segunda-feira, 14 de julho de 2008

Gastos eleitorais: uma mentira aceitável?

Agora que se encerrou o prazo para que os partidos e coligações registrassem suas candidaturas para as eleições municipais de 2008, a imprensa tem noticiado os limites máximos de gastos que os candidatos informaram à Justiça Eleitoral. E as matérias publicadas seguem mais ou menos uma mesma linha: relatam números (milhões) que, em si, causam perplexidade no cidadão comum e, em seguida, dizem nas entrelinhas, ou mesmo abertamente, que esses números são apenas os informados, mas que, na verdade, os gastos reais serão bem superiores aos declarados.
E entre os cidadãos que se deparam com tais notícias ocorre algo semelhante. Ao se depararem com o assunto, é corriqueiro o seguinte comentário: “Mas isso é só o que eles afirmaram que vão gastar, mas na verdade os gastos serão muito maiores”. Penso que essa postura é muito preocupante. Isso porque ou os meios de comunicação exageram, sugerindo que todos os candidatos mentem à Justiça Eleitoral, e nesse caso a imprensa, ao invés de informar, deforma, ou de fato os políticos, em regra, mentem ao prestar tão relevante informação. Seja como for, falta-se com a verdade e isso é tido pelas pessoas como algo tão corriqueiro que se aceita como sendo normal.
A mentira é sempre um mal. Trata-se de um ato reprovável que aos poucos vai abalando todas as estruturas sociais. É que a vida em sociedade deve ser pautada pela confiança nos demais. E quando falta essa confiança a vida se torna insuportável. Imaginemos como seria a nossa vida se tivéssemos de desconfiar de tudo e de todos. Por exemplo, se o médico nos receita um medicamento, é razoável supor que é o mais indicado para a nossa doença. E os exemplos poderiam se multiplicar. Mas é intuitivo que quanto mais pudermos confiar nas pessoas, tanto mais pacífica e harmoniosa será a vida em sociedade.
Ao contrário, quanto menos sejam as pessoas dignas de confiança, tanto mais complicada se tornará a vida. E todos nós sentimos isso de forma muito clara. Que bom seria se, ao fazermos um cadastro, pudéssemos dizer o nosso nome e demais dados sem apresentar nenhum comprovante. E se nos perguntassem se temos algum débito, diríamos que não e nossa palavra bastasse. Seria tudo mais simples. No entanto, como é complicado a todo tempo apresentar cópia disso e daquilo, com firma reconhecida na presença do tabelião etc.
Qual é a razão disso? É que alguns, ou muitos, faltam com a verdade, de modo que todos são prejudicados, posto que não se sabe, de antemão, quem é e quem não é mentiroso. Disso podemos concluir que a mentira é um verdadeiro câncer que corrói as relações sociais. E se é assim, não pode jamais ser considerada como algo normal e sem importância.
O mentiroso sempre tem uma desculpa. Dentre os políticos que informam um valor e mantêm um “caixa 2”, no fundo de suas consciências, inventam-se muitas justificativas: “é que tal empresa se dispõe a doar, mas não quer que lhe emita recibo e não quer aparecer”, ou “todo mundo recebe dinheiro por baixo do pano e, se eu não fizer, vou sair prejudicado”. Outros, mais argutos, esboçam justificativas mais bem elaboradas: “faço caixa 2 porque todos fazem, mas é necessário que seja eleito ainda que dessa forma, para trabalhar por esse povo sofrido...”. Se fosse isso verdade, poderíamos dizer sem medo de errar: pobre povo, que precisa de mentiras para escolher “bons” governantes.
Confesso ao leitor que muito me inspiram os ensinamentos de um grande santo que viveu no século passado. Uma de suas frases mais célebres é exatamente sobre a verdade: “Não tenhas medo à verdade, ainda que a verdade te acarrete a morte”.

Se nem a morte devemos temer por dizer sempre a verdade, também não se deverá temer a derrota numa eleição. Ademais, se o que se pretende, como vereador ou prefeito, é servir aos demais, não seria uma terrível incoerência mentir ao eleitor para conseguir um cargo público, com o qual se busca exatamente servir àqueles a quem se mentiu para chegar ao cargo?

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