resultados para o Brasil”. Depois da derrota injusta, segue ela com o firme propósito de seguir lutando. Para si própria? Não, como diz a atleta, pelo seu País.
E nós, será que estamos vivemos a espera de oportunidades únicas que se esvaem tão fugazes quanto aparecem? Muitos parecem não viver, mas aguardar que se realizem projetos para, então sim, serem felizes. Com efeito, pensamos: “quanto eu fou desembargador (ou desembargadora)”, “quando comprar a minha casa”, “quando tiver menos processos em atraso” então sim serei feliz. Nenhum desses anseios é ruim, o problema é a importância que damos a eles em nossas vidas.
Temos de colocar a nossa esperança e o nosso coração em coisas que permanecem. Passar um dia todo “paparicando” um pai ou uma mãe idosos, talvez os levando a um passeio que os agrada muito, ou visitar um amigo ou parente doente, esforçando-se por levá-los consolo e alegria, são ações que também se realizam em pouco tempo, mas selam a alma com uma alegria que perdura. É que nessas iniciativas o foco de nossas ações não está em nós mesmos, mas nos outros.
Dedicar tempo aos filhos. Sentar com eles e ajudá-los na lição de casa, ainda que estejamos arrebentados de cansaço. Fazer passeios juntos, pescar, jogar futebol, observando-os, corrigindo-os oportunamente e estando de verdade com eles. É inegável que isso rouba o tempo que poderia ser gasto em bebericar com amigos ou, pior ainda, lançar-se em ruinosas aventuras extraconjugais. Porém, essas ações, egoístas e ilícitas, fecham a alma num vazio sem fim, ao passo que aquelas a abrem para um universo fantástico onde reina a alegria e a paz.
Há de se esmerar no trato com a esposa e com o marido. Que cada um não faça do outro um simples objeto que se usa para alcançar algo e que logo se esquece quando não mais representa uma utilidade. Note-se, pois, que todo relacionamento exige esforço e luta constantes, mais heróicas e mais perseverantes que o esforço e a luta dos atletas olímpicos. Mas quão saborosos são os frutos que se experimentam a cada prova que se vence juntos! A cada obstáculo que se transpõe de mãos dadas!
Penso que a nossa vida é sim uma grande olimpíada. Há uma largada, inicialmente lenta, como uma maratona. Por vezes (quase sempre) temos de saltar obstáculos, que vão ficando cada vez maiores... E nadamos, afundamos e voltamos à superfície, remamos contra a corrente, velejamos contra o vento. Lutamos, batemos e apanhamos. Mas tudo isso passa, tudo se supera.

Mas eis que um dia nos lançaremos num salto à distância, duplo, triplo..., que nos remete não para um banco de areia, mas para uma imensidão sem volta. E o que fica de todas as nossas ações em favor dos pais, filhos, amigos, esposa, marido? Ficam os minutos, os segundos que, por amor, soubemos dedicar a eles nesta vida. Esses ficam gravados para sempre na alma daqueles a quem servimos, ao mesmo tempo que nos impulsionam fortemente, mais ainda, nos arremessam mesmo para uma feliz eternidade, ou, se preferirem, para uma eterna felicidade.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

