Muito se tem festejado a redução dos acidentes de
trânsito após o início da vigência da Lei Federal nº. 11.705, de 19 junho de
2008, que instituiu a chamada “tolerância zero” para a direção de veículo sob o
efeito do álcool. E a notícia é para festa mesmo, pois se fala em 27%, 35% e
até 40% de diminuição no número de
acidentes. Mas se há um dado extremamente positivo nisso, há outro preocupante:
será que esses 27%, 35% ou 40% dos motoristas não dirigem bêbados somente
porque isso pode lhe ensejar multa, apreensão do veículo ou responder a
processo criminal?
Tenho um tio, já falecido, que costumava dizer de uma
forma bem humorada: “eu não gosto da pinga, eu gosto da ‘tonturinha’ que a
pinga dá”. Gosto de lembrar essa sua frase, e também de outras formuladas por
pessoas mais simples, pois elas revelam a verdade sobre o que se pensa, mais
ainda, sobre o que motiva suas ações. De fato, a pessoa ingere a bebida porque
ela lhe dá prazer. Mas será correta a busca do prazer de uma forma inconseqüente,
sem se preocupar com a tranqüilidade, a segurança e a vida dos demais?
É oportuno indagarmos com freqüência sobre o que motiva
as nossas ações. O medo à punição, o puro respeito às regras, ou o bem do
outro?
A lei, a polícia e a justiça são necessárias. Afinal,
não se pode contar apenas com a “consciência” de cada um. Mais ainda, é
imprescindível que se aja com rigor contra aqueles que descumprem as regras.
Pois, do contrário, o efeito intimidatório da lei passará tão depressa quando
os efeitos prazerosos da bebida.
Mas há um exagero em se apontar a impunidade como a
causa de todos os males que nos afligem. De fato, ela traz conseqüências muito
danosas. Porém, será que antes dela, não há uma razão mais profunda, arraigada
no interior de cada ser humano? Com efeito, se a pessoa, antes de exagerar na
bebida, pensasse no mal que isso faz ou pode fazer aos filhos, à esposa, aos
que transitam na via pública, não seria necessária a punição para que fosse
moderado no consumo ou, em determinadas ocasiões, se abstivesse mesmo do uso de
bebida alcoólica.
E esse aspecto do problema não se corrige com punição,
mas com formação das pessoas, a começar pela família e pela escola. Talvez no
afã de formar profissionais “brilhantes”, que se destaquem profissionalmente, muitos
pais e profissionais da educação se esquecem de que o ser humano é um todo
complexo, e que exatamente por isso necessita de uma formação integral. Assim,
tão ou mais importante que estudar as leis da física, que explicam a dinâmica
de um acidente automobilístico, é necessário ensinar os valores humanos, dentre
eles, a generosidade, a responsabilidade, o respeito pelo próximo.
Pode parecer utópica essa proposta de mudar a
sociedade por meio da formação de valores nas crianças. No entanto, se fizermos
uma experiência, veremos que elas têm um senso de justiça muito aguçado, de
modo que bem rápido apreendem e colocam esses ensinamentos em prática.
Num dia desses fui com minha família a uma pizzaria.
Comemorávamos o aniversário de um filho e acabei tomando dois copos de chope.
Quando saímos, tomei o meu lugar no volante. Ao notar isso, que nenhum dos
adultos notava, meu filho disse indignado: “Mas pai, você bebeu, não pode
dirigir!”. Confesso ao leitor que a frase dele me deixou envergonhado.
É bem conhecida entre os juristas uma teoria que
sustenta que o Estado deve formular leis que defendam as pessoas menos
favorecidas, tutelando a parte mais fraca das relações. E a frase que resume
essa teoria é: “entre o forte e o fraco é a liberdade que escraviza e a lei que
liberta”. Sem me preocupar com os fundamentos dessa afirmação, parafraseando-a,
ousaria dizer que entre o bêbado e o egoísta é a lei que intimida, mas é a
educação que conserta.
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