É necessário falar

Diz a sabedoria popular que a boca fala do que o coração está cheio. Essa frase nos remete para um assunto que é sempre oportuno considerar: a comunicação no casamento. É que da forma com que marido e mulher aprendem a se comunicar depende o sucesso da família a que eles se lançaram a construir.
E para que haja um relacionamento saudável, há que se cuidar do diálogo desde o namoro. Nessa fase, não há ainda as responsabilidades da vida quotidiana a dois, de modo que toda a atenção se concentra na alegria da contínua descoberta recíproca. Porém, além desse encantamento saudável, deveriam eles se ocupar de algo um pouco mais racional que afetivo, que são as expectativas que trazem para o relacionamento. Isso porque é muito comum crises sérias abalarem as famílias porque não se conversou antes do casamento a respeito do que cada um pensa sobre assuntos importantes: filhos, trabalho, família, lazer etc.
E uma vez estabelecida a vida a dois, a comunicação entre o casal passa a ter importância fundamental. Marido e mulher devem conversar francamente sobre o que esperam do outro, as atitudes dele (ou dela) que desagradam ou que não são boas. Porém, como o diálogo somente existe se houver dois lados, ao mesmo tempo que se fala, há de se estar disposto a ouvir e ponderar no que o outro diz.
Um dos grandes problemas do casamento é que marido e mulher não falam abertamente e com calma sobre o próprio relacionamento, sobre os defeitos do outro. Guarda-se o problema para si até que, de tanto não agüentar mais, explode-se, e então se fala mais que deveria, ofende-se, e, pior, impede que o outro enxergue um defeito ou um aspecto a melhorar. Tomemos um exemplo bem comum. Ele não gosta que ela se atrase para os compromissos. Enquanto se preparam para uma festa, ele, que já está pronto com muita antecedência, aguarda por ela aflito de olhos no relógio. E, de tanto segurar, acaba por explodir já no carro a caminho da festa.
Outro exemplo. Ela se aborrece muito quando ele informa que irá retornar a casa num horário e não cumpre. Talvez ela não diga numa primeira ocasião, nem noutra, porém, em algum dia em que surge algum desentendimento, solta frases do tipo: “você não liga para mim. Prefere o seu trabalho e os seus amigos à sua família”. Provavelmente ele não saberá o real motivo pelo qual ela está a dizer isso, e por certo terá defesas bem articuladas: “eu trabalho para ...”.
O ideal seria que marido e mulher conversassem sobre esses problemas com calma, quando não se está diante de uma situação tensa. No entanto, temos a tendência de desabafarmos, atirando acusações contra o outro quando estamos nervosos ou irritados e, quando tudo está calmo e sereno, nos custa voltar a tratar do assunto. Porém, são nesses momentos de serenidade que, com valentia, deveríamos nos lançar a ajudar o outro a ser melhor, esforçando-nos por corrigir o cônjuge para o seu bem. E o esforço há de ser maior ainda em ouvir e colocar em prática os conselhos recebidos.
Machado de Assis, na carta à sua noiva, escreve: “Dizes que, quando lês algum livro, ouves unicamente as minhas palavras, e que eu te apareço em tudo e em toda a parte? É então certo que eu ocupo o teu pensamento e a tua vida? Já mo disseste tanta vez, e eu sempre a perguntar-te a mesma cousa, tamanha me parece esta felicidade. Pois, olha; eu queria que lesses um livro que eu acabei de ler há dias; intitula-se: A Família. Hei de comprar um exemplar para lermos em nossa casa como uma espécie Bíblia Sagrada. É um livro sério, elevado e profundo; a simples leitura dá vontade de casar. Faltam quatro dias; daqui a quatro dias terás lá a melhor carta que eu te poderei mandar, que é a minha própria pessoa (...).

São frases ditas por alguém que entende muito de comunicação. Pode-se até dizer que o poeta e o escritor sabem desenhar o coração (o que sentem) em belas prosas e versos. E o Machado de Assis o faz com muita sabedoria ao se intitular como uma carta que dará à amada. De fato, esse livro, “A Família”, que no fundo marido e mulher  escrevem juntos, depende e muito do empenho que cada um faz por levar à boca e no momento certo os maravilhosos tesouros que trazem em seus corações.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Pais bem sucedidos

Ontem foi dia dos pais. Sabemos que exercer de forma responsável a paternidade hoje em dia não é uma tarefa nada fácil. Isso porque o trabalho profissional  consome grande parte do nosso tempo e das nossas energias, de tal sorte que muitas vezes acaba ficando para um segundo plano a atenção que deveríamos dar aos nossos filhos. Nesse cenário, é possível sermos ao mesmo tempo bons profissionais e pais bem sucedidos?
Sabemos com certa facilidade o que é necessário para alcançar o sucesso profissional. Dentre outros, são necessários o estudo, a dedicação e a perseverança. Com efeito, é preciso que se dominem os diversos aspectos de nosso trabalho, o que não se consegue sem um estudo apurado e constante. Além disso, é necessário gastar tempo, muitas horas do dia para sermos bons profissionais. Por fim, é necessário perseverar. É que não atingiríamos o sucesso em nenhuma profissão se formos pessoas inconstantes, que desistem logo que se depara com as primeiras dificuldades.
Esses ingredientes são os mesmos necessários para se forjar pais bem sucedidos.
O mundo moderno traz muitas facilidades, mas também nos coloca diante de muitos desafios. Assim, é necessário que os pais sejam verdadeiros profissionais da educação. E isso não se consegue sem um estudo constante sobre a educação dos filhos. Atento a isso, cada vez mais se lançam livros e se organizam cursos que ensinam os pais a serem pais. Mas essa formação não pode se limitar a umas aulinhas sobre técnicas para trocar fraldas e para dar banho em bebês recém-nascidos. Muito mais que isso, os pais devem estar preparados e bem informados para lidar com assuntos complexos e delicados, tais como o uso da internet, as causas da rebeldia na adolescência, educação sexual, dentre muitos outros. E para isso é necessário estar bem informados.
Mas não basta ficar nos conhecimentos teóricos. Há que se encontrar tempo para estar com os filhos. Para que isso seja possível, o trabalho profissional tem de ter hora para começar e hora para terminar. Do contrário, corre-se o risco de prolongar-se cada vez mais o tempo dedicado ao trabalho profissional, ficando os filhos para um terceiro ou quarto planos. E além de nos esforçarmos por chegar a casa num horário bem determinado, em que seja possível estar com os filhos, devemos nos empenhar por estarmos de fato presentes, vale dizer, disponíveis para passar bons momentos juntos, participando de jogos saudáveis ou mantendo agradáveis conversas familiares.
É necessário perseverar. O pai não tem o direito de jamais “lavar as mãos” diante da educação dos filhos. Ao contrário, deve ter muito claro que sempre terá a responsabilidade pela formação do filho. E esse amor que se traduz numa entrega constante do pai em favor do filho deve ser incondicional.
Os pais bem sucedidos cuidam muito bem daquela sem a qual eles não seriam pais, qual seja, a mãe de seus filhos. Todo ser humano nasce com uma necessidade irreprimível de ser e de se sentir amado. Exatamente por isso, todos querem que aqueles que nos transmitiram o dom da vida, que é um ato de amor, que se amem entre si.
Muito se tem pensado e trabalhado nas empresas de sucesso para manter um bom nível de relacionamento entre as pessoas. É que cada vez mais se percebe que os resultados de qualquer instituição dependem da qualidade do ambiente de trabalho. Nesse aspecto, os pais que pretendem ser bem sucedidos devem notar que no ambiente familiar, mais que se buscar um bom relacionamento, devem se esforçar por construir no lar um ambiente alegre e sereno. Trata-se de fazer com que reine o afeto e a ternura. Mas isso não se consegue apenas com “profissionalismo”. É necessária a generosidade que leva ao esquecimento próprio para se dedicar aos outros.

Com essas considerações, poderia alguém pensar que ser pai é algo cansativo e entediante. De fato, ser pai implica chegar ao final do dia tomado pelo cansaço. No entanto, não há nada de tédio nisso. Afinal, não há salário ou gratificação que pague o valor de um doce sorriso com que somos recepcionados ao adentramos em casa, nem muito menos aquele carinhoso “feliz dia dos pais” com que fomos brindados ontem e sempre.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Desumanização tecnológica

Na semana passada foi promulgado um decreto pelo Presidente da República que tem como objetivo “humanizar”, pelas empresas que possuem “call centers”, o atendimento telefônico aos usuários. A iniciativa é muito boa. De fato, o avanço tecnológico, embora proporcione a melhoria na qualidade de vida,  lamentavelmente tem, de igual forma, trazido um empobrecimento nas relações entre as pessoas. Mas será que esse problema se resolve exclusivamente por decreto?
Há alguns anos, quando eu ainda cursava o então chamado colegial, um professor de literatura alertava para no futuro o diálogo pessoal se reduziria consideravelmente. Dizia ele, a título de exemplo, que, em poucos anos, seria possível fazer uma compra de supermercado sem trocar uma palavra: haveria um equipamento eletrônico que registraria o preço de cada produto, ao final, o cliente exibiria um cartão, com esse gesto indicando a forma de pagamento, e, em seguida, digitaria a senha e o valor seria debitado diretamente na conta corrente. Com isso,  sairia sem dizer uma única palavra. Lembro-me de que houve uma exclamação geral de descrédito entre os alunos com o exercício de “futurologia” do professor. Com efeito, vivíamos ainda no tempo das etiquetas de preço lançadas nos produtos, cujos valores eram digitados na caixa registradora. No entanto, a situação que hoje vivemos supera em muito o que previu o bom mestre e parece sepultar o bom diálogo pessoal e real entre as pessoas.
Mas o empobrecimento das relações humanas não se dá apenas no diálogo, mas também atinge a afetividade. Isso é muito sensível na educação. Muitos pais pensam que para educar bem, basta que procurem algum colégio que tenha um método eficiente, que esteja todo protegido para que a criança não se machuque e, principalmente, que disponha dos mais avançados recursos tecnológicos. Isso tudo é importante. Porém, não se pode esquecer de que se está diante de seres humanos. E as crianças gostam, mais que isso, precisam de afeto. É necessário que os pais as tomem no colo, que as beijem, apertem, enfim, que sintam com gestos concretos que os pais as amam de verdade, e que esse amor é incondicional, que não depende de suas qualidades, defeitos ou virtudes.
Com relação ao idoso, ao menos no tempo em que vivemos, talvez esse fenômeno seja mais cruel. Isso porque se preocupa em facilitar-lhe a vaga de estacionamento no shopping, no supermercado, que não fique nas filas, que tenha transporte público gratuito. Contudo, qualquer um deles trocaria rapidamente todos esses privilégios por alguns minutos de atenção. Tenho de confessar ao leitor que muito me invejo de um colega e grande amigo que não esconde a satisfação que sente em cuidar com muito zelo e carinho de sua mãe, por sinal, uma adorável senhora.
E o doente? Talvez seja ele quem mais sente esse esfriamento nas relações humanas. É que com o fantástico desenvolvimento da medicina, os equipamentos substituem o longo diálogo e o exame clínico na tarefa de buscar o diagnóstico. Evidentemente, esse fato em si não tem nada de ruim. Ao contrário, a tecnologia avançada em muito tem contribuído para a cura de doenças, outrora incuráveis. Mas não se pode esquecer, contudo, que o doente muitas vezes tem necessidade de que o ouçam com mais atenção, que os seus amigos e familiares se façam presentes nos momentos de dor e aflição. E é hoje muito comum que todos, médicos e familiares, confiem na eficiência dos equipamentos de “última geração” e se esqueçam de que aquele ser humano necessita de um afago, de que alguém sente ao seu lado para lhe contar coisas amenas e alegres e, se possível, que lhe surpreendam com uma guloseima.

Não é necessário que assumamos uma postura saudosista, que tachemos de ruim tudo o que a modernidade trouxe. Contudo, devemos travar uma luta constante para fazer com que esses avanços sejam usufruídos sem prejuízo da saudável relação pessoal de outrora. Não se trata de quebrar o computador, nem de querer voltar à máquina de escrever ou ao carro de bois, mas de redescobrir, neste mundo real que nos cerca, pessoas que têm um coração de carne, que precisam ser fitadas nos olhos, abraçadas, enfim, amadas tais como são. E isso não se consegue apenas com um decreto presidencial.